terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Mega

Entre todos os tipos inesquecíveis que cruzarem pela minha vida um em especial se destaca:  o megalômano.  O mais recente exemplar até conseguiu me enganar por um tempo, fantasiando viagens que nunca fez,  contatos importantes que não aconteceram,  relações com poderosos que não existiam, grandes fortunas que viria a ganhar e  que nunca se materializaram.  Mas como ninguém consegue enganar todo o mundo todo o tempo, um dia a ficha caiu e o sentimento que passei a nutrir em relação à figura foi de compaixão porque evidentemente essa megalomania era doença. E doença exige tratamento.

Pensando bem,  o tipo não merecia meus nobres sentimentos, primeiro porque parecia extremamente feliz com o mundo fantasioso que criava e depois porque as invencionices que aplicava serviam também para escapar dos seus deveres funcionais.  Pra ser claro: fugia do batente. Hora a desculpa era uma viagem a um estado distante para tratar de um convite  para importante cargo oficial, hora uma negociação crucial com investidores estrangeiros interessados em empresas que dizia representar, hora até mesmo um delicado tratamento médico a que precisava se submeter. 

Nem sei se a classificação é mesmo como megalômano e admito que sentia uma pontinha de inveja com a capacidade criativa e ficcional do sujeito, mas com o tempo desenvolvi uma forte rejeição a toda e qualquer história dele.  É que meu  HD mental  não precisa de muita coisa para ficar  lotado e o Mega, com seus feitos,  estressava logo meu limitado equipamento.  Assim,  para que os megas se afastem de mim, roguemos.



domingo, 8 de dezembro de 2013

Dia do profissional da adrenalina

Militei (gosto do termo) mais de 25 anos na chamada crônica esportiva. Comecei na Zero Hora, passei pela Folha da Tarde, trabalhei na Rádio e  TV Difusora (hoje Band), nas rádios Guaíba e Gaúcha, duas vezes em cada veículo e encerrei esse ciclo na RBS TV/TVCom. Fui repórter e editor de jornal, editor e coordenador de rádio e TV, mas nunca me aventurei no microfone nem no vídeo. Achava que não tinha perfil pra isso, o que foi uma bobagem porque até a desenvoltura diante do público a gente aprende. Mas preferi me especializar nas ações da retaguarda da operação que envolve a cobertura esportiva, no dia a dia e nos grandes eventos.  Muito me orgulho também de ter atuado por um bom período na Associação Gaúcha de Cronistas Esportivos (Aceg), da qual só não fui presidente.

Aprendi muito neste período, até porque tive mestres inspiradores. Gente como o Armindo Ranzolin, um gigante ao qual presto meu reconhecimento; ao Ari dos Santos, que parecia ter a fórmula das polêmicas; e nos jornais meu guru Nilson Souza e um grande editor, ao qual devo minha reciclagem, o Emanuel Mattos. Claro que aprendi muito com outros companheiros e pra mim o aprendizado é permanente, mas faço questão de destacar os quatro profissionais porque realmente representaram muito na minha carreira. E em nome deles saúdo todos os que fazem da cobertura do esporte sua vocação e missão no jornalismo neste 8 de dezembro em que se celebra o Dia do Cronista Esportivo.

Comemorado no mundo inteiro, registros nada confiáveis creditam a data a Aulus Lépidis, que seria o primeiro cronista esportivo ao descrever num  8 de dezembro  um duelo entre escravos e leões no jornal Acta Diurna, de Roma. Aulus  acabou ele mesmo devorado por animais famintos, jogado às feras por Marcelus Brunos, o domador dos leões, cuja esposa teria um caso amoroso com o primeiro mártir do jornalismo esportivo., que coisa, hein!

Fico pensando em como essa história seria contada pela imprensa esportiva da época e tenho certeza de seria uma cobertura ágil, detalhada, emocional e opiniática, com muita adrenalina, portanto,  porque esses atributos – positivos ou negativos – fazem a essência da atividade. A verdade é que a crônica esportiva já nasceu sob o signo da controvérsia e isso é inevitável em se tratando de uma editoria que envolve competições e rivalidades – vide o nosso Grenal.

