quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Desejos para o Novíssimo Ano.

2015 está indo embora e não vai deixar saudades. O ano que chega é esperança de renovação. É sempre assim na largada mas nem sempre as expectativas se realizam, se bem que será difícil superar o 2015 em termos de conflitos e decepções. Mas vamos lá, injetando uma dose de otimismo que mal não faz. De minha parte, como já é tradição no descaminho do ViaDutra, antecipo meus pedidos ao novíssimo ano e prometo contrapartidas para equilibrar a relação. Tem vários repetecos dos anos anteriores, mas é assim mesmo porque não dá pra ficar demandando ao recém nascido muita coisa nova.

Assim, em tese, mas só em tese por enquanto, não quero paz, mas as provocações que constroem e não as que desqualificam. Quero emoções novas e desafios que eu mesmo me imponha. Quero um pouco de desarmonia, que não é sinônimo de conflito, mas uma forma de mostrar outros matizes e semitons onde pode estar contida a verdade verdadeira. Sempre gostei deste parágrafo,cheio de alegorias!

Sigo reiterando o apelo feito em anos anteriores: encarecidamente,  livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral, os picaretas de todos os matizes e os pedintes de favores que não estão ao meu alcance. Quero distância igualmente dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de ser contaminado e contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Repito  outros pedidos impossíveis de postergar. Apelo, meu ainda bom menino,  para o teu anunciado espírito harmonioso: dê um jeito de reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e dai-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram por qualquer razão. Faça pousar em mim a deusa da paciência e que venham juntas as amazonas altivas da fé e da esperança, que um dia tive e que se perderam no tempo.  Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, que podem ser intensos, mas gratificantes na mesma medida.

No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Guarde uma boa vaga de Idoso pra mim nos supermercados.  Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, chamado que prefiro reservar apenas para a Maria Clara e a Rafaela e logo adiante para o Augustão. Mas não abro mão do carinho das caldáveis, mesmo que seja afeto virtual.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu ainda futuroso 2016. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora de comer ajoelhado e o pudim que justifica nossa ida frequente aquele restaurante.  Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando,  jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. E dá uma forcinha e inspire os médicos para que receitem menos remédios e exijam menos exames.  


Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar , me exercitar com regularidade, voltar a academia, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, voltar a ler e fuçar menos na internet, ouvir mais e falar menos, terminar meu TCC sobre as banalidades do Facebook, lançar um novo livro, respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados acho que não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso, afirmo de novo, pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, bem-aventurada criança.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Histórias Curtas do ViaDutra: Vilmar, o atrevido

Vilmar é baixinho, feio, despossuído  financeiramente, não tem carro, nem veste roupas de grife, mas circula com as mais belas mulheres do pedaço, todas bem mais altas do que ele. Quem contou as aventuras do Vilmar num encontro na mesa ao lado foi seu primo Geneton que, como todos à mesa, também se surpreendeu com a sorte do rapaz.

- Sorte que nada! Para ter sucesso neste caso é preciso dedicação, determinação e coragem - ensina Vilmar, por intermédio do primo porta-voz.

O método de abordagem dele é simples e direto.  Nas festas  mapeia as mulheres mais caldáveis  e, como um artesão meticuloso e atrevido, encara uma a uma, numa tarefa que ele define como “tijolada”,  o que diz bem das intenções e do modo de agir do moço.  Se leva um fora da primeira, vai na segunda, se não der certo, tenta a terceira e assim por diante. Se nenhuma ceder aos seus parcos encantos, muda de festa,  recomeça as “tijoladas” e invariavelmente sai acompanhado, dirigindo o carro da nova parceira.  Jamais, porém, baixa de nível.

- As feias que me perdoem, mas para mim beleza é fundamental -  sustenta ele, apropriando-se de um verso de Vinicius de Moraes, em “Receita de Mulher”.

Vinicius é seu modelo pelas semelhanças físicas e sucesso com o naipe feminino, se bem que Vilmar leva vantagem na comparação porque não canta nem compõe,  as contas bancárias de ambos não guardariam qualquer relação de equidade e ainda assim  ostenta um portfólio de conquistas de dar inveja a muito poetinha.

