segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O futebol em forma de letras

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Lá nos idos de 1980 sugeri na editoria de Esportes da Zero Hora, onde labutava, uma matéria sobre livros com temática do esporte disponíveis na Feira do Livro daquele ano. O editor Emanuel Mattos aplicou a regra de então: quem sugere tem preferência e lá me fui de barraca em barraca à procura de obras que sustentassem a matéria. Foi um fracasso total. Só encontrei poucos livros que tratavam de treinamento esportivo, a maioria de viés acadêmico e nada sobre o fascinante mundo das competições, inclusive do futebol. 

Hoje é bem diferente e quando o futebol e a literatura se encontram  ocorrem algumas belas jogadas. Um passeio pelas bancas da Praça da Alfândega, na Feira do Livro recém encerrada, revelou uma atraente e diversificada lista de títulos, de biografias de  craques vitoriosos e técnicos renomados à histórias sobre grandes times e suas conquistas memoráveis, com relatos de muita peixão,  mas também de episódios que gostaríamos de esquecer sobre casos de corrupção no futebol.

Só não encontrei o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, de 1995, do uruguaio Eduardo Galeano, que conta a história do futebol, mostrando um olhar curioso sobre o esporte, como se o autor tivesse vivido cada momento dele. A Feira ficou me devendo também um clássico brasileiro de Nelson Rodrigues, “A sombra das chuteiras imortais”, editado pela Companhia das Letras, com seleção de textos de Ruy Castro, que é autor de outro clássico, “Estrela Solitária”, sobre a trajetória do genial Garrincha.
Em nível de RS,  pelo menos três títulos sobre futebol e seus personagens ganharam destaque na Feira e certamente ficaram entre os mais vendidos:  “Ruy Carlos Ostermann – um encontro com o professor”, biografia do grande comentarista esportivo, contada por Carlos Guimarães; “O Inter, o jornalismo e nós”, do repórter Fabricio Falkowski,, edição da Capítulo 1 (alô, Claudia Coutinho),  descrito como “uma história do clube e as histórias vistas e vividas em 25 anos de cobertura do dia a dia do futebol”; e “Campeão da Vida – perdoar para viver”, de autoria de Luiz Fernando Aquino e Fernando da Rocha, sobre o drama vivido pelo jogador Regis, do Caxias, que precisou abandonar a profissão depois de ser violentamente agredido em campo. 

De lançamentos de anos anteriores vale destacar a série bibliográfica  sobre o Imortal Tricolor, do gremistão Léo Gerchmann, além de  “No último minuto - A História De Escurinho: Futebol, Violão e Fantasia”, de Jones Lopes da Silva,  e uma obra pouco badalada, mas de grande importância: “Escola Gaúcha de Futebol: uma árvore genealógica dos treinadores do Rio Grande do Sul”, de Felipe Duarte, repórter da Rádio Gaúcha, que faz a indagação: será que existe uma escola gaúcha de futebol? Recomendaria também um livro que me chegou as mãos pelo Ajax Barcelos e o  Osmar Zilio,  “Tamoio,  o time de Viamão”, uma detalhada e bem ilustrada história do clube amador  que completou 80 anos.  Os autores, Bira Mros e Juarez Godoy tem longa vivência no clube e contaram com a edição de Vitor Ortiz e prefácio do ex-atleta e hoje consagrado jornalista, Rogério Mendelski. 

