sábado, 22 de fevereiro de 2020

Mistérios do Carnaval



Reeditada do original publicado em fevereiro/2013.

Já fui um folião militante, do  tempo em que existiam carnavais nos bairros e imperavam os bailes de salão. Lembro como se fosse hoje os blocos e tribos descendo a rua Ijuí, no bairro Petrópolis,  onde o chefe dos correios local e sua mulher promoviam, lá no início dos anos 60 do século passado, um animado desfile. 

Depois, passei a  frequentar clubes de primeira linha e outros nem tanto, sempre à procura de uma colombina para uma noite. Inesquecíveis carnavais no Petrópole Tênis Clube, na Sogipa, no Gondoleiros, no Clube Farrapos, no Caminho do Meio, no União e Progresso,  nas sociedades de praia e uma memorável noitada no Rio Branco, de Cachoeira do Sul – espero que as testemunhas silenciem à respeito.  Mais tarde, fuzarquei nos pré-carnavalescos e, à época, o Vermelho e Branco do Internacional, no Gigantinho, era imbatível.

Foi lá que deparei a menos de dois metros com uma Xuxa em início de carreira, seminua, fantasiada de libélula. Era a grande atração daquele ano, contratada  pelo Salim (de saudosa memória) e o Fernando Vieira, os promotores do Vermelho e Branco. Era bom! Ou nem tanto, pois foi na volta pra casa de um desses bailarecos que capotei meu Fusca Fafa, na curva da Estrada da Serraria que meus detratores apelidaram de "curva Flávio Dutra".  Meu Anjo da Guarda estava de plantão e ele e as mamonas, sobre as quais virou o carro, garantiram que nada me acontecesse, além do susto.

Depois, passei a ser um carnavalesco mais comedido e menos participativo,  Não escapei de acompanhar os filhos nos bailes infantis e, mais tarde, por dever de ofício, ia ao Porto  Seco ou assistia pela TV aos desfiles do Rio, com uma discreta preferência pela União da Ilha e pela Vila Isabel.  Aqui sempre torci pela Praiana.

Apesar da experiência  acumulada ainda hoje fico intrigado com algumas coisas do Carnaval, verdadeiros mistérios que perduram. É o caso da cuíca. Pra que serve a cuíca? Não faz percussão, não dita ritmo, apenas chora sem ser notada no meio da bateria. E por que nas baterias às mulheres só são reservados  os chocalhos, aquele instrumentos cheios de rodelinhas de metal? Por que as baterias, diferentemente das bandas que animam os bailes, não usam metais que dão um colorido todo especial às músicas?

Também me intriga o fato de os carros alegóricos quebrarem sempre na entrada da avenida, atrapalhando a harmonia e a evolução da escola. As escolas fazem um enorme investimento e ficam reféns de uns cacos- velhos. Pode isso, Arnaldo? Não consigo entender, ainda, porque determinadas alas insistem em usar fantasias pesadonas, com adereços difíceis de carregar e equilibrar, quando o ideal seria a leveza das vestes para permitir  um desfile sem incômodos. E quem é que sai com aquelas mulatas maravilhosas?  E será que o Rei Momo, findo o Carnaval, devolve ao prefeito as chaves da cidade? Dúvidas, mistérios!

Até hoje tento entender outro mistério:  porque as moças da Secretaria da Saúde faziam questão de me oferecer camisinhas quando me encontravam no Sambódromo. Não que eu fosse contra a campanha educativa, mas é que meu prazo de validade esta vencido, tanto quanto um preservativo não usado há muito tempo.  O detalhe é que sempre guardava as camisinhas. Vai que...


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O velório


*Inspirada em fatos reais

Nunca houve um velório como o do Zimba, vítima  de insidiosa doença, contra a qual lutou bravamente. Figura popularíssima no meio em que transitava, colecionou  inúmeros amigos e pelo menos duas famílias. Uma que seria a titular,  ou melhor, a primeira,  com uma fileira de filhos e netos e a segunda no paralelo, com “aquela outra” como diziam os familiares, em tom difamatório, referindo-se à senhora loira que morava numa cidade do litoral. 

