* Publicado nesta data em coletiva.net
A
propósito do rolo em que está metido o ex-presidente Bolsonaro, com as joias
“presenteadas” pelos árabes, vale remeter ao protocolo dos encontros bilaterais
entre autoridades marcados por trocas de mimos. Normalmente são artigos típicos
dos países, nada comparado aos colares e outros adereços orçados em R$ 16
milhões e que foram retidos pela Receita Federal. O caso, ainda em
desdobramento, me faz lembrar um episódio de troca de presentes em que estive constrangedoramente
envolvido.
Em
2008 fui escalado de última hora para uma viagem à China, acompanhando o então
prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, para formalizar a presença da cidade na
ExpoXangai 2010, a versão chinesa da grande feira mundial. Sabendo que os
chineses apreciam a tradição de receber e dar presentes, pedi que preparassem
um pacote com livros de fotos de Porto Alegre (“Cenas Urbanas, Paisagens
Rurais”), de autoria do consagrado Eurico Sales. Recebi o pacote e tratei de
despachá-lo junto com as malas, mas ainda tive o incômodo de carregá-lo no
trânsito pelos aeroportos e no vai-e-vem de hotéis. A carga era preciosa e eu
precisava cuidar bem dela, mas era pesada.
Na
primeira oportunidade em que haveria troca de presentes com autoridades
chinesas, levei o pacote inteiro para o encontro. Quando começou o cerimonial,
me dei conta de que havia deixado o pacote na Van que nos conduzira até o local
do evento. Corri até ele e consegui resgatar os livros, depois de uma gincana
para localizar o motorista chinês. Fui até o banheiro para abrir o embrulho, de
forma discreta e, surpresa: ao invés dos livros do Eurico Salis eu havia
transportado por milhares de quilômetros dez relatórios de gestão da
Prefeitura, todos ali, bem acondicionados e inúteis para a missão na China.
Fiquei lívido!
Alguém
em Porto Alegre havia me preparado uma falseta e eu agravara o episódio por não
ter procedido as checagens necessárias. Que fazer? Tratei de voltar ao salão da
cerimônia, mas como localizá-lo, alguns andares acima? Desgraça pouca é
bobagem. Com a confusão toda havia perdido as referências do local e tive
enorme dificuldade para me comunicar com os chineses até descobrir onde estava
ocorrendo o evento.
Cheguei
ao salão no justo momento em que o prefeito Fogaça recebia o mimo da autoridade
local (acho que era um estojo com medalhas ou algo parecido). Fogaça me olhava de soslaio à espera que eu
repassasse o nosso presente. Tentei fazer cara de paisagem, mas foi em vão.
Tive que admitir, com gestos constrangidos, de que estávamos desapetrechados
para fazer frente à situação. Será que acabávamos de provocar um incidente
internacional, a partir de desfeita aos nossos anfitriões?
Fui
consolado pelo experiente e generoso cônsul geral do Brasil em Xangai, Marcos
Caramuru de Paiva, que estava presente ao encontro e diante das gaguejadas
explicações que consegui dar ao prefeito, acrescentou que já vivera situações
semelhantes e que não seria uma afronta ao cerimonial enviar o mimo
posteriormente. Menos mal, meu bom diplomata, pensei agradecido e aliviado.
Em
compensação, até hoje dez relatórios das realizações da Prefeitura de Porto
Alegre devem estar circulando pela China, já que deixei o pacote no banheiro.
Se os chineses estão entendendo o conteúdo, é outra história.
Mais difícil ainda está sendo entender as explicações de Bolsonaro para as
tentativas de resgatar as joias na Alfândega e o despropósito de um presente
milionário dos árabes para uma autoridade estrangeira. Aliás, o que será que
foi dado aos sauditas na troca de mimos?
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