De minha parte dei uma modesta, mas prazerosa contribuição para a estante esportiva gaúcha ao produzir dois livros: “G.E. Tupi – sonho de guris”, de 2023, em co-autoria com  meus amigos de sempre Piero D’ Alascio e Léo Ustarroz, sobre nosso time da infância e adolescência no bairro Petrópolis, e “Viva a Várzea – histórias e personagens do futebol raiz”, com textos de 16 outros parceiros, lançado em junho.  A propósito, em seguida sai a convocação dos craques que participarão do “Viva a Várzea – segundo tempo” – com previsão de lançamento para abril do ano que vem. Se me permitem o clichê,  reina grande expectativa.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sou Fogão desde pequeninho

*Publicado nesta data em Coletiva.net

No ano passado, quase nesta mesma data, publiquei aqui no Coletiva um texto dando conta da minha frustração com  a campanha do Botafogo no Campeonato Brasileiro. Depois de pontear boa parte da competição, numa confortável distância sobre os mais próximos perseguidores, o Fogão deixou escapar nas últimas rodadas um título que já estava na mão e que não era conquistado desde 1995. “Requiem para meu Botafogo”, titulei na ocasião. Agora renasce a esperança  de que os dias de glória do time que um dia teve Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Jairzinho  estejam de volta. É tempo de festejar com a heroica, ousada e incontestável  vitória na decisão da Copa Libertadores da América, na conquista deste título inédito e na expectativa que venha também o a taça da Campeonato Brasileiro, para compensar a frustração de  2023. E quem sabe, logo adiante, a tríplice Coroa, com o título mundial de Clubes, igualmente inédito,  resgatando de vez a aura de Glorioso, como também é conhecido pelos seus aficionados. Bem diferente daquela abertura e da  titulação do ano passado, recupero o mesmo texto publicado em 2015, agora de celebração para o meu Botafogo:

Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  “É uma torcida e um saco de uniforme”.  O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino.  A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou. 

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo. 

Mais tarde descobri que o Glorioso era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido. 

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo transmite, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda de parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência. 

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

 (Na quarta-feira o Botafogo enfrenta o Inter e, se vencer, pode confirmar o título do Brasileiro. Será muita alegria para um botafoguense gremista.)



segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Conspiração à brasileira

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

Entre tantos personagens inesquecíveis, Chico Anysio tinha um que eu considerava impagável: Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro, “aquele que vem do aquém, do além, adonde que véve os mortos”, apresentação pronunciada com sotaque caipira.  Um dos seus  bordões favoritos era  ¨Minha vingança será maligrina¨. 

Ao final dos quadros na TV, depois de muitas trapalhadas nas tentativas de assustar alguém, afirmava olhando para a câmera: “Bento Carneiro, vampiro brasileiro...pzztt”, seguido de uma cusparada.  Era um vampiro fracassado, com baixa autoestima.

Não sei porque me lembrei do Bento Carneiro ao conhecer os detalhes da movimentação dos militares envolvidos na tal Operação Punhal Verde e Amarelo, que queria impedir a posse de Lula e executar o presidente eleito, junto com o vice Alckimin e o Alexandre de Moraes. Bota amadorismo e inépcia nessa turma, sem torcida minha para que desse certo, mas apenas constatação. E mais: se os conspiradores faziam parte de um grupo de elite  do Exército (os Kids Pretos) fico imaginando como será o preparo do restante da força!  Assim, qualquer semelhança com o personagem de Chico Anysio não será mera coincidência.

Quando o táxi resolve ou atrapalha

As trapalhadas dos candidatos à golpistas ficaram evidentes num episódio prosaico: o aloprado de codinome Gana, que estava na campana para prender Alexandre de Moraes, não pôde cumprir a sua missão e nem se evadir a tempo... por não conseguir um taxi. Os outros Kids Pretos devem ter tido ganas de esganar o Gana, com o perdão pelo trocadilho. O sujeito nem plano B tinha para escapar! 

Como militar, ele deveria conhecer um pouco de história e saber de um caso em que, diferente da situação dele, os taxis foram decisivos numa batalha. Em 1914, as tropas francesas usaram centenas dos então carros de praça para terem como chegar ao front e impedir que as tropas alemãs invadissem Paris.