Esse era mais um viés da diversidade de interesses e atividades do nosso amigo, um qualificado profissional  das artes gráficas e talentoso músico, tanto  nos  vocais como no manejo de vários instrumentos, com ênfase nos sambas de raiz. Tocava pandeiro como ninguém, enquanto balançava o corpo, um tanto roliço na fase da maturidade, o que não impedia graciosos passos sincopados com a música.

O velório foi no ritmo de vida  do  Zimba, em alto astral. Capela mortuária lotada, o caixão dominando o centro, coberto em parte com a bandeira do Grêmio e ladeado  por um conjunto de instrumentistas à espera do momento para fazer a derradeira homenagem musical ao parceiro de tantas rodas de samba, em noitadas memoráveis.
 
Junto ao caixão reinava dignamente a viúva oficial, dona Divina,  recebendo os cumprimentos dos conhecidos, que eram muitos e não paravam de chegar.  O gesto de solidariedade por pouco não redundava em riso ao desviar o olhar para o  Zimba, ali ao lado,  encaixotado e enfatiotado, mas com aquele jeitão debochado, como se pudesse dizer: “Tô numa  boa  aqui, minha gente.” O pessoal se continha, porém.

Em seguida  começou o  show musical, que de fúnebre não tinha nada. O cavaco chorou e o violão  atacou  um repertório de levantar defunto, mas não foi o caso, embora houvesse quem jurou ter visto o Zimba  dar uma leve agitada na sua morada transitória, impressão forçada pelas doses de bebidas ingeridas por quem observou a improvável movimentação no ataúde.

Horas antes, em caminhada à beira do Guaíba,  dois amigos, ex-colegas de trabalho do falecido, comentaram o passamento do Zimba, Um deles explicou porque não iria ao velório e tão logo terminou a explicação foi atingido por uma pomba, vinda dos céus. Sim, uma pomba desgarrada e desorientada, acertou o caminhante, numa ação jamais vista .naquelas paragens.

- Só pode ser coisa do Zimba. Está me mandando recado -, assombrou-se o atingido pelo projétil columbófilo.

Corta novamente para a capela mortuária., onde o amigo Igor, cantor  da noite, não resiste a emoção  e sai antes da encomendação, aos prantos, enquanto a neta do encomendado, numa  cena tocante, dava voltas no caixão declamando “te amo, meu vozinho.”   Zimba era um homem que prezava  a família, tanto assim que tinha duas.

Histórias escabrosas envolvendo o personagem, algumas francamente exageradas, mas todas com epílogos engraçados, foram recordadas, provocando risadas  dos circunstantes.  Entre elas, a da volta dele ao lar, depois de três dias de folia carnavalesca. Insone, precisou fugar num momento de distração de  dona Divina, que ameaçava cortar  seu membro mais precioso com uma afiada faca churrasqueira, caso caísse no sono. Outra feita, escapuliu às pressas do consultório médico, onde se submeteria a um toque retal, quando percebeu que o urologista possuía mãos e dedos graúdos como um jogador de basquete. “Expliquei à recepcionista que estava mesmo era com problema no joelho e me mandei”, teria revelado na ocasião.

Perto do meio dia, a filha mais velha do Zimba começou a avisar: “Deu gente, acabou, acabou. Podem ir embora, terminou, terminou. Obrigado por terem vindo, mas tá na hora. Vão embora”.
O pessoal não entendeu a pressa da moça, mas o imperativo das ordens dela começou a esvaziar a capela.  O procedimento tinha razão de ser: Zimba e seu caixão precisariam fazer  um curto passeio antes da viagem eterna.

Ocorre que um civilizado  acordo  garantiu um segundo velório, este no litoral e exclusivo para a loira que dividia o trefego e tão amado Zimba. Não se tem notícia  de quem costurou esse nobre e generoso acordo, mas, sem dúvida,  foi um cidadão de bem e certamente uma pessoa precavida, que ao evitar a presença “daquela outra” no velório familiar, evitou igualmente constrangimentos de parte a parte. E lá se foi o Zimba com seu esquife  no carro funerário, em sua última passagem de ida e  volta pela Freway.

Entretanto, contrastando com  o concorrido velório de Porto Alegre, a despedida no litoral foi melancólica, para uma única pessoa, mas justa para quem  tinha aguentado estoicamente nos  últimos anos, as inconstâncias do parceiro compartilhado.  Zimba não era fácil, mesmo assim mereceu lágrimas sinceras da companheira de tantos prazeres e uma oração que visava, acima de tudo, redimi-lo das intensidades cometidas, o que talvez pudesse ajudá-lo no julgamento junto ao Criador, pensava a crédula senhora.

