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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Marco Polo municipal




Em menos de dois anos, tive o privilégio de visitar a China duas vezes. Já estou me sentindo um Marco Polo moderno e municipal. Isso não faz de mim, entretanto, um profundo conhecedor da China e dos chineses, mas permite algumas observações sobre o surpreendente país asiático. A primeira constatação é de que na China as obras públicas andam e são entregues no prazo, apesar das dimensões macros do que é executado.

Quando lá estive em 2008, acompanhando o prefeito José Fogaça, o espaço reservado para a Expo Xangai 2010 não passava de uma área quase rural, com tudo para ser feito. O projeto podia ser visualizado - em forma de maquete - no Museu do Planejamento Municipal, uma visita imperdível para quem vai a Xangai. Em menos de dois anos, a área transformou-se na maior exposição mundial de todos os tempos. Linhas novas de metrô foram implantadas, assim como uma nova ala para o aeroporto internacional de HongQiao. Conjuntos residenciais inteiros, com torres acima de 20 andares, foram construídos nesse período. Como bem definiu alguém da comitiva de agora , Xangai lembra a Los Angeles futurista do filme Blade Runner,

Em Suzhou, cidade irmã de Porto Alegre, não é diferente. Ao retornar agora à chamada Veneza da China, com a comitiva liderada pelo prefeito José Fortunati, encontrei novas construções que não existiam em 2008. Sete linhas de metrô estão sendo implantadas (a cidade conta com 6 milhões de habitantes registrados ou 12 milhões, considerada a população flutuante) e duas linhas já estão prontas para operar. Enquanto isso, ainda lutamos para ter uma Linha 2 do Metrô em Porto Alegre...

Xangai e Suzhou crescem no ritmo da China, um ritmo alucinante para os padrões brasileiros. O segredo chinês chama-se Planejamento, previsto para um horizonte de 30 anos, e mais a mão de obra intensiva, pouca ou nenhuma resistência do povo às intervenções urbanas, articulação entre o poder central e os governos locais e recursos financeiros abundantes. A receita se completa com muito trabalho, determinação e disciplina, valores que fazem parte da cultura chinesa.

Mas é importante também observar um outro lado da China, para além do desenvolvimento acelerado. O trânsito nas metrópoles continua caótico, independente das grandes obras urbanas, das vias expressas e dos viadutos com até sete níveis. No trânsito, o motorista chinês contraria a índole disciplinada do povo e comete toda a sorte de barbáries: retorno no meio da quadra, fechadas que ficam a um triz da colisão, trocas de pistas sem aviso, desrespeito a sinalização, carros, motos e bicicletas disputando os mesmos espaços e muita buzina. Tudo isso a gravado pelo fato de que os chineses aprenderem a dirigir há pouco mais de 20 anos, quando a propriedade de um carro deixou de ser privilégio dos dirigentes do partido. O inacreditável é que ocorrem raríssimos acidentes de trânsito – é que eles dirigem em baixa velocidade.

A China é o paraíso das sedas e das pérolas para turistas-consumidores ocidentais. E a compra exige um ritual de negociação difícil de descrever. Os chineses são mercadores seculares e submetem os compradores a uma pressão que requer muita paciência e habilidade. É um verdadeiro jogo. Primeiro eles atiram o preço lá em cima à espera de uma contra-oferta. Recomenda-se revidar com um terço ou um quarto do preço pedido. Para isso eles oferecem as calculadoras, onde cada parte vai digitando os valores, os vendedores baixando pouco a pouco e os compradores subindo na mesma proporção.

Na verdade, a negociação é válida como exercício para regatear porque, na real , tanto as sedas como as pérolas - e também as confecções - são tão baratas que a vantagem é mínima. Um lenço de seda pura, por exemplo, pode ser adquirido por R$ 12 ou R$ 13,00 e um colar de pérolas por no máximo R$ 25,00. Mas é preciso seguir o ritual, porque o chinês espera esse comportamento do comprador. Dependendo do valor que for oferecido, ele vai exclamar, num inglês atravessado: “You must be joking” (“Você deve estar brincando”). É hora do comprador virar as costas e fazer menção de ir embora. O vendedor enlouquece e vai atrás, calculadora à mão e elogios à mercadoria, enquanto apela: “You friend. Last Price, last price”. E acaba digitando um valor muito próximo á última oferta do comprador, normalmente menos de 50% do preço original. Negócio fechado e partes satisfeitas. Com boa vontade, o comprador brasileiro ainda vai ouvir um “obligado”.

Essas negociações não valem para as lojas de grifes, sempre lotadas por novos ricos chineses e que mantém os preços inalterados. Não vale também para compradores americanos e alemães que pagam os preços pedidos. Países com moeda forte é outra conversa.

Uma experiência inesquecível é se aventurar no comércio informal. Os visitantes são abordados nas ruas por todo o tipo de ofertas, com destaque para os relógios Rolex – com pouquíssimas chances de serem verdadeiros. Esse comércio informal, tolerado pelo governo, é acessado através de corredores muito suspeitos, em prédios ao lado do comércio legalizado. Mas aparentemente não se correm riscos. O negócio dos chineses é vender. Lá dentro, separados em vários compartimentos, encontra-se de tudo: relógios em profusão, roupas com etiquetas copiadas de todas as marcas, malas e bolsas simulando as mais afamadas grifes, máquinas fotográficas, filmadoras e eletrônicos para todos os gostos. A negociação segue os padrões chineses de proposta e contra proposta.

A pantomina para garantir que o produto é de qualidade chega a extremos: assisti a um vendedor acender o isqueiro e aproximar a chama de uma bolsa, para provar a autenticidade da mercadoria. Minha tese é de que até o fogo era falso.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Meio ambiente entra na agenda da China

Para não dizerem que só escrevo bobagens, aí vai um texto, digamos, mais denso, publicado originalmente na última edição da revista Ecos:

O jovem diplomata chinês que acompanha a missão da Prefeitura de Porto Alegre em Xangai (novembro de 2008) suspira de saudade quando lembra, com seu sotaque marcadamente lusitano, o azul dos céus brasileiros, ele que serviu no Rio e foi contagiado pelas belezas e a cultura do nosso país. Xangai, com seus 14 milhões de habitantes, transformada em imenso canteiro de obras para a ExpoXangai 2010, reforça as razões de Jiang Chen para evocar o azul celeste do Brasil, em contraste com o que observamos aqui. É um dia claro de outono, mas Xangai, como todas as grandes cidades chinesas, está coberta por uma densa névoa - a poluição atmosférica, já integrada a paisagem urbana, grande parte resultado do frenético ritmo da construção civil.
Xangai pulsa no compasso da nova China, onde as mudanças têm sido tão dinâmicas e aceleradas, a partir da ascensão do grupo de Deng Xiaoping ao poder, que a economia tem crescido a incrível média de 10% ao ano. As reformas introduzidas, após a era Mao e a Revolução Cultural, catapultaram um dos países mais miseráveis do mundo à condição de segunda potência econômica mundial. Graças a isso, nos últimos 25 anos, mais de 400 milhões de chineses foram tirados da miséria e passaram a integrar o mercado de consumo.
O crescimento econômico da China, com o aumento da demanda por energia, impuseram um preço e quem mais pagou foi o meio ambiente. Ao que parece a modernidade ainda não chegou, por exemplo, às minas de carvão, cuja extração estabelece uma cadeia de insalubridade e poluição intermináveis. As condições de saneamento, especialmente no interior, são precárias e mesmo nos grandes aglomerados urbanos possuir banheiro privativo em casa, com vaso sanitário e instalação hidráulica, agora é sinal de status, como bem relata a ex-correspondente da Rede Globo na China, Sônia Bridi, em seu livro Laowai (Estrangeiro). Não se tem informações adicionais confiáveis sobre o destino e o tratamento dado ao esgotamento sanitário. Relatório do Banco Mundial mostrou que 16 das 20 cidades mais poluídas do planeta ficavam na China, que é o segundo maior emissor mundial (14%) de gás carbônico (CO2), atrás apenas dos EUA (23%). Outro dado preocupante diz respeito ao uso abusivo das águas e a profusão de represas que estão secando os rios do norte.
Entretanto, já é possível observar sinais de mudança nesse quadro. A China, que até 2007 negava sua posição entre os poluidores mundiais, passou a mostrar preocupação diante de seus dados ambientais alarmantes, reconheceu sua contribuição para o cenário atual e lançou uma série de iniciativas para reduzir os impactos no meio ambiente. Destaque para o compromisso de melhorar em 20% sua eficiência energética e obter até o ano que vem 10% de seu consumo de energia de fontes renováveis. O plano de proteção ambiental de cinco anos, aprovado pelo Conselho de Estado da China, colocou o controle e a prevenção da poluição no foco do governo. Os dados disponíveis (2006) indicam que esse esforço se traduziu num investimento histórico de 34,2 bilhões de dólares no controle da contaminação ambiental, ou 1,2% do PIB chinês.
Como o motor da nova China chama-se “planejamento estratégico” – o horizonte futuro tem 20 anos – a esperança é que os investimentos e planos para enfrentar a poluição, que continua grave, se consolidem e se ampliem nesse horizonte. É a mesma esperança que move a população da província de Jiangsu na recuperação integral do lago Taihu, Trata-se do terceiro maior lago de água doce da China e o manancial hídrico mais importante de Jiangsu, onde se localiza Suzhou, cidade irmã de Porto Alegre. O lago fornece água também para Xangai e foi cenário de recente desastre ecológico. Uma espuma verde, causada por reação bacteriana à poluição, literalmente asfixiou as águas do Taihu, comprometendo o abastecimento a mais de um milhão de pessoas.
Na passagem da missão de Porto Alegre por Suzhou, o primeiro compromisso agendado pelas autoridades locais foi exatamente uma visita ao Taihu. O objetivo foi mostrar, orgulhosos, mais do que as belas rochas calcáreas ali encontradas em grande quantidade, os resultados dos esforços dos governos locais e central na recuperação da qualidade da água do Taihu, que já apresenta melhorias visíveis. Foi um processo com direito, inclusive, a ativismo ecológico, ainda incipiente, mas presente nas manifestações contra a contaminação do lago.
A verdade é que às águas do Taihu readquiriram sua tonalidade original, diferentemente dos céus das grandes cidades chineses, que ainda estão longe de permitirem mirar o azul que povoa os sonhos do jovem diplomata Jiang Chen.