Não conheço cronista esportivo que não seja apaixonado por seu trabalho e aos que ficaram e aos que virão meu reconhecimento e um abraço parceiro. Boa adrenalina  pra vocês!


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A propósito de Mandela: as lições de Invictus

* Publicado originalmente em julho de 2010.

Em boa hora chega às locadoras o DVD de Invictus. A Copa na África do Sul coloca em evidência a história narrada com a competência e o talento de Clint Eastwood.

Uma rápida sinopse do filme: eleito presidente, Nelson Mandela (Morgan Freeman) tinha consciência que a África do Sul continuava sendo um país racista e economicamente dividido, em decorrência do apartheid. A proximidade da Copa do Mundo de Rúgbi, pela primeira vez realizada no país, fez com que Mandela resolvesse usar o esporte para unir a população. Para tanto chama para uma reunião Francois Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e o incentiva para que a desacreditada seleção nacional seja campeã, o que de fato ocorre.

Invictus é uma ode ao perdão e à reconciliação, mas, sobretudo, à grandeza. A grandeza que se expressa na direção de Eastwood que produziu mais um épico, embora Invictus não seja o seu melhor filme. Grandeza também na interpretação de Morgan Freeman. Só ele poderia interpretar, em todas as suas dimensões, o gigante Mandela. Um Mandela, marcado por 27 anos de cárcere, mas que não hesitou em enfrentar as resistências dos mais próximos para atingir um grande objetivo: unir seu povo por meio do esporte.

Não é a primeira vez que a força do esporte é utilizada como instrumento de coesão social. Mas, diferente da nossa experiência com o Brasil Prá Frente, ou Ninguém segura este país, da era Médici, que visava validar uma ditadura, Mandela assumiu claramente o rúgbi como um meio para chegar ao objetivo maior de reconstituir uma nação. A grandeza de uma nação está diretamente vinculada à grandeza de intenções e dos sonhos de seus líderes e essa é a principal lição que fica de Invictus.

Extra filme, algumas constatações. O rúgbi, mistura de futebol e futebol americano, é um jogo muito estranho. É um tal de agarra, agarra, chatissimo, sem contar que a bola oval, jogada com as mãos, só pode ser passada para trás. Menos mal que na época retratada pelo filme as detestáveis vuvuzelas ainda não haviam invadido os estádios sul-africanos. Por fim, a reflexão que não quer calar: já pensaram se o Mandela dependesse da seleção do Parreira para unir o povo? Coitada da África do Sul.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Nilton Santos e eu

Nem Pelé, nem Garrincha. Meu ídolo nas copas de 58 e 62 era Nilton Santos, um tanto pelo nome composto e elegante, um tanto pela sua categoria em campo, que alguém inspirado comparou com uma enciclopédia. E ainda jogava, como Garrincha, no Botafogo que era meu time de botão panelinha, aqueles de plástico, com a bela estrela solitária em preto e branco. 

Para o menino que estava descobrindo a magia do futebol tudo isso era importante e fascinante. O menino cresceu e virou lateral direito, como o ídolo, mas ainda bem que Nilton Santos não tinha a mínima noção do que acontecia nos campos varzeanos do bairro Petrópolis – a praça Tamandaré e o Ararigbóia, em especial – porque a falta de qualidade,  mediocridade mesmo, do atleta amador que um dia fui causaria grande decepção ao maior ocupante da posição em toda a história do futebol brasileiro.

Passam-se os anos e o varzeano virou jornalista das editorias de Esportes. E lá pelos anos 70 do século passado, acompanhando a delegação do Grêmio numa viagem a Salvador, eis que aparece na frente do repórter no saguão do hotel,  ele, Nilton Santos. Foi preciso conter a veneração para chegar até o ídolo, afetando profissionalismo, para pedir uma entrevista que foi aceita com cordialidade e marcada para mais tarde.

