*Publicado nesta data em Coletiva.net
A mídia se vale com frequência de porta-vozes da sociedade para temas da hora. Recorrem a personalidades que possam defender uma bandeira, de preferência que esteja sintonizada com a linha editorial do veículo, ou que tenham uma opinião que chame a atenção pelo ineditismo ou mesmo pela ênfase dada à sentença.
A bola da vez para este papel é de Fernando Torres, colocada no Olimpo do Oráculo graças a premiação no Globo de Ouro pela sua interpretação em Ainda Estou Aqui e agora, mais ainda, pela indicação ao Oscar. Em comerciais, nas entrevistas ou nas entre aspas da mídia, com ar mais ou menos grave, ela aparece opinando sobre tudo e sobre todos, rivalizando na ocupação de espaços com Gilmar Mendes e o Papa Francisco, com a vantagem que tem mais charme que o opiniático ministro do STF, mas sem a autoridade divinamente concedida ao Sumo Pontífice.
Também nesse papel, Fernanda é a legítima sucessora de sua mãe, Fernanda Montenegro, que nos brindou com variadas opiniões e diferentes conceitos, quando foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e, antes, quando concorreu ao Oscar. Diga o que disserem, ambas ganharam uma dimensão tal que foram ungidas pelos deuses da verdade, da mesma forma que Caetano e Gil, com suas baianidades e um toque holístico em se tratando de Gil, quando externam suas posições, algumas beirando o banal.
Só que essa exposição demasiada não chega a ser uma benesse, mas pode ser uma armadilha, um gol contra. Num país de extremismos ideológicos e posições polarizadas, qualquer declaração é interpretada pelos antagonistas como lhes convém. Para ilustrar, vale o exemplo da Fernanda Torres, que durante a pandemia, escreveu num artigo para jornal: “Torço para que o centro ressurja dessa emergência. E que o coronavírus, a exemplo da peste negra na Europa do século 14, venha abreviar o obscurantismo medieval travestido de liberal em que nos metemos”. A declaração foi interpretada e viralizada nas redes sociais como se Fernanda tivesse dito não se importar com as vítimas fatais do coronavírus, se com isso o mandato do presidente Jair Bolsonaro fosse abreviado! Vale como ressalva que talvez – olha o cuidado que estou tendo! - o texto original tenha dado margem, ou cutucado para a falsa interpretação. Ossos do ofício, preço da fama? Pode ser.
Mas já tem postagem nova e duvidosa envolvendo a atriz, agora defendendo regimes autoritários: “A gente está vivendo um momento diatópico do mundo, né? Um momento apocalítico, de muito medo e acho que quando isso acontece, a ideia de um governo autoritário, como um pai autoritário – que talvez possa por ordem na casa- cresce”. Fernanda, assim, revelaria que não tem apreço pela democracia, já acusam seus detratores, enquanto até agora não veio desmentido, nem outra versão para a declaração.
A verdade é que nada disso ofusca o brilho das conquistas da atriz, mesmo que as interpretações maliciosas, fakes, equivocadas que sejam, das suas declarações cresçam na medida do sucesso alcançado, mas também da exposição a que é submetida – ou se submete – por se posicionar sobre tudo e sobre todos.