segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

De perto ninguém é normal

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Quem diria, Lula tem se derramado em elogios ao presidente Trump.  “No contato pessoal é outra pessoa”, teria falado ao próprio americano, na conversa telefônica que mantiveram por 40 minutos. A impressão passada pelo presidente americano coincide com o insuspeito depoimento de Raquel Krähenbühl , correspondente da Globo em Washington. Segundo ela, em pesquisa informal com o pessoal de apoio na Casa Branca, Trump aparece como o mais cordato e gentil dos últimos presidentes americanos, bem diferente no trato pessoal da persona carrancuda que aparece nas entrevistas à TV.  Bush filho também era bem cotado na preferência dos serviçais, enquanto Obama surpreendia pelo distanciamento que mantinha com o pessoal de apoio e a mídia credenciada na Casa Branca. Um comportamento quase arrogante de Obama, mas que mudava integralmente nas aparições públicas, quando irradiava simpatia.

Esse depoimento comprova o que canta Caetano Veloso em Vida Profana: “de perto, ninguém é normal”, ou, usando uma corruptela, longe das câmeras ninguém é normal.  E me remete a um texto que cometi tempos atrás sobre as reações de nossas celebridades artísticas diante do assédio do público.  Vários deles foram reprovados no quesito receptividade aos fãs, se bem que falar mal dos famosos é um esporte nacional.

Poderia enumerar muitos exemplos, incluindo lideranças políticas que só assumem o figurino de gente boa em período eleitoral.   Porém, todos eles têm que saber que a regra é clara:  quem tem exposição pública não pode se valer disso para destratar aquele que é obrigado a conviver com o famosinho. 

A propósito, lembro também que já escrevi sobre um confrade de minhas relações que costuma julgar as pessoas nas dimensões física e jurídica.  A física diz respeito aos atributos pessoais - caráter, personalidade, atitudes – e a jurídica ao desempenho profissional – competência, entregas, relacionamento funcional, comprometimento.  Assim, não é raro se referir a um conhecido no condicional:

- Na física é uma rica de uma pessoa, mas, na jurídica, um baita incompetente.

Também é recorrente a sentença inversa:

- Na jurídica é um grande profissional, mas na física um péssimo caráter.

Nesta minha jornada septuagenária   sou tentado a concordar com o confrade, eis que tenho convivido com gente de todas as espécies.  Conheço perfis, especialmente entre as chamadas pessoas públicas, que induzem a grandes enganos com suas atitudes.  Fina flor da meiguice para efeito externo, nas internas são verdadeiros déspotas.  E parece haver uma relação direta entre a ascensão do sujeito e a incivilidade: quanto mais poderosos, mais autocráticos. Os piores são aqueles que recebem um carguinho e acham que são deuses.

- Dá-lhe o látego e conhecerás o tirano, - dizia, algo solene, um diretor de rádio que conheci no passado, ele mesmo um especialista em disseminar o terror entre os seus colaboradores.

O látego, para quem não sabe, é o chicote usado pelo verdugo para flagelar suas vítimas. As vítimas são todos aqueles obrigados a conviver com os opressores de plantão, porque o sujeito mal avaliado na jurídica, mas de boa índole, ainda passa, porém, o contrário não é verdade. Do jeito que vai, daqui a pouco seremos obrigados a imitar Diógenes, que saia as ruas na Grécia antiga carregando uma lamparina, alegando que estava a procurar um homem honesto e íntegro.  Detalhe: o filosofo era conhecido como Diógenes, o Cínico, o que deve significar alguma coisa sobre o caráter dele.

Na verdade, Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural, dessa simplicidade e espontaneidade de que são feitas as pessoas do bem, que prescindem do látego porque são integras na física e na jurídica. Se me pedirem nomes dos outros, nem com látego revelo.

 

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