Sem outros meios para transportar os soldados, todos os táxis disponíveis em Paris foram requisitados e pelo menos 600 deles participaram da primeira leva de tropas, que apoiou a contraofensiva das forças franco-británicas, naquela que ficou conhecida como a Primeira Batalha de Marne. Os taxistas foram devidamente indenizados, além da glória de terem participado do esforço de guerra, bem diferente da ação inglória do atrapalhado Gana.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A indústria que mais cresce

 * Publicação nesta data em Coletiva.net

Os brasileiros passaram a viver uma nova era: a Era da Desconfiança. Pode ser também a Era da Enganação. Pensaram que estava falando do governo Lula? Nada disso. É que  está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas  e propostas que são puro logro, ou avisos tipo o de  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro,  ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming,  sempre atrás das minhas senhas que devem valer muito. Agora a novidade são as propostas de negócios com lucros milionários, disparadas do exterior.  Isso  sem contar os telefonemas de spam e de tentativas de golpes pelo celular.

Como têm ganhos de escala, acredito que a indústria da fraude é o setor econômico que mais cresce no país.  A verdadeira diversidade está na carteira de operações dos golpistas, tanto assim que dá pra estimar que é meio a meio entre as mensagens verdadeiras e as fraudulentas, com tendência a aumentar para o lado fake, graças – ou desgraçadamente – aos recursos facilitadores e enganadores da Inteligência Artificial.

O mais inacreditável é que grande número das tentativas de golpe, senão a maioria, partem de dentro dos presídios. comprovando que o poder público não está conseguindo coibir a entrada de celulares para os criminosos. 

Com isso, ninguém está livre de virar vítima dos golpista. Poderia listar uma infinidade de casos, envolvendo inclusive gente esclarecida, com formação superior, como o médico que saiu em desabalada carreira em direção ao banco para pagar o resgate da filha que estava nas mãos de “sequestradores”;  ou o jornalista que foi achacado e ameaçado pelo “pai” da “de menor” com a qual trocou nudes ou, ainda, o outro jornalista que pagou duas vezes uma dívida inexistente com o “banco”. Até o velho e prosaico golpe do bilhete foi reabilitado pelos espertalhões com a conivência das ingênuas ou ambiciosas vítimas, reabilitando um ditado, também antigo: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto; se eles se encontram, sai negócio”.

Já o sistema bancário, que detesta concorrência, resolvei reagir, sem levar em conta os golpes oficializados que pratica contra os clientes, cobrando taxas descabidas para toda e qualquer operação. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apelou para um recado do Fábio Que História é Essa, Porchat?, veiculado em rede nacional. Por aqui, o Sicredi adverte, em  chamadas no rádio, que ocorrem 76 tentativas de golpes digitais por minuto no Brasil. Isso representa 4.560 tentativas por hora ou 109.440 por dia. Digamos que apenas 1% delas seja bem sucedida, chegamos a 1.094 pessoas/dia ludibriadas pelos golpistas. Seriam mais de 32 mil ao mês. É muita gente envolvida e muita grana perdida.

O pessoal da Segurança Publica e da mídia publica com frequência orientações e alertas anti-golpes. São óbvios e inúteis,  porque, vale repetir, enquanto existirem espertos e otários querendo levar vantagem, a indústria das fraudes será a que mais cresce entre nós.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Entre um Gole e Outro , o retorno

* Publicado em Coletiva.net nesta data

A primeira leitura - assim como o primeiro gole - desce suave. A partir de então o prazer vai se renovando a cada página. Um bom livro, como uma boa bebida, depende de uma série de fatores (gosto, intensidade, sabor) mas o resultado quase sempre se vê depois. E, nesse caso, é possível garantir: não há ressaca.

Peraí, esse início é igual ao do texto de lançamento do ano passado? Verdade! E o motivo se explica pelo fato de que o primeiro livro deixou aquela vontade de mais um gole, de mais um prazer. Taí: a sede do leitor será agora saciada com Entre um Gole e Outro - Conversas de Boteco 2.

