sábado, 23 de abril de 2016

Interposta Pessoa e outras outras

O repertório linguístico dos amantes é amplo e criativo. Acho que até já escrevi sobre isso. Um relacionamento legal impõe uma comunicação diferenciada e, na maioria dos casos, o casal estabelece códigos para se fazer entender e reafirmar seu amor. A primeira providência é batizarem um ao outro com apelidos carinhosos, quando não escorregam para o ridículo. Aí vale tudo e reinam os diminutivos: Fofurinha, Bijuzinho, Morzinho, Neguinha, Tchutchuquinha. Os mais sofisticados preferem expressões em outro idioma: Cherry, Amore Mio, Honny, Darling. É um dengo só e homem vira piegas nessas circunstâncias.

Outro dia, um dedicado companheiro, acostumado às puladas de cerca, revelou o tratamento que dispensa as suas novas parceiras. São as Interpostas Pessoas! Interposta Pessoa tem um significado um tanto de jurisdiques, grosso modo, uma terceira pessoa que se intromete em outra relação. Tudo a ver em se tratando da Outra. Mas a forma como Interposta Pessoa é pronunciada pelo sujeito em questão, beirando a reverência, significa, acima de tudo, uma blindagem. Quem desconfiaria que o termo pode esconder uma pessoa real, capaz de proporcionar grandes emoções e impensáveis prazeres? O companheiro não entra em detalhes, apenas suspira fundo e acrescenta:

- É bem bom!

A propósito, resgato um texto a respeito do tema:

Como ocorre com todos os idiomas, a linguagem da infidelidade também é um processo em constante mutação. O termo amante, por exemplo, caiu em desuso. Ou como diria aquele empresário bem de vida e algo preconceituoso: “Amante é coisa de despossuído. Rico tem namorada”. Preconceitos à parte, a verdade inescapável é que dificilmente você vai ouvir, hoje em dia, alguém dizer que vai ao encontro “da amante”. O termo ficou chulo e brega. Visitar a “outra” ou “aquela outra” até passa. Ouço eventualmente a expressão “pessoa” e sua variação “aquela pessoa” e implico com isso, sei lá porque. Talvez porque existam eufemismos mais apropriados para o caso. Um deles é designar a pessoa em questão pelo realce profissional. Observe o exemplo e constate como fica elegante na frase: “Com licença, mas preciso sair porque tenho um encontro com a Doutora”. Vocês já sacaram quem é a doutora, que pode ser aplicado tanto para profissionais da área médica como do direito. Outro exemplo na mesma linha: “A professora me espera”. No caso, pode ser realmente uma mestra do saber ou uma homenagem do homem aos conhecimentos da parceira, por assim dizer, em outra matéria.

A tribo dos infiéis é criativa e inventa toda a sorte de artimanhas para escapar de questionamentos incômodos. Conhecido repórter, por exemplo, só escreve os telefone de suas novas conquistas em linhas verticais. Para todos os efeitos é uma operação de somar, se a anotação cair em mãos indevidas. Um sistema simples e eficaz.

Os códigos mereceriam um capítulo à parte. S. operador da bolsa de valores, certamente influenciado pela sua atividade, só marcava encontros com a companheira por meio de mensagens codificadas, enviadas por telefone ou por e-mail. “Cotação: MA-1830”. Tradução: Encontro às 18h30 no Motel A. Ou: “Índice Bovespa: RB-2100+MC”. Tradução: jantar no restaurante B às 9 da noite e depois esticada ao motel C. A cada letra correspondia um motel ou restaurante já conhecidos, então ficava fácil decodificar a mensagem. A resposta da parceira vinha na mesma linha. Se estava disponível avisava: “É hora de comprar”. Caso contrário, informava: “Venda as ações”. O único receio deles é que viesse a mensagem, previamente combinada, significando que tinham sido descobertos: “Crack da Bolsa!”

