* Publicada nesta data em Coletiva.net
A
grande angustia do cronista não é a
falta de assuntos ou inspiração. Assuntos é que não faltam nestes tempos de
ampla comunicação, ainda mais no Brasil
da era bolsonariana. O assunto puxa a inspiração e o cronista sazonal está
salvo. Ledo engano! O que atormenta mesmo o escriba do cotidiano é o tempo.
Explico: o tempo de permanência como interesse do assunto focado.
A
ideia para esta crônica – que, espero, tenha durabilidade - surgiu justamente numa conversa no calçadão de
Ipanema com o consagrado cronista Nilson Souza, eventual companheiro de
caminhadas, quando ele expressou enorme preocupação com sua crônica semanal para a ZH. O texto já estava pronto, mas só
seria publicado dois dias depois, uma eternidade de tempo para um cronista
sensível e atento às ofertas de assuntos que clamam por uma crônica. Perfeccionista como poucos, ele se consome em
angustia até o dia da publicação, sem se dar conta de que no final das contas o
texto é irretocável e causador de santa
inveja dos escribas menos apetrechados
de talento, entre os quais me incluo.
Essa
angustia está presente também, certamente em grau superior, nas editorias do
jornalismo impresso que precisam adiantar material. Vale conferir o relato do
editor-chefe de ZH, Carlos Etchichury, em Carta do Editor, dando
conta do desafio que representa escolher
a manchete e a foto de capa da edição do
fim de semana, diante da grande oferta de noticias e reportagens de fôlego. E exemplificou com os
preparativos para a edição de 9 e 10 de
fevereiro, que começaram, como sempre, no meio da semana para serem finalizados na
sexta-feira. Estava tudo bem encaminhado
quando ocorreu a tragédia no Ninho do
Urubu, que vitimou 10 jovens promessas do Flamengo e obrigou a mudança rápida
de planos para redesenhar a edição.
Etchichuty conclui que é preciso
muita ação para derrubar tudo o que estava planejado, se as noticias que
não tem hora para acontecer, se
impuserem. É bem isso e por certo vai
acontecer mais vezes neste 2019 de
muitas tragédias.
Claro que a atualização do noticiário se impõe mais do que a eventual revisão de uma crônica de temas ligeiros.
Entretanto, de quem escreve
compromissado com espaço fixo de opinião, como aqui no Coletiva.net ou na mídia tradicional, exige-se disciplina e
método, além da atenção permanente do que ocorre fora da bolha em que vivemos,
o que já se configura como exercícios de disciplina e método. No meu caso, a
crônica normalmente está pronta na sexta-feira mas, como bom capricorniano,
fico lapidando até domingo pela manhã,
quando faço a última revisão e envio para
a Márcia e a Gabriela, ainda
sestroso com o que possa acontecer até a
publicação, quase como um Nilson Souza. Quando me aperto, revisito
velhos temas e, sem constrangimento,
lanço mão de crônicas ou abordagens já publicadas no blog viadutras.blogspot.com. Não tem erro, porque
a outra opção seria escrever abobrinhas.
O que não dá é para ficar
esperando a inspiração chegar.
A propósito , a melhor
abordagem que li sobre essa questão foi no artigo Os
cinco maiores mitos que impedem você de
escrever, de Juliana Moro, que é engenheira mecânica, mas dá uma verdadeira
aula para cronistas efetivos ou bissextos.
O quarto mito é o que trata da “perfeição infinita”, que reproduzo em parte: “A introdução não está
interessante, o título não chama atenção, o artigo está muito longo, a imagem
não combina, o storytelling está artificial, a
gramática não colabora e por aí vai. Para
os que se apegam aos mínimos detalhes, parece que sempre falta alguma coisa e o
texto nunca é publicável. (...) Ninguém nasceu sabendo escrever e mesmo
os grandes autores concordam que o seu último trabalho está bem melhor que o
primeiro. Então não tenha medo de errar. A
escrita é isso, dar uma chance, começar, desenvolver e colocar um ponto final.
Não ficou bom? Apaga, reescreve e tenta de novo. Ser perfeccionista não ajuda
em nada neste processo.”
Acho que vou assinar
embaixo e pedir condescendência com os cronistas em geral quando um texto
parecer defasado, mesmo que se reporte a um acontecimento de 24 ou 48 horas
atrás.
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