Nesse novo coquetel literário, os ingredientes aumentaram e a qualidade final – como se parecesse impossível – ficou ainda melhor. Um novo autor entrou, outro novo autor é apresentado (já indicando futuras colaborações) e, no geral, tudo aumentou, em tamanho e em qualidade.

Como nas boas bebidas, essa mesma qualidade precisa ser constante. E esse livro-engarrafado mantém isso. Os Alemers, como ficaram conhecidos os 13 guerreiros que toda semana se reúnem em um tradicional boteco do Menino Deus, estão ainda mais ousados, audaciosos e afiados. Num mix criativo, a obra contempla análises políticas, culturais, assuntos da cidade, memória afetiva e tantos outros temas capazes de alegrar (e até emocionar) o leitor.

Leia sem moderação, saboreie o retrogosto da palavra e venha brindar conosco no próximo dia 31 de outubro, a partir das 18h e até o último gole, no Bar do Alexandre (Rua Saldanha Marinho, 120, esquina Gonçalves Dias - Menino Deus), a adega-literária onde os treze personagens se abrigam semanalmente há mais de seis anos.

Vai aí mais uma dose?

 

Roubartilhei o texto promocional, de autoria do Marcio Pinheiro, para chamar a atenção para o lançamento do segundo volume do livro Entre um Gole e Outro, na próxima quinta-feira. Participam da empreitada os jornalistas Carlos Wagner, Elton Werb, Horst Knak, Luiz Reni Marques, Marcelo Villas-boas, Márcio Pinheiro, Marco Poli, Marcos Martinelli, Mário de Santi, Ricardo Kadão Chaves, Sérgio Schueler, além deste que vos fala. No ano passado, na sessão de autógrafos do primeiro volume, gastamos esferográficas  e quase tivemos câimbras nas mãos de tanto autógrafos que foram dados. Agora esperamos, pelo menos, repetir o mesmo sucesso, porque o livro está tão bom como o primeiro, ou até melhor. Não nos deixem sós.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje, parte 2

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Já não se fazem mais campanhas e coberturas eleitorais como antigamente. Sim, sou um saudosista dos dois processos em tempos pretéritos e nem faz tanto tempo assim. Já participei de várias campanhas eleitorais, como profissional ou voluntário, e inúmeras coberturas, especialmente quando atuava em rádio. Neste caso, a primeira foi em 1978, pela Rádio Guaíba, que montou uma grande estrutura e mobilizou uma enorme equipe sob o comando de Antonio Brito, que anos mais tarde se elegeria governador do Estado. A principal disputa foi para o  Senado entre Pedro Simon (MDB) x Mário Ramos, Mariano da Rocha e Gay da Fonseca (Arena). Simon superou os três. Ainda vigorava o regime militar, e os governadores eram escolhidos indiretamente.  

Foram muitas eleições e coberturas desde então. O pessoal do esporte sempre era chamado a integrar e reforçar a equipe envolvida nas transmissões que varavam os dias e as noites para registrar os votos, urna a urna em todo o Estado. E lá estava eu, lépido e faceiro,  normalmente coordenando a cobertura do interior.  A movimentação durava de cinco dias até uma semana, à espera de fechar a última urna, pois as emissoras promoviam a contagem paralela dos votos, concorrendo com a Justiça Eleitoral e sempre anunciavam os vencedores com antecedência. E sempre, também, se vangloriavam de que a margem de erro em relação aos números oficiais era ínfima, o que, de alguma forma, era a gratificação pelo investimento na contratação de dezenas de pessoas para receberem as informações – por telefone – das zonas eleitorais. A concorrências entre as emissoras, Gaúcha  Guaíba principalmente, era  tão ou mais acirrada que os enfrentamentos eleitorais da época.