Vilmar não revela o que fala para suas escolhidas, alegando,  um tanto blasé, que isso é de “somenos importância”, porque o que vale mesmo no momento da abordagem é a atitude.  “E mulher sabe reconhecer um homem de atitude”, completa, agora ostentando ligeira soberba.

O grupo que ouvia o relato reproduzido pelo Geneton chegou, entretanto, a uma conclusão:  Vilmar é bem sucedido porque não se abate com a rejeição, ao contrário, faz disso sua energia para novos enfrentamentos. 

Um dos parceiros da mesa aproveitou o exemplo para exercitar filosofia de boteco,  defendendo que assim pode ser na vida - cada percalço deve nos impelir  para o desafio seguinte.  A assertiva não teve a repercussão esperada entre os confrades, mais invejosos das vitórias do Vilmar e de sua autoestima imbatível  do que atentos à filosofada regada a cerveja.


É que também nos demos conta de que o sucesso de Vilmar  estava  igualmente relacionado à escalada de suas abordagens. Quanto mais tentativas, mais chances de pelo menos uma dar certo.  Simples assim, mas quem se arrisca?

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Chatices de fim de ano

* Publicado em dezembro de 2014, mas atual como nunca

Está aberta a temporada de chatices de fim de ano. Com isso é cada vez maior o numero de pessoas que se deprimem, ficam melancólicas nesta época  e admitem publicamente que detestam as chamadas festas natalinas.  O número de desgostosos cresce na proporção direta em que o comércio antecipa suas campanhas de Natal, para vender mais e quanto mais cedo melhor.  Os shoppings, esses templos do consumo, se enfeitam como se disputassem um campeonato  de ornamentação natalina.

Particularmente já curti menos o Natal, mas voltei a me entusiasmar por causa das netas Maria Clara e Rafaela - a agora o Augusto. Natal é a grande festa da criançada que  adora as tais casas do Papai Noel nos shoppings , mesmo que os pequeninos ainda se assustem com o velho gordo, de barbas brancas e vestido de vermelho. Mas, como diz minha faceamiga Monica Goulart,  acabar com a fantasia das crianças é crime inafiançável.

Eu prefiro olhar as assistentes do personagem,  mas não pensem que é um olhar cúpido, nada de más intenções, apenas um gesto fraterno de solidariedade, creiam-me,  às moças que lidam com crianças irrequietas ou assustadas e pais ansiosos.  Pois é  assim que se estabelece o ciclo que vai impulsionar ao consumo: atraindo a criança para o ambiente repleto de ofertas de produtos e serviços é inevitável que os mais velhos sejam levados ao ato da compra.  Os números variam conforme a pesquisa, mas de 50 a 60% dos brasileiros admitem fazer compras por impulso.  E a roda da economia anda.

Frequentar os shoppings nessas circunstâncias não é a pior chatice do período.  Tem coisas que nem o CD natalino da Simone ou o show do RC conseguem bater em termos de malice.  O noticiário esportivo, por exemplo, se esmera em nos torturar com teses sobre o (mau) desempenho dos nossos clubes, o futuro incerto nas competições que virão e as especulações sobre reforços e dispensas.  E as retrospectivas repletas de pequenos e grandes dramas; e as previsões para o próximo ano, repletas de obviedades.  E os comerciais piegas;  e a programação de fim de ano das TVs. Ah, e tem a festa da firma e o inevitável  Amigo Secreto,  que por si só já mereceriam uma boa dose de Prozac.

É quando sobrevém aquele sentimento de impotência e incompetência pelo que foi planejado e não realizado. Sempre fica algo para trás, inconcluso, desafiador, a debochar da nossa capacidade de entrega, como se os 12 meses  passados não fossem mero recorte de um tempo que prossegue, um tempo  em que nem tudo precisa ser renovação, mas sim um espaço para continuidades e retomadas. 

Relaxemos, pois, porque há vida após o Natal . O ciclo recomeça logo adiante, na passagem para mais um ano, uma etapa que como as outras anteriores e as que virão nada mais é do que representação  de uma convenção.   Perdão pelo reducionismo, mas é simples assim. Portanto, não precisa forçar a alegria. 

domingo, 20 de dezembro de 2015

Que semana, que tempos!