Findo as atos litorâneos, Zimba voltou e pode, afinal, descansar em paz, só a espera da cremação, mas ainda assim precisou se dividir: as cinzas foram repartidas, de forma igualitária  entre as partes de Porto Alegre e do Litoral.

(Só espero que, por causa deste texto, o Zimba não me atire um urubu na cabeça nas minhas caminhadas por Ipanema. Zimba, aceite como um tributo a uma figura ímpar!)

* Publicado nesta data em coletiva,net.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Urgência na nação amiga


* Publicado nesta data em coletiva.net
Digamos que numa nação amiga um poderoso vírus ameace boa parte da população  e o governo decida construir, de forma urgente e em tempo  recorde,  um hospital para atender os casos que começam a ser registrados em vários  pontos do país. O exemplo veio da China,  que ergueu em apenas 10 dias um hospital com mil leitos para fazer frente aos efeitos do coronavirus.

Na nação amiga o primeiro problema  é escolher o local onde será construído o  hospital. Os estados da federação entram na disputa pela a obra, porque ela representaria um pesado investimento federal, movimentando toda a economia regional e gerando preciosos empregos. Enquanto isso, as cidades com potencial para sediar o hospital enfrentam forte resistência da população, por conta do temor que o contágio se alastrasse. O debate consume mais de 30  dias, com ferozes enfrentamentos nas redes sociais entre os contra e os a favor da implantação do complexo hopitalar.

Outros 30 dias  foram consumidos para decidir se o projeto executivo da obra seria licitado ou não, tendo em vista tratar-se de uma iniciativa emergencial. O Ministério Público exige licitação depois de mais de três semanas de análise do caso.  Feito o projeto, devidamente licitado, o Tribunal de Contas aponta superfaturamento nos custos e determina nova licitação.  A segunda empresa colocada no  processo apela para uma ação judicial, alegando que deveria ser a vencedora. O caso vai para o Supremo da nação amiga que, naturalmente, fica dividido e precisa de três sessões para chegar a uma decisão. Apenas o voto  de uma ministra  demandou uma sessão inteira, ninguém entendeu nada dos argumentos dela, mas contribuiu para os mais 45 dias de atraso.

O presidente da República chega a cogitar a criação de uma estatal para tratar do empreendimento, mas acaba voltando atrás. Só que a indecisão deixa tudo em suspenso por uma semana.
Finalmente, o local é escolhido, o projeto  liberado e começa nova etapa e nova discussão: licitar ou não a execução da obra. Mais  60 dias de idas e vindas burocráticas, pareceres  do MP, intervenções na Câmara e no Senado, mais denúncias de sobrepreço, apontamentos do Tribunal de Contas, liminares e decisões judiciais, até que a obra possa ter início.

Começa, enfim, a construção que, porém, é suspensa logo na primeira semana. Motivo: sondagem geológica não apontou a existência de uma enorme pedra que aparece agora no terreno.  O projeto precisa ser refeito. Mais 60 dias de atraso.  A obra é retomada, mas não avança porque  a  fiscalização do meio ambiente descobre um pequeno butiazeiro na vizinhança do terreno e embarga a construção. Nova alteração no projeto e mais 60 dias de retardo.

Tudo resolvido, a construção para novamente devido a paralisação dos operários por falta de pagamento. A empreiteira alega atraso nos repasses do governo.  O governo argumenta  que precisa uma suplementação orçamentária e isso exige aprovação do Congresso.  Foram mais 90 dias de atraso, incluindo um recesso, e de acalorados debates e custosas negociações, nada republicanas, com os aliados. O processo legislativo só não se arrasta mais porque o Executivo lança mão de uma medida provisória para agilizar a tramitação, com protestos veementes da oposição.

Quase dois anos depois, quando a obra com seus 50 leitos finalmente fica pronta, a população infectada cresceu em progressão geométrica. Nem assim o hospital começa a funcionar: os bombeiros não permitem a abertura, cobrando o inexistente plano de prevenção contra incêndios.    Isso não impede que o governo da nação amiga, diante do alastramento do virus, anuncie que vai construir um segundo  hospital...