A disputa pelo anúncio do primeiro voto era feroz e lembro que nas eleições  de 1982 o saudoso Edison Moiano, da Guaíba, que acompanhava  em Canoas a abertura de uma das primeiras urnas, transmitiu  do ginásio onde ocorria a apuração:  “Atenção, saiu o primeiro voto no Estado. É para Alceu Collares!” .  Foi uma vibração incontida na Central de Eleições da então Caldas Junior e aquela “vitória” diante da concorrência serviu de emulação para toda a cobertura.  Indagado mais tarde como conseguira o furo, o esperto Moiano teria confessado que viu de relance o voto que seria de Collares caindo da urna para a contagem e decidiu antecipar o tal primeiro voto.  “E, afinal, um voto para Collares teria que ter naquela urna”, justificou.

Volto bem mais no tempo para lembrar que minha iniciação política começou muito cedo, lá pelos 10 anos, quando meu pai instalava perto de casa, no bairro Petrópolis, uma banquinha para distribuirmos material de meu tio que disputava uma cadeira na Câmara Federal - foi um dos mais votados e mais tarde elegeu-se  senador e depois virou biônico.  Éramos muito politizados a escadinha de oito irmãos, tanto assim  que na disputa pelo governo do Estado , em 1958, meu irmão Telmo instalou em casa um comitê para  o Brizola e minha irmã Silvia um para o Peracchi, com farto material de campanha que buscavam nos comitês de verdade.  Os dois não tinham mais de 15 anos!

Consta que, na época, eu teria me atritado e até chegado as vias de fato com um primo querido, que apareceu lá em casa em uma Kombi totalmente adesivada com material de um candidato que não era o de preferência da minha família. Não lembro do episódio e, como sempre fui um devoto juramentado da paz e da harmonia, afirmo que a tal briga não ocorreu.

Fake news a parte, hoje, graças a votação eletrônica, poucas horas após o fechamento das urnas já se sabe o resultado da eleição. As raras  emoções das jornadas eleitorais ficam por conta dos casos em que a decisão passa para o segundo turno ou de situações peculiares, como o candidato que venceu por um voto no município de Gentil, a disputa  entre dois irmãos em Capão da Canoa ou em que cidade o eleito conquistou o maior índice.  Sim, sou um saudosista das campanhas e coberturas eleitorais de antigamente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

No Brasil, ao invés de promovermos uma reforma política pra valer,  aperfeiçoa-se tão somente o processo de votação. Mesmo que os bolsonaristas e o ditador venezuelano lancem desconfianças sobre a urna eletrônica, o sistema brasileiro é moderno, funciona e é confiável. Os mais antigos vão lembrar das maracutaias dos tempos da votação em cédula de papel. Muito voto em branco foi preenchido por escrutinadores desonestos  à serviço de determinada candidatura e, na sequência,  os mapas de totalização eram fraudados.  Compra de votos, então, era comum, se bem que essa prática voltou a ser denunciada aqui no RS e em outros estados, na atual eleição municipal, inclusive com a participação do crime organizado.

Em passado não muito distante, o caso mais notório de tentativa de trapacear no processo eleitoral envolveu Leonel Brizola na disputa para o governo do Rio em 1982. O episódio ficou conhecido como Caso Proconsult, a empresa contratada pelo TRE para a totalização dos votos, depois acusada de manipular os resultados para favorecer o candidato do então PDS, Moreira Franco. Brizola botou a boca no trombone e com isso conseguiu sustar a fraude e garantir sua eleição, naquele que foi o primeiro pleito direto para escolher governadores, já nos estertores da ditadura militar. Detalhe importante: o voto à época era em cédula de papel.

Hoje, uma grande e custosa estrutura da Justiça Eleitoral (orçamento de R$ 11,8 bilhões em 2024) atua para garantir a lisura dos pleitos, impondo uma série de vedações às candidaturas.  Mesmo assim, as manipulações eleitorais  não foram totalmente eliminadas e surgem de outras formas, além das fake news e uso da IA.  Os fundos partidário e eleitoral (R$ 6 bilhões no total, ou mais de 22 mil Minha Casa, Minha Vida) garantem o financiamento das campanhas, ou seja, o dinheiro público, o nosso dinheiro, fazem a festa dos partidos. A legislação sobre a aplicação do fundos é clara, mas quem não cumpriu as regras pode ganhar perdão   e, assim, a fraude eleitoral, pelo uso irregular dos recursos, é oficializada.

