*Publicação nesta data em coletiva.net
No recipiente para lixo
na beira do Guaíba estava jogada a moldura que reproduzia a clássica foto dos
formandos, com suas becas e chapéus para a cerimônia de diplomação. Era do
curso de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) conforme inscrição sobre as
fotos. A cena insólita chamou a atenção do caminhante solitário, acostumado a
registrar as incidências incomuns daquele espaço. Normalmente eram registros sobre
os pássaros, abundantes e de variadas espécies, que ali habitam em busca de
alimentos e água. Mas o repórter
circulante jamais tinha visto algo parecido, como o descarte da lembrança de um
momento que deveria ser de celebração pelos anos de entrega aos estudos.
O vilipendio da moldura
desprezava a tradição quase milenar da formatura, que simboliza a passagem para
a vida profissional. Por isso, os alunos vestem trajes especiais que os
diferenciam dos demais participantes da cerimônia e o capello, o chapéu de
forma quadrada em seu topo, que significa a sabedoria adquirida durante os anos
de estudos. Nas fotos, aparece ainda uma
espécie de babador, o jabor, um acessório utilizado para distinguir os formandos, como um emblema de mérito e
responsabilidade social, mas que talvez ficasse mais bem
posicionado nos familiares, a babar pela conquista do estudante. Entretanto,
toda essa simbologia foi jogada no lixo.
Por outro lado, a
postagem da foto nas redes sociais mexeu com a imaginação dos ativistas de
plantão e gerou uma série de comentários.
E, claro, politizaram o gesto e virou polêmica. A maioria dos que
interagiram apostou que se tratava da formatura de jornalistas ou advogados. Até
entendo que o Jornalismo esteja enfrentando uma crise de credibilidade, mas achava
que os advogados estavam por cima, um deles até foi nomeado recentemente para a
mais alta Corte do país. Só que fui contrariado por intervenções como essas,
sobre a motivação de quem se livrou da moldura: “ Percebeu que tudo o que
apreendeu na faculdade sobre a Constituição e o ordenamento jurídico foi jogada
no lixo pelo STF”; “Acho que foi o advogado aquele que confundiu os príncipes,
ao defender o golpista no Supremo”; “ou será alguém indignado com a sujeira que
contaminou o judiciário corrompido?”; “Advogado decepcionado com o Judiciário,
foi ganhar dinheiro no marketing digital”; “Foi discreto, tem togados que fazem
em rede nacional”; “acho que aproveitou o momento para mostrar que os fins
justificam os meios, depois de ter lido o Pequeno Principe de Maquiavel”. Pela
amostra dá pra constatar que a área do Direito está mais contestada que a da
Comunicação.
Também sobraram postagens
para outras profissões como a que acredita
que a formatura era da “primeira turma de médicos EAD”, e outra apela para a
flauta esportiva: “Deve ser gremista”. Não faltaram suspeitas de que se trata
de “ex, com raiva, jogou no lixo”, ou de quem “está em crise existencial;
queria ser cantor e acabou jornalista”, ou, mesmo, que “seria vingança de uma segunda ou terceira
pessoa?”, e ainda, o fato definitivo, de
que “certamente alguém foi descartado”.
Nada disso, porém, parece
responder a intrigante questão: afinal, o que levou a pessoa a se desfazer
dessa forma do símbolo de um momento tão memorável? Não faço ideia, só sei que
o gesto rendeu mais uma coluna e que até um descarte no lixo vira polêmica nas
redes sociais.
(Texto inspirado na
sugestão de Cláudia Guerreiro de Lemos)
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