* Publicado hoje em coletiva.net
Quem diz o que quer ouve
o que não quer. Lembrei desse dito ao
assistir à inquisição de uma advogada na bancada de um programa de TV sobre as
medidas do governo estadual de combate à pandemia. Incisiva e bem-falante, a moça chamou o governador de tirano e ouviu como resposta, em tom educado é verdade, que ela era uma ignorante. Nos tempos de repórter que um
dia fui, logo aprendi que a gente precisa estar preparado para o rebote - ou
bote - do entrevistado depois de uma cutucada que estava fora das perguntas “papai-mamãe”.
Observo, penalizado e
solidário, a Via-crúcis diária dos repórteres que cobrem as saídas
presidenciais no Alvorada, submetidos a toda
a série de imprecações bolsonarianas. Se for da Folha de S.Paulo e da Globo,
pior ainda. O bônus negativo é levar uma vaia dos militantes que acompanham esse ritual
diário. Lidar com autoridade não é fácil e quanto mais alto o cargo, mais
difícil fica. Como jornalista e assessor de imprensa já estive dos dois lados do
balcão e vos falo com absoluto conhecimento de causa.
Aí dá uma inveja de ver
filmes e séries de outros países, nas
quais os entrevistadores apertam autoridades e, sem se acovardarem diante da
reação negativa da fonte, persistem com seus questionamentos. Mas filme é filme
e realidade é outra coisa. Basta ver as coletivas
do Trump e as pedradas que ele dispara contra
os profissionais credenciados na
Casa Branca. Não leva livre nem aquelas loiras exuberantes, que todo o canal de TV americano tem em seus quadros, e
olha que o Trump é do ramo em matéria de
loiras bonitas.
Sobre as relações
imprensa x autoridades recomendo na Netflix uma série croata, O Jornal, que todo profissional de
Comunicação deveria assistir porque parece que se passa no Brasil atual. Na
série, os grandes embates em entrevistas
oferecem também algumas lições, mesmo que seja em nível de ficção. O melhor exemplo é o entrevistador estar
sempre munido de informações adicionais – se forem documentadas, mais eficazes ainda; vide Daniel
Scola x Osmar Terra na Rádio Gaúcha, na última quinta-feira – para não pagar
mico diante de um entrevistado bem preparado e agressivo. Já estes em O Jornal apelam sempre para a mesma saída, investidos de pauteiros: “Qual a relevância disso?” ou “Isso não é relevante”,
para passar a ideia de que o entrevistador está mais preocupado com aspectos
superficiais e não com o foco do tema em debate. A questão é: quem estabelece a
relevância? Cabe a audiência discernir,
é a resposta cabível.
Tem outra situação que
todos já vivemos, seja numa entrevista, seja numa discussão: “Putz, por que não
falei aquilo?” Aquilo seria uma réplica ou tréplica contundente, para que o abusado saiba com
quem está tratando. Passou o momento é
tarde, mas sossega que o lapso acontece até com os mais espertos, nos melhores
e piores embates.
Para escapar da corneta
de que só falo de maus exemplos, acrescento que conheço autoridades que levam
tudo numa boa, como aquele ex-governador com 80 anos ou mais, a quem,
inconveniente e um tanto debochado, perguntei qual era o segredo da sua boa forma.
A resposta foi rápida, firme, só não sei
se sincera:
- Sexo, meu filho, muito
sexo.
Pois é, tenho mais medo
das respostas do que das perguntas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário