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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Agruras de viajante

                                                  O mimo que não viajou

Presentes, compras para os conhecidos e viagens é uma combinação que nem sempre dá certo. É comum acontecer, em vésperas de viagem ao exterior, de sermos convocados a adquirir as coisas mais estapafúrdias. O pedinte não quer saber se vamos estourar nossa cota, nem sempre adianta a grana que vai realizar seu sonho de consumo e tampouco está preocupado com o esforço que vamos empreender para encontrar a mercadoria certa a um preço razoável. Isso não vale para os perfumes e os creminhos que as amigas de fé pedem e que atendo com prazer, até porque não demandam maiores complicações para serem adquiridos nos dutyfree dos aeroportos. Gosto também de presentear os amigos e familiares com agrados que vou selecionando durante a viagem.

Nada a ver com algumas intimadas recebidas. Certa vez um parceiro pediu que comprasse no exterior um jogo de copos de cristais da Bohemia para presentear a sua mamãe. E exigiu que eu transportasse o pacote junto com a bagagem de mão, com receio de que os copos chegassem danificados. Outro, na véspera de uma viagem a Manaus, encomendou-me uma boa quantidade de relógios da Zona Franca, que pretendia revender para faturar uma grana extra, desde que o financiamento inicial fosse por minha conta. Nenhum dos dois abusados foi atendido, é claro. Pedir não ofende, eu sei, mas atender é que são elas. Fico tão angustiado com a impossibilidade de frustrar os pedintes que, em determinadas circunstâncias, peço às atendentes das lojas uma declaração de que o produto está em falta.

Para dar uma idéia do insólito dessas situações, costumo repetir uma brincadeira quando fico sabendo da viagem de alguém ao exterior. Começo perguntando se a pessoa sabe o que pode ser adquirido a um preço baixíssimo no local de destino do viajante. Diante da resposta negativa, informo coisas como arame farpado, botijão de gás, sacos de carvão, porcelanato e outras coisinhas fáceis de transportar... O interlocutor fica pasmo até se dar conta de que é uma brincadeira.

Isso é fichinha comparado a situações que envolvem mimos oficiais que, vez por outra, fui portador. Em Florença, recebi um arranjo de flores da região e uma garrafa de fino vinho tinto que transportei, cheio de cuidados, por três vôos, um deles transoceânico, até o destinatário. Na mesma ocasião, fui brindado com dois pesados volumes de plantas baixas da Florença antiga, que devem ter inestimável valor, mas que deram uma trabalheira danada para carregar.

Mas o pior aconteceu em uma viagem oficial a Xangai, acompanhando o então prefeito José Fogaça. Escalado de ultima hora e sabendo que os chineses gostam de receber e dar presentes, pedi que preparassem um pacote com livros de fotos de Porto Alegre (“Cenas Urbanas, Paisagens Rurais”), de autoria do consagrado Eurico Sales. Os chineses certamente gostariam de receber a bela obra. Recebi o pacote e tratei de despachá-lo junto com as malas no aeroporto, mas ainda tive o incômodo de carregá-lo no trânsito pelos aeroportos e no vai e vem de hotéis. A carga era preciosa e eu precisava cuidar bem dela.

Na primeira oportunidade em que haveria troca de presentes com autoridades chinesas, levei o pacote inteiro para o encontro. Quando começou o cerimonial, me dei conta de que havia deixado o pacote no carrro. Corri até ele e consegui resgatar os livros, depois de uma gincana para localizar o motorista chinês. Fui até o banheiro para abrir o embrulho e, surpresa: ao invés dos livros do Eurico Salis eu havia transportado por milhares de quilômetros dez relatórios de gestão da Prefeitura, todos ali, bem acondicionados e inúteis para a missão na China. Fiquei lívido!

Alguém em Porto Alegre havia me preparado uma falseta e eu agravara o episódio por não ter procedido as checagens necessárias, tinha improvisado e não previ um plano B, como se requer. Que fazer? Tratei de voltar ao salão da cerimônia, mas como localizá-lo, alguns andares acima. Desgraça pouca é bobagem. Com a confusão toda havia perdido as referências do local e tive enorme dificuldade para me comunicar com os chineses até descobrir onde estava ocorrendo a cerimônia.

Cheguei ao salão no justo momento em que o prefeito Fogaça recebia o mimo da autoridade chinesa, enquanto me olhava de soslaio à espera que eu repassasse o nosso presente. Tentei fazer cara de paisagem, mas foi em vão. Tive que admitir, com gestos constrangidos, de que estávamos desapetrechados para fazer frente à situação. Será que acabávamos de provocar um incidente internacional, a partir de desfeita com nossos anfitriões?

Fui consolado pelo experiente e generoso cônsul geral do Brasil em Xangai, Marcos Caramuru de Paiva, que estava presente ao encontro e diante das gaguejadas explicações que consegui dar ao prefeito, acrescentou que já vivera situações semelhantes e que não seria uma afronta ao cerimonial enviar o mimo posteriormente. Menos mal, meu bom diplomata, pensei agradecido e aliviado.

Em compensação, até hoje dez relatórios das realizações da Prefeitura de Porto Alegre devem estar circulando pela China. Se os chineses estão entendendo o conteúdo, é outra história.