J, desportista, também utilizava linguagem apropriada a sua área de atuação. A mensagem “Hoje, 100 metros rasos”, significava disposição para uma rapidinha. Já “Amanhã Maratona” era a forma de dizer que estava preparado para uma grande noitada. As respostas às vezes eram desestimulantes, tipo “100 metros com barreiras”, quando a parceira dava conta de que ele podia pedir o que quisesse, mas não levaria tudo. O policial M. cifrava suas mensagens à namorada igualmente com as expressões que estava acostumado a usar no dia a dia. Exemplo: “Hoje acareação, 19, local do crime”. Tradução: encontro às 7 da noite no mesmo motel de sempre. Quando não podia comparecer aos encontros, avisava: “Elemento fugou” era a senha.


Acreditem: esses exemplos são reais e mais frequentes do que imagina nossa vã filosofia.

domingo, 10 de abril de 2016

Era bom!

* Publicado originalmente em 17.08.2011, mas atual como nunca

Estou empenhado em reunir um bom número de pessoas, preferencialmente homens, em torno de uma confraria que será denominada de “Era bom!”. Não haverá qualquer preconceito quanto à idade dos participantes, mas acredito que o mote que vai nos reunir não será atraente para os mais jovens.

A proposta é ensejar o encontro de pessoas que tem em comum o fato de terem abdicado de um dos melhores prazeres que a vida pode nos proporcionar e para isso é preciso ser firme nas decisões, o que requer maturidade. É coisa para sessentões ou mais. O peso dos anos exige cuidados extremos no enfrentamento de certos desafios. A resposta do nosso corpo não é a mesma de anos atrás quando traçávamos o que vinha pela frente. Nem a evolução da medicina, com suas panaceias, consegue minimizar os efeitos danosos de uma extravagância, a demandar esforços que os nossos órgãos não podem suportar.

Temos que ter consciência dos nossos limites, fugir às tentações. Por isso, ao criar a “Confraria do Era Bom” já vamos lançar o nosso slogan: gordura, nunca mais! Vocês pensaram que era sobre aquilo, né?!

Adesões em aberto no Via Dutra.

domingo, 3 de abril de 2016

Memórias póstumas

Da mesa ao lado, Marivalda dispara:

- Vô, nunca pensou em escrever tuas memórias?

A bem da verdade a pergunta não me pegou de surpresa. Desde que o ViaDutra foi ao ar, seis anos atrás, só o que tenho feito é resgatar vivencias, mais boas do que ruins, mais divertidas do que frustrantes, mais emocionais do que racionais. Mas muita coisa ainda pode ser contada e certamente é isso que move a indagadora Marivalda.

- Eu falo daquelas situações escabrosas em que tu estivestes  envolvido -, provoca ela.

Sou obrigado, então, a fazer uma revelação que pretendia tornar pública bem mais tarde. Premido pelas circunstâncias, uma vez que todas as mesas ao lado ficam em suspense a espera de uma declaração definitiva, abro o jogo:

- Já conclui minhas memórias, mas como tem muita gente envolvida e vou contar tudo, apontar nomes e situações, só autorizei a publicação cinco anos após meu passamento.

Preferi usar a expressão meu passamento porque achei mais adequada do que falar em morte, mas isso não impactou o ambiente e, sim, o fato de que revelações estarrecedoras prometidas pelas memórias póstumas poderão tardar muito tempo. É que, se depender das condições de saúde, meu passamento vai demorar.

- Pô, adianta alguma coisinha pra nós -, apela um

- Isso é crime de lesa informação, sonegar fatos importantes –, alega o outro jornalista presente.

- Pelo jeito tem gente muito importante envolvida. Homens e mulheres? -, tenta a moça curiosa.

- Como está a tua saúde? -, pergunta um provocador.

Mas não adianta a pressão. Mantenho-me em silencio obsequioso, só quebrado por uma informação que julgo importante antecipar.

- O material já está pronto e entregue a um jornalista para a revisão final. Só que ele não é muito confiável e temo que ocorra algum vazamento seletivo.

Foi como se tivesse ocorrido uma operação da PF, com o japonês à frente, tal o alvoroço provocado pela simples probabilidade de um vazamento de informações.  Houve quem afirmasse que grandes estripulias eróticas  viriam a tona, outros apostaram em malfeitos contra o erário público, ou, ainda, em delações inconvenientes. Enfim, não ouvi nenhuma versão mais edificante, o que não me surpreendeu nestes tempos de incertezas e moral em baixa, em que os valores perderam espaço para o vale-tudo.