A semana que está terminando  foi a autentica semana para não esquecer.  Num ano trepidante de acontecimentos, especialmente na área politica, esta semana produziu uma série de episódios que fizeram jus à sina do período e que terão desdobramentos mais adiante.  Houve até acontecimentos positivos como o título mundial de surfe conquistado por um ex-favelado de Guarujá, feito que transforma o Brasil definitivamente como o ex-país do futebol, agora afirmado como o país do surfe.

Mas foram os fatos produzidos em Brasília que movimentaram a cena politica, a começar pelo parecer do juiz Fachin,  reforçando a posição do presidente da Câmara no caso do impeachment da presidente Dilma, no mesmo dia em que o procurador  Rodrigo Janot  pedia o afastamento  de Eduardo Cunha por usar indevidamente seu cargo, o mesmo  Cunha que teve casa e escritórios devassados pela PF na Operação Catilinárias e viu suas posições sobre o andamento do impeachment reformadas - por goleada -  no Pleno do STF, um dia antes da saída, tantas vezes anunciadas, do ministro  Joaquim Levy, substituído por um contendor interno, o então ministro do Planejamento,  Nelson Barbosa, e, finalizando a semana, o anuncio de que o Supremo autorizava a quebra dos sigilos bancário e fiscal de  Renan Calheiros por suspeita de envolvimento no Petrolão e outros malfeitos. Ufa, tudo isso em apenas uma semana.

Mas enganam-se aqueles que pensam que foram estes acontecimentos, de importância e gravidade incontestáveis, que mexeram com o brasileiro comum, no popular,  a dona Maria e o seu Zé.  Foram dois outros fatos  que bombaram especialmente nesse canhão  de posicionamentos e repercussões em que se transformaram as redes sociais.  O mais insólito, o bloqueio do serviço de WhatsApp por um juiz de São Bernardo do Campo mereceu espaço até na mídia tradicional pelo estrago que provocou nas nossas vidas,  whatsappdependentes que somos.

Uma questão com tal magnitude que afetou 100 milhões de brasileiros não pode ser decidida por um magistrado sozinho, mesmo que seja de São Bernardo do Campo – terra adotiva do ex-presidente Lula -  mas exige, no minimo, uma acalorada sessão plenária do Supremo, com aquele desfile teses que se contraditam, acompanhada de caras, bocas e gestos altivos. Imaginem o ibope da TV Justiça!

Entretanto, o Oscar dos eventos da fatídica semana vai para as estrepolias causadas pela traição de uma tal Fabíola, que deveria estar fazendo as unhas na manicure,mas foi apanhada em flagrante pelo marido à entrada de um motel no carro de um concunhado. O barraco aconteceu numa cidade mineira e foi filmado e narrado por um amigo do corneado.  Seria cômica, não fosse trágica a mágoa do maridão que repetia, entre um safanão e outro na infiel: “Pô, nós íamos passar o Natal juntos!”  Baita decepção com o concunhado,  o Ricardão que atende pelo nome de Léo, um gordinho que deve ter lá suas vantagens em relação ao marido, um rapagão sarado.  O vídeo teve milhares de acessos nas redes e logo foi completado com outro , mostrando a moça em plena atividade,  presumivelmente num  motel em ato anterior ao flagra.  Dei uma rápida olhada e cheguei a conclusão de que a Fabíola sabe agradar um parceiro.

Na verdade, a conclusão que se impõe diante desse elenco de fatos e situações é que a maioria dos brasileiros parece ter atingido um nível de esgotamento frente ao noticiário do dia a dia, carregado de denuncias de corrupção,  desmandos administrativos,  conflitos entre lideranças, com a recessão  econômica mexendo no bolso, um processo  que pode ser resumido na palavra CRISE, em caixa alta. A população começa perigosamente a se anestesiar, uma vez que a sucessão de episódios negativos e repetitivos tende à banalização.  Assim, protesta mais pela  falta do WhatsApp do que contra a corrupção e prefere  mais o flagra documentado na Fabíola do  que as sisudas sessões do Supremo. Que tempos vivemos.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Gourmetizaram até as festas infantis

Sou do tempo em que festa infantil era regada a Q-Suco sabor groselha e pizza daquelas altas, feitas em casa, com cobertura de sardinha ou tomate. Os tempos mudaram e agora até aniversário de criança, e não interessa a idade, ganhou sofisticação nos acepipes oferecidos aos convidados. A carta de bebidas inclui vários tipos de refrigerantes e sucos, mais os líquidos de diversas graduações alcoólicas para os adultos poderem acompanhar, quase anestesiados, a algazarra da petizada.

