*Publicado nesta data em Coletiva.net
*Baseado em uma história real
O nome dele era João. Mas não era um João qualquer. O
João era motora de táxi e, daqui a pouco, no ambiente onde estávamos, vai se
envolver num entrevero, no mínimo, constrangedor. Era um sábado, horário de
almoço e a churrascaria na zona Sul estava lotada, especialmente de famílias.
De repente, a algazarra típica do local foi interrompida por um quase berro:
- João, o que tu tá fazendo aqui com esta vagabunda?
O vagabunda fechou com força o questionamento,
apanhando de surpresa o casal numa mesa de canto, quando recém estavam na etapa
dos salsichões e coraçõezinhos do espeto corrido. Ao
mesmo tempo, todos os comensais e funcionários da casa ficaram sabendo quer o
sujeito flagrado se chamava João e que o flagra devia ser da titular, a Selma,
nome pronunciado pelo João na tentativa de justificar sua presença ali,
acompanhado de uma moça, digamos, suspeita.
- Selma, eu posso explicar, balbuciou o João,-
enquanto todos na churrascaria deixaram os talheres de lado e ficaram na
expectativa do próximo lance.
- Pode explicar nada, seu ordinário. Eu trabalhando,
cuidando dos filhos e tu aqui com esta va-ga-bun-da!
Dessa vez o vagabunda saiu escandido, bem pronunciado,
sílaba a sílaba. Ouviu-se um murmúrio nas outras mesas. Os homens queriam estar
solidários com o pobre João, mas não se arriscavam, enquanto as mulheres
apoiavam as investidas raivosas da Selma.
A acompanhante , moça de dotes físicos apreciáveis,
mas de maquiagem carregada e calça jeans bem ajustada ao corpo, fez menção de
levantar da mesa e falar alguma coisa, sendo logo interrompida nas suas
intenções:
- Fica quieta aí e não fala nada, sua vagabunda, -
ordenou a Selma.
Na mesa ao lado, ouvi o comentário de um chefe de
família.
- Esse babaca até merece o esporro. Dar uma bandeira
dessas ao meio-dia, perto de casa! Que amadorismo!
Esse é uma boa síntese do vexame que estava sofrendo o
João, que estacionou seu táxi, ainda nas cores laranja imperial, numa posição
bem visível no pátio da churrascaria. Tão visível que a Selma, ao passar de
busão pela frente do estabelecimento, logo desconfiou que era o carro do
marido. Desceu na primeira parada e invadiu a churrascaria para o flagra.
A parceira de ocasião aproveitou a confusão para
escapar do local, por uma saída lateral. A fuga, entretanto, foi detectada pela
Selma e devidamente adjetivada;
- Fugindo, vagabunda? Isso, vai embora, sua vadia,
destruidora de lares,
Enquanto isso, o atarantado João tentava acalmar a
cônjuge, que continuava esbravejando:
- Poca vergonha. Esbanjando nosso dinheiro com essas vagabundas.
Com uma manobra de quem estava sob pressão, o João conseguiu, afinal, retirar a Selma do recinto para uma DR no
pátio. Ela saiu olhando para trás, enquanto lançava uma advertência geral:
- Não dá pra fraquejar., esses sem-vergonhas estão
sempre aprontados. Mas comigo é mais embaixo.
Juro que vi alguns frequentadores se dirigirem até as
janelas para acompanhar o segundo tempo do barraco. O desfecho do episódio acabou dividindo os
circunstantes, houve até aplausos e apupos. Constatei que foram mais aplausos, o que me
leva a conclusão de que a Selma, de vítima virou heroína no episódio.
Uma idosa que, apesar da confusão, não parara um minuto
sequer de comer, de repente parece ter despertado, perguntando aos mais jovens
da mesa:
- O que que houve que aquela mulher destratou o casal
que parecia tão simpático e tranquilo naquele canto?
Foi então que achei que era chegado o momento de
voltar às saladas e à costela no ponto e esperar o vazio que se mostrava
promissor. Só que entre uma garfada e outra fiquei a imaginar como foi a volta
do João ao recôndito do lar, os esporros da Selma no caminho, o reencontro com
os filhos, talvez houvesse uma sogra para azucrinar ainda mais a vida do infiel.
Que história para o Nelson Rodrigues e sua A Vida Como
Ela É!
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