De imediato, tratei de escapar do recinto, antes que a situação saísse definitivamente de controle. Acho que passei a correr riscos. Vou reforçar minha segurança pessoal, ou pedir asilo em alguma embaixada de país bolivariano. 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Dastro Dutra, a rua

O texto a seguir é um trecho do prefácio de Justino Vasconcellos, ex-presidente da OAB RS e cunhado de nosso pai, para o livro “90 anos de histórias”, que a família Dutra editou em 2005 por ocasião dos 90 anos do coronel Dastro  Dutra - na verdade, era tenente-coronel da Brigada, mas nunca recusou a patente superior e por ela ficou conhecido, Ele veio a falecer poucos meses depois de celebrarmos seus 95 anos.  Só a doença e o peso da idade conseguiram vergar o Coronel, que cumpriu plenamente sua missão entre nós, legando principalmente valores e um exemplo de vida. E agora é homenageado com o nome de uma rua no bairro Restinga, o que deve ter deixado ele muito feliz, onde quer que esteja, lembrando uma vida dedicada aos mais necessitados, desde os tempos dos Vicentinos na Igreja de São Sebastião, em Petrópolis.



DE PÈ

1932. Estava prestes a iniciar a batalha de Itararé. Ninguém ignorava que ela seria decisiva. Cresciam o vozerio e a barulheira das armas, em expectativa, no acampamento das tropas avançadas do Rio Grande, contra a Revolução Paulista, que reclamava a imediata constitucionalização do País, indefinidamente protelada por Getúlio.

De repente, o silencio: irrompia no horizonte um avião, arma desconhecida pelos gaúchos. Às ordens de comando, todos atiram-se ao chão. Todos, menos um cadete de 16 anos.

De pé, advertido sobre o perigo, Dastro respondeu:

- Pois que venha esse aviãozinho! Eu é que não vou sujar minha farda por causa dele.

E continuou de pé.

E de pé, se manteve a vida inteira.

Na Academia de Polícia Militar. E no serviço ativo, em Livramento, em Rio Grande, em Santa Maria e Porto Alegre. Contra todas as ameaças e adversidades ele permaneceu, invariavelmente de pé. Tal como aos 16 anos, na iminência da batalha. De pé sempre, para o que desse e viesse.

Naquele tempo, era generalizada – dogmaticamente generalizada – a convicção de que o sacerdote, o juiz e o soldado devem contar apenas com o estritamente indispensável para sobrevivência espartana.

E Dastro enfrentou, de pé, as agruras da severa pobreza que a Brigada Militar oferecia a seus oficiais e soldados. Ele e Thélia, também admirável, com seus nove filhos.

Chamado ao cargo de Diretor do Departamento de Limpeza Pública de Porto Alegre – hoje DMLU -, Dastro logo se impôs ao respeito e admiração gerais. Respeito pela eficiência que imprimiu ao serviço. Admiração pelas iniciativas inesperadas, com que soube conquistar a cooperação entusiástica dos subordinados.

Assim, organizou uma padaria, cujos produtos eram entregues a preço de custo, aos funcionários do DLP. E uma farmácia, cujos medicamentos eram fornecidos a preço de custo. E um refeitório, com as refeições servidas, também elas, a preço de custo, aproveitando-se os legumes e hortaliças cultivadas na área do DLP.

Ele fez do seu Departamento uma grande família, com tais iniciativas, implantadas sem qualquer acréscimo de despesa, pois o pão, o medicamento e as refeições, tudo, tinham o preço rigorosamente apurado, sem deixar lucro e nem prejuízo. Era natural, pois, que os servidores trabalhassem, em sistema de rodízio, sem qualquer remuneração, pelos serviços prestados nessas organizações, em vista dos benefícios obtidos.

Até com máquinas de lavar roupa Dastro conseguiu presentear as mulheres dos seus funcionários, máquinas de madeira, construídas conforme plantas que obteve da Organização dos Estados Americanos.

Para muitos, está claro que a atividade desse brigadiano, Diretor do Departamento de Limpeza Pública, era desconfortável, demasiadamente incômoda: quais seriam as verdadeiras intenções dele? Onde pretendia chegar?

E, inesperadamente, Dastro foi substituído, para espanto e desconsolo de quantos tinham trabalhado sob suas ordens.

Mas é claro que ele continuou de pé. E foi chamado para a direção do Presídio Central, onde se repetiram os êxitos alcançados no DLP, até ser demitido pelas manhas e artimanhas dos muitos ofendidos com o trabalho incansável e os sucessos de Dastro.

Basta lembrar que, ao saberem da substituição de Dastro, os presos, no mesmo instante, se rebelaram exigindo o imediato retorno dele ao cargo! Não, não se sabe de ninguém, nem mesmo por ouvir dizer, não se sabe de um só diretor de presídio no mundo inteiro, cujos detentos tenham se amotinado, para mantê-lo no cargo.

Mais admirável ainda é que o motim só tenha terminado mediante a intervenção de Dastro, junto aos presos, a pedido do próprio Governador do Estado e do Cardeal Vicente Scherer.

Sim, Dastro manteve-se de pé, fossem quais fossem as ameaças e circunstâncias. 90 anos de pé.

Nunca sujou a farda.

Nunca sujou o coração.

Nunca sujou a alma.

Homem de fé, exemplar daquela velha raça, desgraçadamente em extinção, a dos cavaleiros sem medo e sem mancha - “sans peur e sans reproche” -, honra e glória da humanidade.


domingo, 27 de março de 2016

Mui leal e valerosa


O brasão da Capital gaúcha ostenta em destaque os dizeres leal e valerosa cidade de Porto Alegre que muita gente associa à adesão à causa Farroupilha na revolta contra o Império.   Ledo engano. Porto Alegre ganhou esse título justamente pelo seu apoio aos imperiais. A cidade foi invadida em 20 de setembro de 1835 a partir da ponte da Azenha sobre o Arroio Diluvio, onde se deu o primeiro combate entre os cerca de 100 rebeldes contra as forças imperiais que defendiam Porto Alegre.

Sem apoio da população e sem condições de expandir a guerra a partir da Capital, os farrapos tiveram que abandonar a cidade em junho de 1836. Depois da retomada pelos legalistas, Porto Alegre enfrentou mais três sítios, mas a mui leal e valerosa resistiu ao assédio rebelde merecendo por isso o título concedido pelo Imperador.

Viria daí, dessa resistência à rebeldia, tudo às avessas, uma forma de irredentismo de Porto Alegre, impregnada na sua gente e aculturada com o passar do tempo. Uma esquizofrenia de quem ama sua cidade de forma envergonhada, antes é preciso desqualificá-la, potencializar seus defeitos e minimizar suas virtudes, mas ai do estrangeiro que ousar falar mal dela. É um cotidiano feito de rabugices por grandes e pequenas causas, de negações ao novo, de contrariedades ao diferente, embora o porto-alegrense se ache culturalmente evoluído, politicamente esclarecido e receptivo à diversidade, seja ela qual for.

No entanto, parece que o povo age contraditoriamente assim para purgar – ou confirmar? -  uma culpa atávica pelo oficialismo e oposição diante do movimento farroupilha. Não há orgulho em ser mui leal e valerosa. A tese é do meu amigo, o jornalista e escritor, Gustavo Machado e sou tentado a concordar com ela.

Mas Porto Alegre que já foi a Cidade Sorriso hoje procura uma nova identidade, diferente daquela que lhe impôs o PT em 16 anos de gestão, com apelos ao popular e ao participativo que só se efetivavam nas instâncias e mecanismos devidamente aparelhados.  Esse modelo chegou a encantar por um tempo, mas se esgotou como todas as propostas que mais dividem do que buscam o bem comum.

A cidade tem muitos atributos, mas nada que se sobressaia e não me venham com o por do sol ou o Laçador porque não é isso que faz a identidade de uma metrópole. É algo imaterial, maior do que a bela manifestação da natureza ou o portentoso monumento. Houve um tempo em que se tentou o conceito Multicidade, mas não pegou.  A questão, portanto, está em aberto.