Admito que curto muito tais eventos, especialmente quando a cerveja está bem gelada e não é da marca Promoção. Só que o pessoal que organiza as festinhas começou a exagerar. Empresas de eventos são contratadas, espaços especiais são ornamentados com o tema escolhido, cerimonialistas chamadas para por ordem no ritual que deveria ser simples, e não pode faltar uma atração circense, normalmente um palhaço gritão acompanhado de uma palhacinha bem fornida, que chama mais a atenção dos papais do que das crianças.

Como já disse o pessoal está exagerando e agora gourmetizaram até as guloseimas para a criançada. Outro dia me chegou as mãos um Menu com verdadeiras preciosidades alimentares da festa de primeiro aniversário de uma menina, graciosa bonequinha. Começava com “Snacks Saudáveis”, a saber: espetada caprese, palitos vegetais com molho de Iogurte, wrap (tipo de sanduíche enroladinho) de acelga, dados de pernil com abacaxi, sempre com a advertência se continha ou não lactose. Neste caso, ponto para os pais.

Na sequencia, vieram os “Churrasquinhos”, a parte mais convencional e não menos deliciosa da comilança, e, por fim, a seção das “Comidinhas”, com destaque para as folhas verdes com vinagrete de laranja e o Salpicão da Mamãe. De dar água na boca e nó na cabeça. O bom e honesto cachorro quente e os tradicionais “negrinhos” ficaram na saudade.

Se até as festas infantis entraram no padrão da pós modernidade gastronômica vou me obrigar a aderir aos modismos, da mesma forma que faço um esforço para acompanhar a comunicação digital. Não quero virar um dinossauro por antecipação, nem receber a acusação de ser um despossuído à mesa.  Assim vou poder fazer frente ao mais espetacular cardápio que já tive acesso, composto de uma entrada de “tranche de hagiki crocante com palmitos pupunha assados e creme de cabocham”, com o prato principal de “mignon bovino com roti de ossobuco, brie, chip’s de poró e spatize all triplo burro”, fechando com  a magnífica sobremesa de “pêssegos californianos assados com especiarias, fondue au chocolate e tuile de amêndoas”.


Estou pensando em me fazer acompanhar de um tradutor no próximo jantar festivo.

sábado, 28 de novembro de 2015

Histórias curtas do ViaDutra: O casal

O avanço em termos de costumes, com a oficialização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, tem provocado situações insólitas, segundo me contam.  Recentemente, cidadão de seus 65 anos ou mais foi as compras no supermercado acompanhado do filho,  um rapagão de seus 35 anos.  No caixa, o rapaz nem se coçou pra pagar, o que provocou a reação bem humorada do paí:

- Com essa idade mora na minha casa e só me dá despesa.

Foi então que a moça da caixa resolveu interagir com a dupla:

- Eu queria fazer uma pergunta, mas estou constrangida...

Tanto o veterano como o rapagão insistiram para que formulasse a pergunta e ela veio com tudo:

- Vocês são um casal?

O pai quase teve um infarto e o filho estaqueou.  Convém esclarecer que o rapaz é mais parecido com a mãe, daí que  não  seria a semelhança  entre pai e filho o que inibiria o questionamento da moça bisbilhoteira.

Diante do esclarecimento irritado da dupla, a moça tratou de se desculpar.

-  Sabe cumé, tenho visto tanta coisa aqui, que pensei...

O cidadão, visivelmente contrariado, tratou de pagar logo a conta, mas o filho ainda alongou a conversa, perguntando quem a atendente achava que era o lado feminino da relação.  Pediu e levou:

- Olha, quer mesmo saber? Acho  que é tu!

O rapagão saiu bastante perturbado do supermercado, sem saber se ela tinha sido respeitosa com o idoso ou se algum trejeito,  modo de agir e falar dele referendava a opinião da moça.  Por via das dúvidas, decidiu que nunca mais irá compras acompanhado do progenitor.




segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Gourmetizaram a pipoca

Acho que já falei que considero alho poró uma das mais sonoras expressões da língua portuguesa. Não canso de repetir: alho poró, alho poró ! Que sonoridade!  Tão sonora como “paradigma”,  “destarte”, “viés”, “elidir”, das quais gosto igualmente sem qualquer razão aparente.  A diferença é que alho poró é materializável e, mais do que isso, é degustável, enquanto as outras servem apenas para adornar editoriais jornalísticos que ninguém lê .