Conversamos por quase duas horas, o que rendeu uma boa matéria para a Folha da Tarde (sim, eu trabalhei na Folha da Tarde). A repercussão também foi boa,  me informaram da redação e eu fiquei ainda mais faceiro depois do encontro com o idolatrado ex-jogador. Repórter novo, em busca de afirmação, com matéria diferenciada e elogiada, era tudo o que eu precisava na ocasião. Da reportagem,  lembro apenas da incisiva defesa que Nilton Santos fez do técnico Vicente Feola que era acusado de dormir durante os jogos e treinos. Para o craque, Feola era um grande e injustiçado treinador.

Agora Nilton esta, com Feola,  junto aos Deuses do Futebol que podem ser divindades, mas nem por isso menos invejosos - afinal, não tem o talento da Enciclopédia. De onde estiver, só peço que me perdoe por desonrar a posição que o consagrou e fez dele um ícone. 

* Onde se leu lateral-direito, leia-se esquerdo. Sorry.

domingo, 24 de novembro de 2013

Ouvido na mesa ao lado


Como vocês sabem tenho mania de ouvir conversas alheias na mesa ao lado.  Herança dos tempos de repórter que um dia fui e ter ouvidos aguçados era preciso.  Pois noite dessas, entre um bolinho de bacalhau e outro, à espera do meu linguado à portuguesa , fui apanhado por uma frase da mesa ao lado:

-...e o cara me disse que estava há 10 anos sem transar!

De imediato, liguei todas as antenas e me detive no relato que o rapaz fazia para a assistência da mesa ao lado.  Pelo que entendi, a história é mais ou menos assim:  uma cunhada do relator enamorou-se de um jovem extremamente religioso e isso mudou sua vida e o cotidiano de toda a  família.

-Até meu sogro teve que mudar os hábitos, parar de dizer palavrões, para não atrapalhar o relacionamento, explicou o rapaz da contação.

Ato seguinte, mostrou no celular a foto da moça e pela reação dos circunstantes deduzo que se trata de um belo espécime da raça humana no seu naipe feminino. Apesar dos atributos físicos e de um passado, digamos, festivo e diversificado, a moça estava enfeitiçada pelo namorado a ponto de dedicar parte do seu tempo para, juntos, lerem e refletirem sobre as lições dos capítulos e versículos bíblicos.

Só que, passados seis meses de seca, a jovem já não aguentava mais a falta de iniciativa do moço e, certa noite na casa dos pais na praia, ficou nua em pelo no quarto sobre a cama, simulando que estava dormindo.  Ao abrir a porta do quarto para um beijo de boa noite e uma última oração, o namorado entrou em pânico diante daquele quadro erótico on line.  Tratou então de sacudir a jovem, exigindo que se vestisse. Como ela continuava fingindo sono profundo,  começou a vesti-la da calcinha ao pijama, ao contrário do que era de se esperar do verdadeiro amante, que retiraria roupa por roupa – foi o pensamento malicioso que me ocorreu ao ouvir o relato.

A tensão entre eles aumentou e decidiram casar para que pudessem consumar a união, conforme os preceitos religiosos do rapaz.  Casaram e a primeira noite foi também a ultima: a moça, ansiosa pela espera da pegada do namorado, decepcionou-se com o desempenho e os dotes do rapaz.  A paixão evaporou-se em apenas uma noite, uma noite frustrante.   E no dia seguinte  a moça já estava procurando um ex, confiável na pegada e nos dotes, enquanto o marido despejava pragas e previa o ” fogo eterno” para a infiel.

Sucede que depois de 10 anos sem praticar, o moço estava sem empuxe,  tinha desaprendido o pouco que sabia, sem contar que estava desapetrechado no principal equipamento.  Até para casar tem que ter treino, conclui eu, ao retornar aos acepipes e à conversa mais trivial na minha mesa.