Está na hora de deixarmos de ser a Cidade do Mas, a Pequenópolis de alguns, a Caranguejópolis de outros, a Rabugentópolis de todos nós, e voltarmos a ser, quem sabe, a Cidade Sorriso como preconizou Nilo Ruschel,  quando assim a batizou nos seus programas radiofônicos nos idos do século passado.  E voltar a ser não seria retrocesso, mas avanço.
A verdade é que a minha Porto Alegre precisa se redescobrir.

sábado, 26 de março de 2016

Operação Salchipão

Nestes tempos de operações quase diárias da PF e de delações aperreadas, todo o cuidado é pouco.  Quem é do ramo da construção civil ou que tem alguma afinidade com os malfeitos que o juiz Moro e sua equipe investigam sabe bem disso e, por consequência, como se comportar sem ostentação.

O temor chegou a tal ponto que conhecido empresário ficou em pânico ao observar um helicóptero se aproximando da sua casa na praia, num condomínio classe A  do litoral gaúcho. Ele preparava na churrasqueira do pátio um assado com as melhores carnes disponíveis no mercado e aquele helicóptero cada vez mais perto, atucanando o pobre homem.

- É o Japonês chegando -, pensou com seus espetos.

Imediatamente gritou para a mulher:

- Amor, traz logo aquelas costelas que vou trocar pelos grelhados para não dar na vista, mas traz logo e os pãezinhos e os salsichões também, pelo amor de Deus.  Vou fazer um churrasco de pobre.

Não fiquei sabendo se o churrasqueiro conseguiu iludir os ocupantes do aparelho com a troca dos cortes de carne, afetando um despossuimento  que não condizia com a realidade, até porque o helicóptero devia estar a serviço de outra missão, menos investigativa.

Quem me relatou o episódio jura que foi assim mesmo que aconteceu e que o envolvido não guardava qualquer relação com a Lava Jato.  Foi aí que pensei cá comigo: quem não deve não teme.  E fiquei imaginando um nome para a operação da PF, se fosse o caso, algo como Grelha Quente ou Espetada Litorânea, mas poderia ser também Operação Salchipão.


sábado, 19 de março de 2016

Miniconto nada ideológico *

A moça coxinha e o rapaz petralha só  convergiam na cama. Aí as manifestações eram intensas e sem protestos.

* Inspirado em fatos reais.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Histórias Curtas do ViaDutra: As Outras

Causa inveja entre os meus pares de confrarias aqueles sujeitos que conseguem conviver, sem maiores problemas, com dois ou três relacionamentos, sendo apenas um oficial e os outros no paralelo. Alguns casos célebres chegaram ao meu conhecimento e são célebres porque envolvem celebridades cujos nomes prudentemente omitirei.  Um deles diz respeito a intelectual e homem de comunicação de renome, que mantinha dois relacionamentos em Porto Alegre – a esposa e a outra, uma outra oficial, por assim dizer. Tanto assim que ambas tinham conhecimento da existência da outra e do status da relação com o infiel. 

Mas o nosso personagem não estava satisfeito com a duplicidade de mulheres e numa viagem ao exterior importou uma rapariga, com a qual se relacionara intensamente no país dela. Quando a moça aqui se instalou é claro que sua presença e seu enrabichamento com o importador logo chegaram ao conhecimento das outras duas. A titular, que chamaremos de Eva, acostumada às puladas de cerca do marido, bancou a superior e fez vistas grossas e ouvidos moucos. A outra, porém, ficou magoadíssima, foi ao encontro do camarada e na sua queixa representou a dupla brasileira: “Eu e a Eva não merecemos isso! O que tu estás fazendo é um desrespeito a nós duas”, choramingou.


