*Publicado nesta data em coletiva.net
A concorrida posse de
Flávio Dino no STF , em 22 de fevereiro, reacendeu uma antiga e pertinente
questão: a legitimidade de escolha dos membros da corte suprema pelo
presidente da República. Pra começo de
conversa, é um tanto estranho um dos poderes da República– o Executivo – fazer
nomeações em outro poder – o Judiciário. Ah, mas o indicado passa por uma sabatina
no Senado para ser confirmado no alto cargo. Bullshit, diriam os americanos, ou
conversa fiada em bom português. Não se conhece caso de indicação presidencial
em tempos recentes que tenha sido rejeitada pelos senadores. A sabatina é
protocolar, um rito a ser seguido, mesmo que os oposicionistas da hora sejam
mais agudos nos seus questionamentos.
Ah, mas o sistema
brasileiro é o mesmo adotado nos EUA.
Bullshit 2. Lá a sabatina é pra
valer, precedida de vasta consulta à opinião pública e de audiências no Senado.
Outros países adotam a lista tríplice elaborada por órgãos ligados à Justiça,
no caso do Brasil STF. STJ, CNJ, OAB e IAB. Podem
ser processos demorados, mas capazes de minorar os efeitos da avaliação e a indicação
por exclusivo interesse pessoal, como aqui tem ocorrido.
O processo de escolha dos
ministros – a grande maioria jamais exerceu a magistratura, veremos adiante – é
só mais um componente do desgaste do STF junto à opinião pública, que as
pesquisas já têm apontado. As hostilidades em locais públicos envolvendo
ministros são frequentes e uma amostra de que boa parte da população perdeu o
respeito por suas excelências de toga, tema central da coluna da semana
passada.
A partir da implantação
da TV Justiça, em 2002 na gestão de Marco Aurélio Melo, e da audiência que cresce em julgamentos polêmicos,
os ministros ganharam notoriedade, rivalizando até mesmo com a seleção brasileira, com a vantagem
de jogarem juntos por mais tempo e não
passarem pela avaliação - e reações - de uma torcida instável a cada embate. A
exposição midiática é um convite ao exibicionismo e daí às derrapadas em
declarações é só um pulo.
O STF é composto por 11
membros e apenas três da atual formação já exerceram a magistratura – Luiz Fux,
Kassio Nunes Marques e Flávio Dino. A maioria foi indicada por presidentes
petistas: quatro por Lula, três por Dilma, dois por Bolsonaro, um por Temer e
um por FHC. Quase todos ostentam uma trajetória de notório saber jurídico, com
carreira acadêmica e autoria de livros referenciais. Nem tanto Dias Toffoli e Cristiano Zanin, que,
porém, encorpam o currículo com uma folha de bons serviços prestados ao PT.
Como nas melhores
orquestras, um conjunto desses, mesmo reunindo luminares do saber jurídico,
desafina de vez em quando e quebra a harmonia que se imagina existir na mais
alta corte de Justiça. É o que ocorre no momento, conforme matéria da Folha de
São Paulo, com o presidente Luís Roberto Barroso se indispondo com o autoritário
Alexandre de Moraes e com o belicoso Gilmar Mendes. O motivo das cizânias, que
quase levaram as vias de fato Barroso e Moraes, são divergências quanto aos votos
e posições dos ministros sobre matérias importantes em tramitação na corte. Não
dá pra esquecer que, antes de se tornar presidente, Barroso teve uma séria
discussão com Gilmar, quando disparou contra o colega: “Você é uma pessoa
horrível, com pitadas de psicopatia”. Olha
o nível!
Barroso, por sinal, não
foi convidado para o jantar promovido por Gilmar na semana passada, reunindo o
presidente Lula, o ministro Ricardo Lewandowski e o chefe da AGU, Jorge Messias,
mais os togados Dino, Zanin e Moraes. À mesa, foram servidos os indigestos
pratos dos ataques ao Judiciário, da contenda com Elon Musk, dos embates do governo
com o Legislativo e outros acepipes próprios das relações políticas. Tão
inusitado foi o encontro que o articulista Josias de Souza, ligeiramente
alinhado à esquerda, aplicou essa manchete na sua coluna no UOL: “Jantar de togas
com Lula dá ao STF aspecto de bancada do PT”.
A quem interessa um STF se expondo dessa
maneira, com sérias desavenças internas , atuando além das suas prerrogativas,
decidindo politicamente, interpretando a Constituição conforme sua conveniência,
com decisões que interferem nos outros poderes? Anulação das condenações de Lula à parte, arriscaria
dizer que interessa à J&F, que teve
suspensa por Toffoli uma multa de R$ 10,3 bilhões de um acordo de leniência;
interessa à Novonor (ex-Odebrecht) que teve uma multa de US$ 2,5 bilhões suspensa
pelo mesmo Toffoli; interessa à OAS que já entrou na onda e pediu a Toffoli que
suspenda uma multa de R$ 45 milhões da deleção premiada na Lava Jato; interessa
ao advogado Antônio Carlos de Almeida Braga, o Kakai, que pode frequentar o Supremo de
bermuda e sapatênis; interessa ao ex-governador do Paraná, Beto Richa que, por
decisão, não surpreendente, do Toffoli, teve
trancadas todas as ações contra ele em cinco
operações anticorrupção; interessa à Fundação Getúlio Vargas, FGV, sob
investigação por suspeitas de corrupção, parceira do Fórum Jurídico de Lisboa,
promovido por Gilmar Mendes, que não se considerou impedido para tomar algumas
decisões favoráveis à instituição. Interessaria aos próprios ministros que
tomam decisões como essas? É a pergunta que fica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário