segunda-feira, 6 de novembro de 2023

A plateia dos impertinentes

 * Publicado nesta data em coletiva.net

Venho sendo torturado em eventos por discursos longos,  palestrantes chatos e plateias impertinentes. Dos discursos longos, livrai-me ; dos palestrantes, mesmo os chatos , tenho confessada inveja por não estar no lugar deles, desfilando minha sapiência  em defesa de uma tese qualquer; dos participantes impertinentes, prefiro distância porque não tenho mais paciência para certos procedimentos. Sou um autêntico idiota da objetividade, como diria Nelson Rodrigues, por isso minha tolerância à enrolação é baixíssima. Por enquanto, vou me deter sobre os tipos que pululam nas plateias das conferências e palestras  e me fazem revirar inquieto no assento e maldizer a presença ali.

Começo pelo Autobiográfico, aquele que, antes de fazer a pergunta, conta uma história sem nenhuma importância em que ele é protagonista e tem atuação decisiva. A história deveria fazer conexão com a pergunta, normalmente uma obviedade qualquer. Sua palavra preferida é “Eu”.

O Autobiográfico é muito parecido com o Exibido, que levanta uma tese, que só ele acha relevante, para sustentar uma pergunta tão rasa que pode ser respondida com Sim ou Não. Sua expressão preferida é “na minha opinião”. Com frequência, ele nem faz questionamentos, apenas se pavoneia para terminar com um “era isso, obrigado”, esperando aplausos que não vem.

Dias atrás, participando de importante evento, tive minha atenção desviada do conteúdo da palestra por um tipo estreante, pelo menos para mim: o Repetidor. A cada frase do palestrante, ele ecoava a parte final. Não satisfeito, pontuava todas as assertivas com um comentário, de aprovação ou contrariedade, como se estivesse a dialogar com o conferencista. Fiquei tão atucanado com o Repetidor que aí mesmo é que não prestei atenção nas recomendações da palestra sobre um tema da hora, que me interessava muito.

Esse tipo fagueiro se confunde, às vezes, com o Contestador que, munido de dados e argumentos que destoam da essência da exposição, faz uma pergunta que vai permitir a apresentação do seu showzinho de conhecimentos, com réplicas e tréplicas, constrangendo o palestrante. Fico com  vergonha alheia do sujeito, que tem explicação para o seu procedimento:  “Sou pelo contraditório”, no caso dele, sem limites.

O Breve #sqn  é aquele que promete “ser sintético” e emenda, no que seria a pergunta, um palavrório  de não menos de cinco minutos, que será sempre maior, muito maior, que a resposta. Lembro que em um congresso em que participava, o palestrante, um conceituado acadêmico, encerrou o assunto, respondendo “Você tem toda a razão”.  Detalhe é que o Breve #sqn se considerou elogiado e ficou todo faceiro por ter “toda a razão”.

Tem ainda o Cerimonioso que se dirige ao “ilustre palestrante, de notório saber”; o Intelectual, também conhecido como Opiniático, prenhe de teses e citações antes de fazer pergunta; o Burraldo, que não entendeu nada da exposição, mas, mesmo assim, arrisca uma participação que provoca olhares penalizados do resto da plateia;  e o Engraçadinho, que tenta arrancar risos da assistência com uma história jocosa, nem sempre consegue, mas não perde a pose.

A fauna dos inquisidores impertinentes é bem maior que os exemplares aqui citados, todos em busca de notoriedade, por curta que seja, indo ao encontro do grupo humano que mais cresce entre nós: os Sem Noção.

 

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