A mesa ao lado havia rendido!




domingo, 17 de novembro de 2013

Eu acertaria Kennedy

Li com atenção a matéria de ZH Momentos finais de John Kennedy, do competente Léo Gerchmman, que tenta trazer novas luzes sobre o assassinato do jovem e charmoso presidente dos EUA, em 1963. A matéria remete ao livro os Últimos dias de John F.Kennedy , de Bill O’Reilly e Martin Dugant que vendeu mais de dois milhões de exemplares e virou filme assinado por Ridley  Scott, com Rob Lowe no papel do presidente.  Tirante os infográficos que mais atrapalham do que ajudam,  a edição de ZH mostra as várias relações que podem se estabelecer no caso, um quem é quem de suspeitos e, naturalmente, resgata as teorias conspiratórias sempre presentes nesses episódios.

Tenho certo fascínio pelo tema desde que fui  impactado pela notícia da trágica morte de Kennedy.   Tinha, então, 13 anos e já era ligadíssimo em politica internacional. Acompanhara preocupado a crise dos mísseis e confesso que fiquei decepcionado com  o fracasso da invasão de Cuba pela baia dos Porcos.  Eram tempos nebulosos aqueles também no Brasil.  Em 1961 ocorreu a renuncia de Jânio e o movimento da Legalidade que Brizola comandou, vergando os que se opunham a posse de Jango. E eu acompanhava tudo pelo noticiário das emissoras de rádio, eis que adornava nossa sala, em tempos de pré-aquisição da TV, um enorme aparelho Philco, com 10 ou 12 ondas.

Mesmo sem TV em casa, lembro bem a cena repetida à exaustão da morte de Lee Oswald dentro de uma delegacia de Dallas por um tal de Jack Ruby ,diante do olhar espantado dos policiais texanos. São esses personagens que se perderem na história, tipo Jack Ruby ou a ex-esposa de Oswald, Marina e a filha Jane, dos quais não mais se ouviu falar, que me intrigam.  Que destino tiveram?  Ainda vivem?  E, afinal, quem pagou Ruby para matar Oswald?  Só o que ganhou destaque em primeiro plano foram as tragédias que devastaram os Kennedy .

Quis o destino que eu passasse mais de 50 dias em Dallas durante a Copa de 94, a serviço da Rádio Gaúcha.  Entretanto, foi só na  véspera da decisão que o Holmes Aquino, o Gilberto Kussler e eu que conseguimos agendar um tour pelo Depósito de Livros, junto ao descampado da praça Dealey.  Lá chegando, o americano que distribuía os gravadores  para acompanharmos todas as etapas da visita, ao descobrir que éramos brasileiros, deixou de cobrar pelo equipamento e ainda garantiu que torceria pelo Brasil no dia seguinte contra a Itália.

Durante todas as estações que descrevem o episódio e seus desdobramentos, andar por andar, fica a impressão que tudo foi  montado para justificar as conclusões da Comissão Warren, do legislativo dos EUA, segundo a qual Oswald agiu sozinho na morte de JFK.

Aí chegamos ao sexto andar e  surge o local protegido por vidros blindados,  junto a janela, reproduzindo o que teria sido o cenário de onde foram disparados os tiros mortais, inclusive com a espingarda de 6,5mm – desconheço se era a original.  Para meu espanto e dos companheiros constato que a distância daquela janela ao ponto onde passava o carro com a comitiva presidencial era não mais de cinco metros, diferentemente do que se imagina nas imagens que temos visto em filmes e na TV.   Com um pouco de treino até eu acertaria o presidente daquela posição, que dirá um experimentado ex-mariner como Oswad.  Faço o registro, mas não contem comigo pra qualquer empreitada do gênero.

Na verdade, sai do Depósito de Livros com as mesmas dúvidas de sempre.  De positivo, a constatação de que os americanos enfrentam as feridas de sua história com maturidade e naturalidade, sem espetaculosidade, mesmo tentando impor a versão oficial.  E aí a comparação com o recente episódio da exumação de Jango mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer.