Determinadas coisas só acontecem na nação amiga.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As pessoas, o mesmo e aquele outro


* Publicado nesta data em coletiva.net

“As pessoas” é uma instituição cheia de atividades. Observe a naturalidade com que “as pessoas” se referem às “pessoas”.  Frases do tipo: “As pessoas estão usando muito...”, ditando comportamentos;  “As pessoas estão postando a mil nas redes sociais”, em modo digital;   “As pessoas não gostam que...”, em viés opiniático;  “Conheço pessoas que...”, afetando intimidade. E por aí vai. Quase um sujeito indeterminado esse “as pessoas”.

Na real, nada mais impessoal que “as pessoas”. “As pessoas” é um conjunto incorpóreo, sem rosto, mas tem a pretensão de ser uma parte de outro coletivo muito citado, a sociedade, e de representar a opinião pública como um todo, quando se manifesta nas conversas de terceiros. As vezes assume sua porção laranja, ao apelar  para as opiniões “das pessoas” para não  se comprometer. Sabe, aquela frase “as pessoas estão  dizendo que...”.  

A redução de “as pessoas” é o “gente” ou o “a gente”, sempre citado por repórteres e entrevistados sem muitos  recursos. Olha, se eu fosse ‘as pessoas’ me insurgiria contra este uso indevido e  abusivo da expressão que me acolhe.

O mesmo não seria necessário para “o mesmo”, uma entidade ligada umbilicalmente aos elevadores. Ninguém ainda viu “o mesmo” que é citado em todas as plaquetas de advertência junto as portas dos elevadores, assim: “Antes de entrar no elevador, certifique-se que o mesmo encontra-se parado neste andar”.  Até uma comunidade foi criada  por internautas “Eu tenho medo do mesmo”, como se fosse um ser  vivo e atuante, embora nunca visto, o que não impede “as pessoas” de adentrarem ao elevador sem a garantia de  que “o mesmo” encontra-se,  parado ou se movimentando, no andar. Uns puristas da língua insistem em que “o mesmo”  é uma expressão usada erroneamente nas plaquetas. Bah, se “o mesmo” sabe disso vai dar confusão e é até  capaz de ser visto  e protestando.

E tem “o outro”, muito usado em argumentações  do tipo “como diz o outro” ou “como diz aquele outro”, seguida de uma obviedade qualquer.  Embora pareça  muito próximo, porque é citado com frequência, as pessoas, mesmo as mais esclarecidas, não sabem mesmo de quem se trata, onde vive e do que se alimenta. Ou seja, o outro é  outra história.

Por  fim, duas sugestões de título para este texto: “O que faz a ociosidade” ou “Um texto cheio de aspas”.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

De Aristóteles e Schopenhauer ao Banal Solene


Confesso que tenho uma inveja danada desse pessoal mais apetrechado intelectualmente que consegue definir pessoas e situações com uma frase, uma tirada. O  ex-deputado Ibsen Pinheiro, um frasista talentoso, falava de um dos seus tipos inesquecíveis,  o Banal Solene, exemplificando com  um colega de parlamento e conhecido homem de comunicação, como ele. O sujeito usava citações do tipo “os rios correm inexoravelmente para o mar”, uma lição que qualquer  criança do nível fundamental já sabe, mas que dita com a devida formalidade e acompanhada de um advérbio, ganhava uma conotação de ineditismo e frase de efeito.  Na mesma linha, Flávio Tavares fez uma brilhante síntese (ZH de 7,8 de dezembro) sobre os pronunciamentos de nossos mais recentes governantes: “Lula  repetia o óbvio com pompa, Dilma não completava as frases ou ideias, Temer rebuscava tolos lugares-comuns.”

