*Publicado nesta data em coletiva.net
Um previdente amigo,
mesmo com a saúde perfeita, já trata de sua última morada, no caso, a sepultura
junto ao jazigo da família. O veterano fez contato com uma agente funerária, a
fim de se informar sobre condições para
um enterro digno, mas sem muita pompa e sem deixar questões para os vivos
resolverem. A moça era bem despachada, o que levou meu amigo questioná-la sobre
como fora cooptada pelos serviços fúnebres que, convenhamos, não é emprego dos
sonhos de ninguém.
- Eu era recepcionista de
motel, aí me ofereceram um salário bem melhor e aqui estou.
Diante da resposta, o
potencial cliente saiu-se com essa graça, um tanto questionável.
- Ah, claro, já estavas
acostumada a atender gente deitada.
Soube depois que a moça
já partiu para outros desafios profissionais ou “desencarnou” da funerária, em
mais um gracejo do meu amigo, acrescentando que, pela especialização adquirida,
ele acredita que virou massagista ou está dedicada a alguma outra atividade que
exija a clientela em decúbito dorsal ou ventral. No popular, deitado.
Mas não era sobre isso
que queria discorrer. Retomando o chamado fio da meada, usei a historinha para
mostrar que já não se fazem mais pompas fúnebres como antigamente. Nada a ver
com aquelas comilanças a que se assiste nos velórios dos filmes americanos, mas aqui os pré-enterros
eram verdadeiros eventos, varavam as noites na casa da família antes da
disseminação das capelas mortuárias. O féretro era levado por um cortejo de
veículos, carro fúnebre à frente, até o local do sepultamento. Havia comoção,
gestos de solidariedade e orações na passagem da comitiva funérea. As famílias mais abastadas pagavam
por notas de falecimento nas rádios, lidas com voz grave e empostadas pelos
locutores, além de anúncios nos jornais.
Autoridades e lideranças empresariais tinham direito à espaço nas capas.
Hoje as redes sociais se
encarregam de divulgar os falecimentos e é de graça. Tudo ficou muito simples e
rápido, como se os vivos quisessem despachar logo o ente querido, de preferência
cremado, para não ter que visitar periodicamente o tumulo, nem pagar as taxas
cemiteriais.
Entretanto, a indústria
da morte está bem viva, cada vez mais próspera, indo além das necrópoles e das
funerárias e conquistando espaço no mundo do entretenimento. Os streamings
têm inúmeras ofertas de filmes e séries de funerais, a maioria do gênero
comedia, o que traduz a tendência de tratar com leveza o sensível tema da morte.
Um lançamento recente é a
série alemã A Penúltima Palavra, encontrável no Netflix. A proposta passa por contar
histórias diferentes das hollywoodianas e, assim, atingir novos públicos. Falar
de morte, do luto da perda e, é claro, da vida, é um caminho para isso, em uma
comédia com toques de melancolia, drama e até romance, jamais de tragédia. A
sinopse dá conta de que o mundo da personagem Karla Fazius se desfaz quando seu
marido morre inesperadamente, após 25 anos de casamento. Para espanto da
família ela reage e acaba encontrando uma nova energia em outra vocação:
oradora de velórios. Foi quando descobri que na Alemanha até curso e diploma são
necessários para desempenhar a função. Suponho até que haja um Sindicato de
Oradores de Velório defendendo os interesses da categoria.
E mais não antecipo sobre
a história até para manter vivo, por
assim dizer, o interesse nos oito capítulos
de A Penúltima Palavra. Só adianto que, em algumas encomendações, a oradora
deriva para a supersinceridade, fazendo revelações sobre o defunto, que
contrariam esse preceito do imortal Millôr Fernandes: “ A ocasião em que a
inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e
seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois da sua
morte’.
Tudo
indica que a série vai ser revivida em uma segunda ou mais temporadas.
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