Com isso, aumenta ainda mais o descrédito na política e nos políticos, o que pode ser apontado como a causa de duas anomalias presentes na atual eleição: a alta abstenção e o surgimento de figuras como Pablo Marçal, fazendo o tipo “contra tudo isso que está aí’.

Evidente que existem outras motivações para os dois casos, mas deixo para a colega de página, a cientista social  Elis Radmann, do Instituto Pesquisas de Opinião, avaliar as incidências  com muito mais propriedade do que este bissexto analista.

O  que me desconsola, por um lado, é que Porto Alegre, pela segunda eleição consecutiva, seja a capital campeoníssima em não comparecimento dos eleitores e me conforta, por outro lado, que não tenha surgido aqui nenhum clone do Pablo Marçal buscando espaço na campanha majoritária. Porém, pouco ou nada a comemorar.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Cancelamento reverso

*Publicado nesta  data em Coletiva.net

Woke é um termo da moda surgido na comunidade afro-americana e que originalmente significava estar alerta para a injustiça racial. Depois, tornou-se sinônimo de políticas  liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a ecologia, o direito ao aborto,  entre outros ativismos.  O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra  afrodescendentes. Dessa vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo, chegando mundialmente, com suas bandeiras de luta, a todos os segmentos.

Agora, entretanto, constata-se um forte movimento anti-woke em grandes empresas e manifestações culturais. Gigantes como Ford, Microsoft, Google e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp começam a abandonar as políticas de diversidade. Por aqui, a  John Deere, com sede em Illinois (EUA) e fábrica em Horizontina,  já anunciou   distanciamento de medidas de inclusão e diversidade  Ganha força nos Estados Unidos o abandono da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)  sigla que se traduz pela prática da sustentabilidade no universo corporativo,

Na indústria cultural as reações não são diferentes. As produções de Hollywood, por exemplo, enfrentam uma crise evidente ao priorizar narrativas alinhadas com temas woke., afastando-se daquilo que a média do público busca nos filmes, ou seja, boas histórias e personagens envolventes. Resultado: queda no interesse dos espectadores e no retorno dos bilionários investimentos. Com isso, empresas como a Disney, sempre elogiada por sua adesão à cultura woke, já começam a rever sua estratégia e focar no entretenimento para toda a família.

Matéria da BBC News (“O que é 'woke' e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA?”) é esclarecedora sobre a questão: “Os críticos da cultura ‘woke’ questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser ‘policiais da linguagem’ — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas”.  E acrescenta: “Um método que vem gerando muito mal estar é o ‘cancelamento’,  o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável”.

Só para ilustrar,  numa redação jornalística de Porto Alegre um colunista usou o termo “frescura” em conversa com outro colega, foi denunciado ao setor de Compliance por alguém que ouviu o palavra, teve que se explicar  e acabou recebendo uma advertência . Esse extremismo, primo irmão do politicamente correto, é que está fragilizando o que deveria ser uma prática saudável,  de defesa de boas causas, de tolerância e aceitação do contraditório, mesmo que não haja convergência de posições.  

A resposta dos críticos é uma espécie de cancelamento reverso à cultura woke. Só que essa  resposta no mundo empresarial é determinada mais pela perspectiva de prejuízos nos negócios, do que por ideologia ou crença em valores. Assim como os bancos e o comércio varejista.do Brasil, que clamam por medidas para restringir  as apostas nas bets, não porque estejam preocupados com as finanças dos despossuídos, mas porque a fezinha que eles fazem estaria drenando, em escala,  recursos que seriam das  operações bancárias ou do consumo. Esse pessoal detesta concorrência, ainda mais quando ameaça os lucros deles.