*Publicado nesta data em coletiva.net
Cada vez que vejo uma
reportagem sobre os magníficos estádios do Catar, lembro das pressões do
pessoal da FIFA sobre os organizadores da Copa de 2014 no Brasil em relação aos
estádios e o que observei, in loco, em 1994 nos EUA. Costumava fazer essa
pegadinha quando os “entendidos” criticavam a morosidade brasileira em atender
as exigências da cartolagem da FIFA: quantos estádios os americanos construíram
para a Copa que sediaram? Diante do hesitação dos interlocutores eu dava a
resposta, com alguma empáfia: nenhum!
Assisti a dois jogos no
velho estádio Cotton Bowl de Dallas: Arábia Saudita x Suécia e o inesquecível 3
x 2 do Brasil contra a Holanda, pelas quartas de final da Copa dos EUA. As acomodações do que seriam as sociais do
estádio eram de madeira, como nos estádios do Gauchão de antigamente. Os
americanos se limitaram a dar um trato em seus tradicionais e envelhecidos
estádios, adaptaram para o futebol os campos destinados a outros esportes,
enveloparam antigas instalações e a sempre exigente FIFA, Joao Havelange à
frente, não chiou na época, aceitando tudo e mais um pouco em nome de um novo e promissor mercado para o
futebol.
Em 2026, 32 anos depois, os EUA voltarão a sediar a Copa
do Mundo, junto com México e Canadá. Novamente em nome da ampliação do marcado
para o futebol, a Copa dos três países-sedes terá 48 seleções, uma fase a mais
e, claro, mais patrocínios e mais
dinheiro para todos os envolvidos. Se agora com 32 equipes já existem muitas críticas
quanto a qualidade dos jogos no Catar, imagina com mais 16 representações! Andorra, Luxemburgo, Malta e quem sabe até o
Vaticano, passam a ter chances de participar das disputas finais. Brincadeira,
né!
Brincadeira de bilhões é
sediar a Copa do Mundo. O TCU contabilizou em R$ 25,5 bilhões o custo do evento
no Brasil, R$ 8 bilhões só em construção e reformas de estádios, sem contar os
“por fora”. Na Rússia, em 2018, foram
gastos oficialmente US$ 19 bilhões e estima-se que no Catar o investimento vai
superar em muito os das duas copas anteriores, o que é plenamente
justificável para um país que precisa de
uma vitrine para se afirmar no contexto internacional e reduzir os danos
causados por sua politica em relação as
causas identitárias. Uma cifra que já circula na mídia é que o investimento
catare seria equivalente a mais de R$ 1 trilhão.
A FIFA rem se mostrado
bem tolerante com eventuais restrições
aos direitos humanos em países-sedes e até reprime manifestações de protestos,
como já ocorreu no Catar. Essa é a Fifa legada pela era João Havelange,
que assumiu a presidência em 1974, transformando a entidade máxima do futebol
numa grande empresa, para o bem e para o mal. Para o bem: ao entregar o cargo
para seu sucessor, Joseph Blatter, a Fifa era um negócio multinacional com 209
países filiados (mais do que os 193 membros da ONU), um patrimônio de US$ 4
bilhões e o público do futebol ampliado em milhões de pessoas. Para o mal: a
grossa corrupção e subornos milionários, envolvendo o próprio Havelange e os
principais dirigentes mundiais do futebol, entre eles o seu genro Ricardo Teixeira,
alguns presos até hoje.
Ao completar 100 anos em
2016, pouco antes de falecer, a festa de aniversário de Havelange em um hotel
cinco estrelas foi um fracasso pela ausência de convidados, diferente dos tempos
em que mandava e demandavas no futebol mundial. A vida é cruel com quem perde a
majestade. Pelo menos é o que mostra o primeiro capítulo da série da Amazon
Prime “Jogo da Corrupção” com o melancólico cenário da festa, para depois
resgatar toda a trajetória do dirigente, uma trajetória visionária,
empreendedora e maculada ao final. Os personagens, porém, estão muito caricaturados.
A série é sequência de outra, “El
Presidente”, também, da Amazon, que a
partir da história de um obscuro presidente de um pequeno clube chileno, aborda
o escândalo do Fifagate, Na Netflix a
minissérie “Esquemas da Fifa” conta como fraude, corrupção e conspirações se
misturam à história da entidade, que tenta superar seu passado conturbado.
Oportunismo sacana dos streamings
relembrar estas mazelas, justo no momento da maior celebração do futebol, a
Copa do Mundo? Pode ser, mas certamente a indústria do entretenimento se move
pela mesma lógica da Fifa: primeiro o negócio, o futebol a gente vê depois.
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