Faço essa introdução sobre os ardis que a maior ferramenta que possuímos, a palavra, pode mostrar a propósito de um livro que encontrei num balaio na  Feira do Livro de Porto Alegre. O título já  diz  tudo:  “38 estratégias para  vencer qualquer debate’, com o subtítulo  “A arte de ter razão”. Trata-se  de uma preciosidade, com métodos  e truques na arte de usar as palavras na argumentação,  escrito por Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu entre 1788 e 1860. Mais de dois séculos depois, a obra se mantém atual como nunca e poderia servir de manual para qualquer  campanha eleitoral moderna, ou como afirma o linguista alemão Karl Otto Erdmann (1858-1931) na apresentação do livro “ (...) até mesmo em discussões  acadêmicas nos deparamos hoje com os mesmos truques utilizados há séculos”, muitos deles remontando aos  escritos de  Aristóteles (384 AC - 322 AC),  sempre citado pelo autor.  Partindo desses escritos, Schopenhauer desenvolve sua Dialética Erística, a arte de discutir de modo a ter razão.

Aqui vão algumas das estratégias elencadas pelo filósofo alemão. São aparentemente simples, mas diretamente eficazes para vencer debates.

Estratégia 9: “Disfarce seu objetivo final”, de forma que o oponente não saiba aonde você quer chegar e não possa se precaver.

Estratégia 20: “Não arrisque num jogo ganho”, se as premissas foram aceitas pelo oponente, não buscar nova confirmação, mas apresentá-las como verdades absolutas.

Estratégia 28: “Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário”, aplicável especialmente quando pessoas  cultas discutem diante de uma plateia leiga.

Algumas estratégias são auto explicáveis como as de numero 29 –“ Não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder” – ou a 36 -  “Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas.”

A cada uma das estratégias corresponderia  um exemplo no atual momento politico brasileiro ou em episódios  recentes, como a 32, que os editores do livro no Brasil (Faro Editorial) escolheram para ilustração. O enunciado é “ Cole um sentido ruim na proposta do outro”  e o exemplo é o ataque do então candidato  Bolsonaro, com a ideia do Kit  Gay, à campanha do Ministério da Educação para  combater a homofobia. A pregação amedrontou a população mais  conservadora e desinformada e, como resultado, conseguiu que vários políticos deixassem de apoiar o projeto.

O rol de dissimulações e pragmatismo do livro de Schopenhauer se encerra com esta pérola na estratégia 38: “Como último recurso parta para o ataque pessoal”, bem assim, no melhor estilo Olavo de Carvalho, deixando de lado o assunto em discussão (porque ali o jogo está perdido) para atacar de forma ofensiva e rude o adversário como última esperança de vencer o confronto. O autor ressalta que se trata de um truque muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer um, por isso assume como única regra segura contrária aquela que Aristóteles (sempre ele) apresentou no último capítulo dos Tópicos:  não discuta com o primeiro que aparecer, mas só com quem tem conhecimento suficiente para não dizer coisas absurdas, que dispute com argumentos e não com afirmações de força e que valorize a verdade.

Pelo visto, Schopenhauer e Aristóteles não tinham nada de banal nem de solenes. O meu exemplar de as “38 estratégias para vencer qualquer debate” já está reservado para o candidato que pretendo apoiar na próxima eleição.

* Publicado em 20/01/2020  no coletiva.net

O sonho


Choramingando ela falou:
-Amor, sonhei que tu estava me traindo. Fiquei abalada.
- Para com isso. Que bobagem.
- Eu sei, mas ela era tão bonita.
- Alguma conhecida?
- Não, uma mulher de pele  muito alva, cabelos escuros, estatura mediana e, repito, muito bonita.
A parceira não tinha ideia de como povoar os sonhos de uma mulher excita os homens e, no caso dele, não era diferente.
- Olha, sendo assim sinta-se homenageada.
- Homenageada, que brincadeira é essa?
- Eu jamais te trairia, nem em sonhos, com uma mulher feia. Tu não mereces isso.
-  Para de brincadeira, amor.
A curiosidade dele, porém, não tinha limites.
- E, me diz, como foi meu desempenho com a bonitona?
- Não sei, na hora aga eu acordei do pesadelo.
Ele passou a suspeitar que a moça era sensitiva,  ou que estava jogando verde para colher maduro..  Por  isso decidiu que seria mais cuidadoso e discreto nos  encontros com sua ex. Ela correspondia a exata descrição da mulher dos sonhos.


* Publicado em 27/01/2020 no coletiva.net

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Pedidos de ano novo aos editores e repórteres


* Publicado nesta data em coletiva.net

Sou obsessivo pela didatismo nas informações jornalísticas.  É o mínimo que se espera de quem vai informar o distinto público, para que  ele não precise recorrer ao Google  ou à Wikipedia. Assim, rogo para que em 2020 haja mais interpretação, esclarecimento e  explicação sobre os  dados despejados aos leitores, ouvintes e telespectadores.

