Das poucas coisas que me desestabilizam a principal é
ter que falar em público. Beira o medo pânico, mas já foi pior. Nos tempos de
ginásio no Rosário nas aulas de português o grêmio literário era uma atração para quem
gostava de brilhar frente aos colegas, declamando poesia, discursando ou
recitando uma redação. Todos os alunos deviam se apresentar pelo menos uma vez
e quando chegava a minha era como se fosse para o patíbulo. E lá ia eu para a frente
da turma gaguejando um texto, enquanto o pessoal do fundão da aula se divertia
com minha timidez em público, diante do olhar reprovador do mestre. E olha que eu era um estudante bem integrado
com os outros colegas, já escrevia razoavelmente bem para aquele período
escolar, fazia redações para os outros, mas no dia do malfadado grêmio literário tinha um bloqueio.
Mais tarde, essa dificuldade de me expressar em
público contribuí certamente para que não tentasse falar no microfone nos
tempos em que atuei em rádio, deixando de investir numa carreira que poderia me ampliar as ofertas no mercado de trabalho da comunicação. Preferi a retaguarda, um tanto invejoso dos
colegas que dominavam a arte de tagarelar para grandes e pequenas
audiências.
Quando assumi certas funções públicas que
eventualmente exigiam que fizesse algum pronunciamento não tinha como escapar. Assim que o pessoal do cerimonial informava que deveria obrigatoriamente dirigir algumas
palavras à assistência em determinado evento eu queria me enfiar num buraco,
sair pela janela, fugar pelos bastidores ou torcer para que uma catástrofe
natural qualquer interrompesse a cerimônia. Mas isso nunca aconteceu e aí tive
que dominar minha timidez e o bloqueio e inventar alguns artifícios para
enfrentar as situações com um mínimo de dignidade.
A primeira lição que ofereço a quem padece do mesmo mal
é falar pouco e já anunciar essa disposição no início, especialmente naqueles
atos de muitos discursos. Sempre que
possível, pedia ao cerimonial para ser o primeiro a falar, na esperança de que o meu titubeante
pronunciamento seria esquecido na sequência das outras participações, normalmente
de cobras criadas na arte de discursar. Além disso, sendo o primeiro, poderia
apresentar uma ou outra ideia original, sem o risco de ficar repetitivo.
Também fazia ´parte do meu repertório de enganação, quando
representava algum figurão, abrir com o anuncio de que trazia o ¨fraterno
abraço¨ e o ¨reconhecimento dele ao valoroso¨ (aqui pode haver uma variação de
termos, tipo generoso, aguerrido, corajoso, etc) ¨ao trabalho desenvolvido¨
pelo segmento presente e sua inestimável (aqui também cabem variações como
importante, imprescindível, indispensável,
etc) ¨contribuição ao desenvolvimento da
nossa terra¨, ou ¨para beneficiar nossa gente , ou ¨para o pleno exercício da
democracia¨, e por aí vai.
Depois era só alinhar mais duas ou três ideias bem
básicas, agradecer a acolhida, elogiar os organizadores, sempre olhando em
rodízio para a plateia à esquerda, à direita e ao fundo. Quando estava mais
seguro, até tentava fazer uma graça. Só que, como não tinha muito jeito para bancar o engraçado,
passei por saias justas, como quando tive que falar num evento promocional pré
Copa do Mundo em Punta del Este, diante de representantes do corpo consular. Ao
destacar o esforço dos uruguaios para realizar a Copa de 30, fiz referência ao
fato de que, naquele tempo, ¨vejam vocês, nem existiam celulares ainda¨, uma
bobagem que ninguém entendeu e nem sei porque inclui na peça oratória. Pelo menos me obrigou a abreviar a lengalenga.
Por fim, sempre que era possível, acrescentava um
entusiasta desejo de ¨longa vida à...¨, e customizava à atividade ou aos profissionais presentes. Funcionou sempre e, em contrapartida, até mereci
aplausos mais prolongados de plateias menos exigentes.
E assim consegui sobreviver a essa provação que é
enfrentar o público, mesmo admitindo que ainda não me livrei de um incômodo ¨tᨠao final das
frases, tá, que não sei quando começou, tá, mas que provavelmente incorporei como bengala,
tá, para emendar a frase seguinte, tá.
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