segunda-feira, 28 de julho de 2025

A vida como ela é: o flagra no João

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

*Baseado em uma história real

O nome dele era João. Mas não era um João qualquer. O João era motora de táxi e, daqui a pouco, no ambiente onde estávamos, vai se envolver num entrevero, no mínimo, constrangedor. Era um sábado, horário de almoço e a churrascaria na zona Sul estava lotada, especialmente de famílias. De repente, a algazarra típica do local foi interrompida por um quase berro:

- João, o que tu tá fazendo aqui com esta vagabunda?

O vagabunda fechou com força o questionamento, apanhando de surpresa o casal numa mesa de canto, quando recém estavam na etapa dos salsichões e coraçõezinhos do espeto corrido.   Ao mesmo tempo, todos os comensais e funcionários da casa ficaram sabendo quer o sujeito flagrado se chamava João e que o flagra devia ser da titular, a Selma, nome pronunciado pelo João na tentativa de justificar sua presença ali, acompanhado de uma moça, digamos, suspeita.

- Selma, eu posso explicar, balbuciou o João,- enquanto todos na churrascaria deixaram os talheres de lado e ficaram na expectativa do próximo lance.

- Pode explicar nada, seu ordinário. Eu trabalhando, cuidando dos filhos e tu aqui com esta va-ga-bun-da!

Dessa vez o vagabunda saiu escandido, bem pronunciado, sílaba a sílaba. Ouviu-se um murmúrio nas outras mesas. Os homens queriam estar solidários com o pobre João, mas não se arriscavam, enquanto as mulheres apoiavam as investidas raivosas da Selma.

A acompanhante , moça de dotes físicos apreciáveis, mas de maquiagem carregada e calça jeans bem ajustada ao corpo, fez menção de levantar da mesa e falar alguma coisa, sendo logo interrompida nas suas intenções:

- Fica quieta aí e não fala nada, sua vagabunda, - ordenou a Selma.

Na mesa ao lado, ouvi o comentário de um chefe de família.

- Esse babaca até merece o esporro. Dar uma bandeira dessas ao meio-dia, perto de casa! Que amadorismo!

Esse é uma boa síntese do vexame que estava sofrendo o João, que estacionou seu táxi, ainda nas cores laranja imperial, numa posição bem visível no pátio da churrascaria. Tão visível que a Selma, ao passar de busão pela frente do estabelecimento, logo desconfiou que era o carro do marido. Desceu na primeira parada e invadiu a churrascaria para o flagra.

A parceira de ocasião aproveitou a confusão para escapar do local, por uma saída lateral. A fuga, entretanto, foi detectada pela Selma e devidamente adjetivada;

- Fugindo, vagabunda? Isso, vai embora, sua vadia, destruidora de lares,

Enquanto isso, o atarantado João tentava acalmar a cônjuge, que continuava esbravejando:

- Poca vergonha. Esbanjando nosso dinheiro com essas vagabundas.

Com uma manobra de quem estava sob pressão,  o João conseguiu, afinal,  retirar a Selma do recinto para uma DR no pátio. Ela saiu olhando para trás, enquanto lançava uma advertência geral:

- Não dá pra fraquejar., esses sem-vergonhas estão sempre aprontados. Mas comigo é mais embaixo.

Juro que vi alguns frequentadores se dirigirem até as janelas para acompanhar o segundo tempo do barraco.  O desfecho do episódio acabou dividindo os circunstantes, houve até aplausos e apupos.  Constatei que foram mais aplausos, o que me leva a conclusão de que a Selma, de vítima virou heroína no episódio.

Uma idosa que, apesar da confusão, não parara um minuto sequer de comer, de repente parece ter despertado, perguntando aos mais jovens da mesa:

- O que que houve que aquela mulher destratou o casal que parecia tão simpático e tranquilo naquele canto?

Foi então que achei que era chegado o momento de voltar às saladas e à costela no ponto e esperar o vazio que se mostrava promissor. Só que entre uma garfada e outra fiquei a imaginar como foi a volta do João ao recôndito do lar, os esporros da Selma no caminho, o reencontro com os filhos, talvez houvesse uma sogra para azucrinar ainda mais a vida do infiel.  

Que história para o Nelson Rodrigues e sua A Vida Como Ela É!

 

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