Peço encarecidamente, por exemplo, que expliquem com riqueza de detalhes o sobe e desce da bolsa de valores e o que significa aquela pontuação que parece ter grande impacto nas nossas vidas. Ah, não esqueçam o tal Índice Nasdaq,

Solicito a gentileza de, junto com a cotação do dólar  e do euro,  seja cotado também o dólar turismo para quem vai viajar e não é muito afeito a essas questões. Isso evitará que  o viajante xingue a   moça do câmbio, acusando-a de vender as moedas estrangeiras  acima da tabela anunciada.

Aos repórteres de política peço para decuparem, com a profundidade necessária para os menos entendidos,  aquela parafernália de processos legislativos, as medidas provisórias da vida, os projetos-de-lei complementares ou não, as emendas daqui e dali, e outros entes menos votados. E mais: expliquem  porque as  pautas dos parlamentos trancam, como se estivessem constipadas, e porque os legisladores se revezam com aquela discurseira toda, que ninguém presta atenção, quando o resultado do que vai ser votado já é conhecido?

Que me respondam, com presteza, como ocorrem tantos e tão sucessivos casos de  corrupção  no país, apesar da existência de uma penca de órgãos e estruturas de controle  como tribunais de contas, Ministério Público, Receita Federal, Coaf,  PF, controladorias, corregedorias, ouvidorias  e outros ias?

Expliquem, por deferência, o que é o tal de “vínculo”, termo que sempre acompanha as informações sobre o pagamento dos salários, atrasados ou não, dos servidores públicos. Aproveitem para investigar e dar retorno à audiência se algum sindicato pagou de fato as multas por não cumprimento das decisões judiciais  sobre as greves.

Às editorias esportivas sugiro especularem menos sobre contratações e responderem a duas questões que angustiam nossos torcedores: por que, atualmente, os jogadores, com preparação cada vez mais científica, se lesionam tanto? E por que demoraram tanto para se recuperar?

Ao pessoal do internetês lembro que nem todos somos nativos digitais, da geração de pessoas que cresceu na era digital. Quando forem usar a terminologia do meio, partam do princípio que estão falando pra analfabetos na temática, entre os quais me incluo junto com a maioria.

Aos repórteres que informam sobre o movimento de passageiros nos feriadões vale explicar que as empresas  abrem “horários extras” para atender a demanda, que não é o mesmo que colocar “ônibus  extras”, como se tivessem um estoque de coletivos só para essas situações.  Ah, mas é só um detalhe, direis. Que  nada, deus e o diabo moram nos detalhes. Aliás, quando os especialistas em transporte 
público  vão  esclarecer que o peso maior das tarifas recai sobre os patrões e não sobre os trabalhadores, que contribuem com apenas 6% do vale transporte? Diante dos aumentos,  podem se compadecer dos trabalhadores mas revelem quem paga realmente a conta.

Um pedido especial aos repórteres da Globo em Londres:  expliquem, por  favor, o que significam aqueles ritos na Câmara dos Comuns, aquele senta-levanta  de parlamentares, uns gritos de apoio e vaias discordantes, ferindo gravemente o que imaginamos como fleuma britânica. Aproveitem para  explicar porque  é chamada de Câmara dos Comuns e o que representa  aquele baixinho, de  gravatas espalhafatosas, gritando “order, order” e  que parece ser o chefe da turba.

Por  aqui, poderiam me esclarecer quem é e o que faz aquela moça que senta ao lado do presidente do STF nas sessões  plenárias. Gostaria de ter acesso a um perfil dela. Será  que dá  um caldo? Falando  sério, se não for pedir demais, verifiquem por que as obras de prédios dos órgãos de Justiça nunca param por falta de recursos e cada vez se  multiplicam mais, enquanto as obras públicas dos governos em todos os níveis  se arrastam muito além dos  prazos previstos.