Na real, o alho poró aparece aqui como gancho para falar da mania que tomou conta da gastronomia moderna. Parece que é fenômeno mundial. Qualquer cardápio que se preze precisa estar devidamente gourmetizado, isto é, o que era uma simples e honesta comida, agora ganhou status, senão no preparo, na descrição do prato. 

A revista Superinteressante sacou bem a nova onda e recentemente produziu matéria revelando 15 alimentos simples que foram gourmetizados, entre eles a tradicional pipoca que recebeu ingredientes como flor de sal e perfume de trufas e, ainda, a coxinha com recheio de lascas de limão siciliano e confit de pato;  o brigadeiro, o nosso negrinho, que estão maculando com temperos indianos,  sem contar o cachorro quente que já vinha sendo sendo atolado de porcarias e agora se sofistica com maionese de trufas e queijo gruyère. Com o perdão do trocadilho, o destempero nesses casos não tem limites.

Pior são aquelas reuniões-almoço que me obrigo a frequentar e sou provocado com menus difíceis de decodificar e, por conseguinte, de sabores muitas vezes indecifráveis. Outro dia  serviram de entrada algo como "royal de legumes da estação" que achei parecido com uma seleta de legumes. Depois,  no prato principal,  veio um "timble  de legumes", que fico devendo a tradução e, por fim, na sobremesa,  "marquise de dois chocolates com coulis de frutas vermelhas e gelado de creme", uau! Em outro evento a sobremesa era "sopa de frutas" – suspeito que seja o mesmo que salada de frutas – com sorvete de manjericão.  Também já enfrentei de entrada um "salmão sob leito de aspargos ao molho de laranja polvadre" e na sobremesa um "cheesecake de Oreo com gelato de iogurte com frutas vermelhas".

Podem me chamar de rabugento e preconceituoso diante das inovações culinárias,  mas gosto mesmo é da simplicidade e tenho o respaldo de afamado chef francês, daqueles citados pelo Guia Michelin, que declarou, sem constrangimento, que seu prato preferido é a prosaica a la minuta.  No meu caso, pode até ser temperada com um bocadinho de alho poró.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A estrela solitária me conduz



Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  “É uma torcida e um saco de uniforme”.  O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino.  A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou.

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo.

Mais tarde descobri que o Glorioso, como também é conhecido, era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido.

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo passa, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda  parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência.

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Pequenópolis, de novo

Pequenópolis é uma cidade grande com gente que pensa pequeno. Seu povo é alegre e hospitaleiro, mas parte dele, uma minoria enfezada, detesta progresso. Essa minoria prefere que a cidade fique numa redoma, de forma a se tornar imutável, mesmo com prejuízo para todos. E a maioria cala e assiste impassível o presente ser congelado e o futuro exterminado. Por isso, a cidade que já foi Futurópolis trocou de nome na medida em que se apequenou. Era a cidade sorriso, hoje é a cidade rançosa.  ( Publicado em dezembro/2010)

Os representantes da banda do atraso de Pequenópolis voltam a atacar. Qualquer projeto que represente um mínimo de avanço é boicotado com os argumentos mais disparatados.  Travestidos de defensores da cidade, uma cidade idealizada mas inviável, essa turminha  não hesita em apelar para a mistificação para reforçar seus frágeis posicionamentos.  São especialistas em nada, exceto na capacidade de se intrometer em tudo que possa trazer inovação, mas opinam sobre complexas questões técnicas como se tivessem  grande embasamento.  E, reconheça-se,  tem público receptivo, aqueles mesmos que ficaram sem  determinadas bandeiras partidárias e precisam de novas  formas  de mobilizações para se manterem ativos. 

Intitulam-se formadores de opinião e se apropriaram indevidamente da exclusividade de pensar Pequenópolis.  Afirmam representar a sociedade, mas não resistem  a uma pesquisa de opinião sobre a aceitação das melhorias previstas para a cidade.  Não são muitos, mas fazem barulho e, por isso, às vezes preocupam quem tem que tomar decisões. 

