“Alguns livros marcam a vida da gente de forma definitiva. São aqueles
que vale a pena ler de novo e que levaríamos para uma ilha deserta junto com nosso bem
querer, ou que provocaram grande mudanças nas nossas vidas. Amigos
mais intelectualizados adoram citar Guimarães Rosa, Joyce, quanto mais
indecifráveis melhor, ou Borges , que tem meu voto, ou ainda aqueles
russos chatos. “
Cometi essa abertura em um texto de maio de 2013 (A guerra das imaginações e outras obras
primas) quando registrei minhas leituras para sempre preferidas, entre elas O
Macaco Nu, de Desmond Morris, um dos
livros indicados pelo mestre Marcelo Casado de Azevedo, na Fabico da Ufrgs, lá no
início dos anos 70 do século passado. Zoólogo, Morris produziu um instigante
ensaio antropológico, que nos levava a
entender melhor sobre o atual estágio da civilização e do comportamento humano.
Para esse entendimento, uma frase da obra bastaria: “Apesar de se ter tornado
tão erudito, o Homo Sapiens não deixou de ser um macaco pelado”.
Pois, agora me vejo na satisfatória contingencia de incluir entre os
livros que considero imprescindíveis uma obra em tudo convergente e
complementar à de Morris. Refiro-me a Sapiens-
uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari, doutor em História pela Universidade
de Oxford, lançada originalmente em 2011, e que agora figura há 46 semanas
na lista dos mais vendidos da Veja.
Entretanto, foi em um comentário da Tânia Carvalho que tomei conhecimento da
obra. Grande Tânia, e grande lance da nossa L&PM, responsável pela edição
brasileira.
Sapiens é fascinante e perturbadora. Harari tenta lançar luzes sobre as nossas origens e, muitas
vezes, reconhece não ter respostas para o mais provocativo dos questionamentos: por que entre pelo menos
seis espécies de humanos que habitavam a Terra há 100 mil anos só os homo sapiens, ou seja, nós, sobrevivemos e conquistamos o planeta?
Com uma prosa agradabilíssima, o autor combina ciência, história e
filosofia e, assim, se aventura pelas três importantes revoluções que definiram
o curso da história: a Revolução Cognitiva,
que deu início à história, há 70 mil anos; a Revolução Agrícola, que acelerou a
história, por volta de 12 mil anos atrás;
e a recentíssima Revolução Científica, que começou há apenas 500 anos. Nessa
viagem através do tempo, Harari dá trânsito a teorias, aparentemente prosaicas,
como a disposição para fofocar dos nossos antepassados e sua contribuição para
a evolução humana ou a capacidade para a ficção, que distinguia o homo sapiens das outras espécies, e o que isso
significou para que se impusesse sobre as demais , ou, ainda, porque a ficção
jurídica “empresa de responsabilidade limitada” está entre as invenções mais
engenhosas da humanidade.
Ao final, o autor lança um preocupante alerta sobre o futuro que espera
o “animal que se tornou um deus”, como prefere tratar o moderno homo sapiens,
muito mais poderoso que os nossos ancestrais, embora provavelmente não mais
feliz. Porém, não vou antecipar. Vai lá e confere.
Particularmente, Sapiens teve outro mérito. Fiquei tão envolvido com a
obra que imprimi um ritmo frenético na leitura, voltando aos tempos em que era
um leitor voraz e consumia pelo menos um livro por
semana. Em compensação, deixei de lado
os outros sete livros que leio alternadamente e de forma, digamos, despacita. A explicação para esse comportamento errático talvez possa ser encontrada lá na Revolução Cognitiva.