Desculpem pela  encheção de saco, mas como dizia aquele personagem de um  antigo programa humorístico:  Eu só  queria entender. Enfim, pela clareza das informações, roguemos com fervor.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Até aqui tudo bem


* Publicado nesta data em coletiva.net

Como bom capricorniano, não acredito em horóscopo, pero que las hai, las hai.  Assim, por  via das dúvidas, ao completar setentinha aceitei verificar as previsões para meu signo,  franqueadas por uma amiga que acredita firmemente nos ditames dos astros.

Numa síntese bem básica, segundo os  astros, a combinação Sol em Capricórnio, Lua em Leão  indica que busco ser afetuoso, mesmo que a individualidade não coopere nesse sentido; que tenho integridade e foco nas metas; que sou metido a autossuficiente, de porte respeitável, e almejo liderança; que sou  determinado, com força de caráter. 

  vem a avaliação correspondente ao ascendente em Libra, Vênus na Casa 5 que, sinceramente, não entendo que relação é essa. Como são revelações mais positivas do que negativas, (Queriam o quê? Que expusesse meus defeitos? Não  vão levar!) prefiro considerar como válidas. Exemplos: minha atitude na vida será cortês, gentil e afetuosa; sou motivado  pelos sentimentos e emoções ao invés do intelecto; não sou muito chegado a enfrentar resistências; gosto de harmonizar as coisas e as pessoas,  minha intuição é notável e olha essa:  o trato social chega a me  dar gratificação sensual. Entretanto, vem junto uma advertência: se não controlar a me envolver  tanto nos relacionamentos posso me tornar dependente por excesso de apego.

Netuno em conjunção com o Ascendente – novamente não alcanço o significado – mostra que sou muito sensível, talvez até mesmo um médium.  Fisicamente suscetível às injustiças que observo na sociedade, isso pode até me causar doenças. Tenho empatia pelos oprimidos, compreensão para com os que sofrem perturbações emocionais e compaixão pelos transgressores das regras constituídas.  Quase um esquerdista...

Teria muto mais, mas vou ficar por  aqui, sem confirmar acertos ou equívocos das revelações . Quem me enviou  a análise confessou certa inveja com o perfil que os  astros estabeleceram a mim nesta quadra da vida. Pra falar a verdade, nem eu imaginava que era um cara tão bom! Que fique claro que ao tratar da questão com algum humor não estou debochando de quem leva fé na astrologia, apenas trato dos enunciados  com leveza, este, sim, um modo de ser que reconheço como dominante e do qual não abro mão.

Também é  verdade que lido bem com os contraditórios, tanto assim que  postei nas minhas redes uma maldade contra os capricornianos. Trata-se de um  card com uma  imagem  que seria de Cristo com esta legenda: “Natal é uma farsa. Não tem como Jesus  ser de Capricórnio”. Deve ser coisa de invejosos de algum signo inexpressivo, ou daquele pessoal herege do Porta dos  Fundos e/ou do Leandro Karnal.

O importante mesmo é que até aqui tudo bem, chego aos setentinha com as funções vitais  funcionando a  pleno, com projetos ainda a realizar e ver os netos crescendo. Como diria o mestre Zagalo,  vocês vão ter que me aturar.

Ah, necessário esclarecer: nasci em 6 de janeiro, também conhecido  como Dia de Reis, mas  não por causa da minha humilde pessoa. 

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Dezembradas


*Pubicada em 16/12/19 em coletiva.net

- Almoço da Confraria 1
-  Balanço de fim de ano, com almoço, de entidade empresarial
- Lista dos melhores do futebol pedida por aquela rádio
- Happy hour da Confraria 2
- Escolha de  presentes para os amigos  secretos
- Amigo secreto na Confraria 3
- Pagamento do 13º da firma
- Jantar de fim  de ano da Confraria 4
- Prestação de contas da firma
- Prestação de contas, com jantar, de deputado amigo
- Sessão de autógrafos de livro do amigo.
- Festa 1 de aniversário na família
- Festa 2 de aniversário na família
- Almoço  e balanço de  fim de ano de entidade empresarial 2
- Presença na apresentação dos netos na escola
- Prestigiar empreendimento de amiga.
- Homenagem do clube, com jantar, aos  desportistas
- Escrever colunas
- Festa familiar com churrascada
- Festa de fim de ano da firma com amigo secreto
- Participação em programa esportivo
- Premiação da entidade que assessora
- Finalizar  aquele texto do livro encomendado.
- Pagamento do IPVA
- Pagamento do IPTU
- Renovação do seguro do Carro
-  Revisão dos 20 mil km
- Eleição na  entidade de classe
- Viagem Curta.
- Natal em família
- Virada do ano
Ufa!. Sobreviverei, mas com alguns quilos e litros a mais e bem menos  grana na conta. Vem logo 2020.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Forest Gump Tupiniquim