Dois exemplos da intervenção maléfica desses oportunistas de plantão se expressam nas campanhas contra o projeto de revitalização do Cais Mauá e o Projeto Orla, ambos do consagrado urbanista Jaime Lerner. Sobre o primeiro afirmam, por exemplo,  que os armazéns tombados irão abaixo, o que não é verdade, mas mostram fotos de um prédio  - não tombado -  em demolição como prova de que a intervenção no espaço é lesiva ao patrimônio histórico. Em relação ao projeto Orla fazem questão de confundir com o do Cais para tumultuar o processo, mas como não tem muito a criticar direcionam a reprovação aos tapumes de segurança. “Escondem a obra e o Guaíba”, é a alegação, que não se sustenta diante do resgate futuro daquele recanto de Pequenópolis. São tantas inconsistências que chega a irritar, como fizeram no movimento contra o projeto de moradias no Pontal do Estaleiro, decretando que aquela área está destinada a se tornar um deserto após o horário comercial. Foi um autentico movimento de lesa cidade! 

Haja paciência com essa gente. Parece que  odeiam a cidade  e, até por isso,não me representam.

domingo, 8 de novembro de 2015

Compulsão por escrever

Tem tanta gente escrevendo e publicando que acho que vai acabar faltando leitores para tantos escritos. Ficou muito fácil publicar, tanto nos blogs como em forma de  livro, cujo processo industrial está mais acessível e simplificado, vale dizer mais barato para os escritores iniciantes e/ou independentes.   Pequenas tiragens, renováveis de acordo com a demanda, viabilizam-se por meio das gráficas expressas.  Assim é possível enfrentar uma sessão de lançamento sem o risco de encalhe e prejuízo.

Aprendi isso depois de velho, após as idas e vindas para a edição do Crônicas da Mesa ao Lado. A negociação com a editora  (Bartblee, de Juiz de Fora-MG)  foi rápida e satisfatória, a impressão demorou  um pouco,  mas nada que provocasse estresse e o problema mesmo surgiu quando chegou a hora de transportar os livros para Porto Alegre.  Resolvido à contento essa logística, chegou a hora da verdade:  o livro tinha que chegar aos potenciais interessados.
Não sei se vocês já perceberam, mas basta entrar numa livraria para verificar que a concorrência é feroz, a começar pelos best-sellers vindos do exterior,  sem contar os autores consagrados, os livros de autoajuda,  as biografias atraentes autorizadas ou não e, ainda, os de besteirol, eis que existe público para isso. É quando o autor recém-lançado se pergunta:  será que alguém vai se interessar pela minha obra?

Devo dizer que, mesmo diante das dificuldades de distribuição, não tenho queixas.  Distribuí  por conta própria,  garantindo aceitação em meia dúzia de locais, especialmente as livrarias mais cults Cinco livros aqui, dez ali, pelo menos duas reposições,  encomendas pelo Correio e o Crônicas me surpreendeu,  vendendo acima do esperado. Claro que as livrarias ficam com 30 a 50% do preço de capa, mas vale pela vitrine e o dinheirinho pingado que entra sempre ajuda a fechar o orçamento. 
E aqui volto a questão inicial, na verdade, mais do que uma constatação, uma angustia: será que haverá leitor para tanta produção literária? Fiz um rápido levantamento e contei pelo menos seis companheiros jornalistas com livros recentes na praça – aqui praça como sinônimo de mercado – e outro tanto anunciando lançamentos para breve, além de lideranças politicas que começam a investir no livro para difundir suas ideias e, de novo, os autores consagrados que tem público cativo.

Acredito que boa parte desse boom de aspirantes a literatos se deve às oficinas literárias que abundam em nosso meio, dando vazão a compulsão por escrever . Mais do que autores zelosos com a suas obras criou-se uma geração de reféns da necessidade de colocar ideias, enredos, cenários e personagens em forma escrita.  É isso, afinal, o que nos move.

"Crônicas da Mesa ao lado" pode ser adquirido  nas livrarias Bamboletras (Shopping Nova Olaria), Palavraria (na Vasco da Gama, 165), Nova Roma (General Câmara, 394), Cultura (Shopping Bourboun Country), Koralle (José Bonifácio,95 e Santander Cultural) e Banca da República,(República quase esquina de João Pessoa). Na Feira, pode ser encontrado também na barraca da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e na da Associação Gaúcha dos Escritores Independentes.