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Annus horribilis

A exemplo de vários conhecidos estou contando os dias, as horas, os minutos e os segundos para que o ano de 2013 acabe. Inspirado na Rainha Elizabeth nomeei 2013, por todos os contratempos que produziu, como annus horribilis.

Vale lembrar que a expressão latina foi usada no discurso real no final de 1992, quando a soberana acusou o golpe representado pela separação de Charles e Diana, pelo topless de sua ex-nora Sarah exibido nos tabloides britânicos (sem contar que mostram a moça tendo os dedões do pé chupados por parceiro da hora; confesso que desconhecia este fetiche!), e outras estripulias da realeza, além de um incêndio no Palácio de Buckingham.

Ora, ora, com todo o respeito a veterana rainha, isso aí é fichinha com os ocorridos por aqui e acolá  em 2013. Incêndios, inundações, chuvas torrenciais, árvores mortais, manifestações que desandaram, crimes passionais como nunca, acidentes e incidentes, o imprevisto e o previsível, o que provocaram e o que provocamos.

A culpa de tudo seria o azarento 13 acoplado ao ano, o que nem assim salva os mensaleiros de terem neste o pior dos annus horribilis. Na astrologia chinesa 2013 é o Ano da Serpente que, diferente do sinistro réptil, representaria um período positivo e de muita sorte, mas muito imprevisível, com ocorrência desastres e calamidades!

Já a numerologia indica que se trata de um ano em que as divergências e atritos são potencializados. A astrologia já previa um 2013 regido por Saturno, geralmente considerado uma referência de algo sombrio, rígido e austero. E por ai vai.

Enfim, nem as ciências ocultas conseguem explicar suficientemente porque tanto tumulto em tão pouco tempo, que fizeram de 2013 o verdadeiro ano da Besta, vade retro!

Apesar de tudo, o que mais me preocupa agora é que depois de todas essas explicações não vai faltar quem ache que annus horribilis  tem a ver com aquela parte do corpo humano. Termina logo, 2013.

domingo, 10 de novembro de 2013

Na contramão

Fico pasmo ao tomar conhecimento desses casos de motoristas que se arriscam a trafegar pela contramão em estradas movimentadíssimas.  Agora mesmo leio a noticia da mulher que dirigiu oito quilômetros pela BR 116, de Porto Alegre em direção à Canoas,  sempre na contramão e, claro, completamente embriagada. Ou seja, não se deu conta dos riscos do seu ato, para ela e os outros motoristas.  A gauche  teve que pagar fiança para ser liberada, foi devidamente multada, levou 14 pontos na carteira e vai responder a processo.

Gostaria de ter acesso a ela para saber das suas motivações.  A imprudência teria sido o resultado radical de uma desilusão amorosa, tentativa de suicídio,  fim de uma balada pra lá de Marrakech, estava apertada para ir ao banheiro, enfim, como explicar uma maluquice dessas? A mídia que cobre tais fatos fica a dever um perfil mais detalhado desse pessoal.
Confesso que sou meio desorientado no trânsito e cometo,  volta a meia,  algumas barbeiragens como trafegar na contramão na zona urbana, em trechos curtos,é bem verdade.  Mas dai a sair estrada a fora pela esquerda,  jamais.  O que me impressiona é o grande número de motoras que tem desafiado toda a qualquer noção de segurança e bom senso dirigindo na contramão, sempre em estradas movimentadas,  quase sempre em alta velocidade e invariavelmente em estado que deixa os bafômetros todo eriçados.

A triste constatação é que  agora ampliou-se o perfil dos transgressores, antes jovens em busca de novas emoções, hoje senhores e senhoras que estariam acima de qualquer suspeita.  Retomo o questionamento:  o que está por trás da maluquice?
Talvez seja um compartilhamento com o poeta  Drummond e seu verso (“Vai, Carlos! ser gauche na vida”) ou um tributo ao sertanejo universitário de Paula Fernandes ( “Fui capaz de abrir mão do meu rumo/Pra seguir na tua direção/Foi você quem errou o caminho/E andou na minha contramão”). Na real, não tem justificativa poética ou musical que sustente ir ao encontro do perigo, talvez mortal. Ainda sou mais o aviso do Maluco Beleza:” Eu já estou calejado/Não quero mais andar na contramão”. Vale para o trânsito e para a vida.