*Inspirada em fatos  reais

Vocês devem ter, como eu, aquele companheiro que participou, por relatos pormenorizados, de eventos épicos e momentos históricos. Verdadeiros Forest Gump tupiniquins. Chamarei meu representante de Augusto , porque deriva da palavra “augure”, que significa “aumentar” e tem tudo a ver com suas histórias.

Na verdade, ele nem sempre era o protagonista dos acontecimentos narrados, mas um conselheiro graduado ou observador privilegiado. Nessas condições era chamado para opinar sobre questões relevantes em ocasiões cruciais.  Transitava tanto pela política, como pelas decisões  esportivas  do seu clube do coração, além de eventos promocionais da comunicação, área onde recebeu as maiores honrarias, ainda segundo o próprio.

Nos relatos, sempre interrompendo conversas de terceiros e chamando a atenção para si, reproduzia diálogos algo formais, como convém:

- Caro Augusto, necessito da sua abalizada avaliação/opinião/consideração/sugestão sobre este tema transcendental. O que disseres pode ser decisivo para o nosso futuro.

- Meu líder, agradeço pela confiança. Veja bem, penso que...

Devidamente enaltecido, a partir de então se pavoneava para os circunstantes, emendando um caso atrás do outro de contribuições decisivas nas convocações para as quais fora chamado a se manifestar. Aliás, era sempre o superior hierárquico quem pedia socorro. O nosso modesto Augusto só intervinha a pedido.

Não conheci pessoalmente, mas quem conviveu com o gaúcho João Saldanha, jornalista e técnico de futebol, inclusive da seleção brasileira, conta que ele também era dado, nas conversas de mesa de bar, a incursionar como participante ativo de acontecimentos históricos. O mais importante e menos verossímil seria que fez parte da grande marcha dos comunistas, nos anos 30 do século passado, movimento que consolidou Mao Tse-Tung como líder da Revolução Chinesa. O fato de Saldanha ser militante comunista dava ares de veracidade ao relato. Outra façanha dele, contada sem constrangimento e sem comprovação, é de que se perfilara nas forças do general Montgomery no desembarque aliado na Normandia, o chamado Dia D, em 1944.

A verdade é que gente como o Saldanha que, é justo reconhecer, teve uma vida pra lá de movimentada, e o meu Augusto, menos épico em sua trajetória, são tipos inofensivos. No  máximo chateiam seus interlocutores por reproduzirem sempre as mesmas histórias.

Para a psicologia talvez se enquadrem como mitômanos, por possuírem tendência compulsiva para a mentira, grandes ou pequenas, dramáticas ou pitorescas, mas bem elaboradas para induzirem as pessoas a acreditar nelas. Fico em dúvida quanto a classificação porque o mitômano usa a mentira para enganar as pessoas e tirar vantagens, nunca admite a falsidade dos fatos embora tenha plena consciência de que não passam de histórias imaginárias. (Nada como ter psicólogas na família!). Na real, acredito que eles, o Augusto e seus iguais, acreditam. Acreditam que aquilo aconteceu e que eles tiveram participação relevante, numa espécie de memória construída. No caso de Saldanha, porém, era mais a revelação de seu lado brincalhão e debochado.

Agora fico a pensar o que dirão as pessoas daqui a alguns anos se aparecer alguém garantindo que conheceu um alto dirigente de uma instituição pública que acusava os Beatles de estarem a serviço do comunismo; ou aquele  outro que declarou que a escravidão foi benéfica para os  descendentes dos escravos; ou conviveu com gente que defendia que a Terra é plana; ou que privou com uma ministra da República que teve uma revelação extraordinária: viu Jesus num pé de goiaba. Isso sem falar nas histórias fantásticas que resistiram ao tempo, envolvendo um ex-presidente, sua sucessora e aquele que foi eleito depois.

Bah, assim as contações do Saldanha e do Augusto seriam meras bizarrices.