   

domingo, 13 de outubro de 2013

Homens honorários

Existe um grupo muito especial de mulheres: as Homens Honorários.  Explico: nada a ver com masculinidade ou feminilidade, trata-se tão somente de mulheres que frequentam grupos majoritariamente masculinos e participam com naturalidade de conversas escabrosas, eroticamente falando, e ouvem o que devem e o que não devem de seus mui amigos homens.

As Homens Honorários são encontráveis especialmente nos ambientes profissionais, onde os naipes femininos e masculinos convivem diariamente, às vezes mais horas do que em suas casas.  E tem os almoços e os happy hours espichados, com aquelas conversas descompromissadas que, com frequência, derivam para assuntos picantes.  Normalmente são os homens a contar vantagens de conquistas que nem sempre correspondem à realidade, mas com versões turbinadas para impressionar a audiência. 

Nesse ponto sou solidário com as Homens Honorários, obrigadas a ouvir todo o tipo de baboseiras para manter esse elevado estágio da condição feminina e humana. E fingir que acredita que o barrugudinho do Financeiro se deu bem com a nova estagiária do RP.

É a postura superior, um tanto blasê eu diria, dessas parceiras de fé, irmãs, camaradas, que faz delas Homens Honorário. Não o houve nomeação, nem qualquer ato formal de ascensão .  Elas se habilitaram à posição e ponto.  Não existe contestação, mas reverência e reconhecimento do sexo frágil, no caso os homens.

Interessante constatar que já se forma uma geração de pretendentes a Homens Honorários.  São ex-estagiárias que ascenderam a condição de efetivas, moças do segundo escalão que buscam novos horizontes, senhoras de boa formação que começam a estender seus relacionamentos, enfim, todas aquelas que sabem conviver com o sexo oposto,  não numa condição de enfrentamento nem de submissão, mas de natural comunhão na chamada vida real.  Essa categoria é conhecida como Homens Honorários Juniores.

Conheço pelo menos três colegas na condição Homens Honorários, mas não vou citar nomes para evitar ciumeiras e retaliações. A primeira é poderosíssima, mas não é por isso que virou Homem Honorário, mas pelo que já aturou nas conversas escusas de seus pares.  A outra é um cão de guarda de tão fiel, capaz de flagrar os amigos com a outra e manter um silencio obsequioso sobre o perfil da outra.  Por fim, o tipo que mais simboliza a categoria:  a moça expansiva, mandona, que se mete em tudo, antecipa as conversas e usa os palavrões como se fosse um mero substantivo. 

Convivo com as três numa boa, mas em verdade vos digo que não me arrisco a contrariá-las. Embora não tenha nada a esconder, elas sabem demais, então toda a cautela é pouca.



domingo, 6 de outubro de 2013

Praga acadêmica.

Publicado originalmente em 07/11/2010, mas continua atual como nunca.

Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas. Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.

O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.


Ao republicar este texto me dei conta das picaretagens  cometidas sob o manto do “verniz acadêmico”.  Exemplo recente foi daquele especialista de uma universidade paulista, a serviço de determinada empresa que atua no segmento, a ditar opiniões, a partir de “um estudo”,  sobre a qualidade da água de várias cidades, inclusive Porto Alegre, por certo preparando terreno para que a tal empresa ofereça seus serviços. 
Mas o caso mais emblemático de como transitam esses “estudos” está sendo revelado pela mídia, conforme zerohora.com: "Num artigo publicado na sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas aceitaram. O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine, sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano, era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals, editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no artigo antes de publicá-lo.O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida."

 Sem comentarios!