O chororô adquiriu uma conotação tão dramática e foi um raro exemplo de solidariedade no naipe feminino, que o sujeito teve que devolver a outra das outras à terra origem dela. A moça, aliás, ficou sem entender o que aconteceu, ela que imaginava ter encontrado seu príncipe encantado versão brazuca. 

sábado, 5 de março de 2016

Os ditados da dona Thelia

A memorável dona Thelia, matriarca dos Vieira Dutra, costumava apelar para os ditados mais clichês quando queria opinar de forma contundente, mas não tinha tantos argumentos. “Deus dá a noz para quem não tem dentes” era um dos seus preferidos e uma afirmativa sobre o quanto a vida podia ser injusta, às vezes. Só que o efeito nos filhos pequenos era de puro horror. Imaginávamos que a noz, na real, se referia a nós, que teríamos como destino trágico sermos entregues a uma bruxa malvada e desdentada.

Outro ditado muito usado era um tanto apelativo na sua formulação, o que não nos surpreendia devido a origem carcamana da nossa mãe: “Quem muito se abaixa o c...se lhe aparece”, assim mesmo, com o pronome colocado de forma saliente.  Era o jeito dela nos ensinar que humildade demais expressa menos virtude do que expõe defeitos.
Orgulhosa da sua prole era dada a exageros ( “não tenho filhos feios”, repetia sempre) e quando aparecia uma pretendente que não correspondia a seus padrões estéticos declarava enfática: "Quem ama o feio bonito lhe parece”, agora com o pronome mais bem situado.  Não sei se as circunstâncias eram essas mesmo, mas bem que correspondem ao estilo thelistico, como o apelidamos. 

Confesso agora que neste momento desempenho o papel de filho indigno, uma pessoa abjeta mesmo, ao usar a saudosa dona Thelia para tergiversar sobre o momento politico atual, o que nada tem a ver com o histórico e o legado de uma grande dama. 
Assim, resgato o "Quem ama o feio, bonito lhe parece". É isso. A devoção causada pelo amor leva a veneração, que distorce a realidade, transforma o feio em bonito, realimenta a adoração e pode virar uma obsessão.  Na vida e na ficção.
O filme O Amor é Cego retrata bem esse processo. O personagem de Jack Black, sob efeito de hipnose, se apaixona por Rosemary ( Gwyneth Paltrow ), uma mulher obesa que é vista por ele como se fosse uma verdadeira deusa. Um dia, porém, o efeito da hipnose passa e é preciso encarar a realidade.
Esse  encontro com a realidade, o fim do encantamento, é um momento dramático para os que o enfrentam, embora muitos prefiram se manter alienados ainda, dando sobrevida à falsidade.

Imagino que seja isso o que está acontecendo agora com a militância de certo campo partidário da esquerda cujas principais lideranças deixaram de ser belos exemplos de patronos de novos tempos para se transformarem em obesos representantes do que existe de mais sujo no âmbito dos poderes. Para muitos, acabou o mito, mas alguns ainda acreditam que sua crença está acima do bem e do mal.  Acho que estou sendo bastante claro e não é preciso alongar mais a questão.
"Quanto maior a obsessão, maior a frustração". Por certo essa seria a frase  clichê da dona Thelia para o caso.

Para não ser injusto permito me reproduzir uma postagem no Facebook da minha amiga Andrea Back, que tem a ver com o que foi exposto e que assino embaixo:Aqui, onde corrupção é um projeto coletivo, pluripartidário e histórico (talvez a única política pública com continuidade...) seria gentileza do lado oposto - seja de qual lado você está vendo a situação - dar o mérito de tanta roubalheira e canalhice a uma legenda, um líder. Fato: alguns tiveram mais talento na pilhagem.... Mas acredito q o caminho para finalmente reverter esta lógica é o trabalho e a autonomia das instituições, para que seja feito o serviço
Aqui, onde corrupção é um projeto coletivo, pluripartidário e histórico (talvez a única política pública com continuidade...) seria gentileza do lado oposto - seja de qual lado você está vendo a situação - dar o mérito de tanta roubalheira e canalhice a uma legenda, um líder. Fato: alguns tiveram mais talento na pilhagem.... Mas acredito q o caminho para finalmente reverter esta lógica é o trabalho e a autonomia das instituições, para que seja feito o serviço Completo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

João Santana e eu

Conheci o publicitário João Santana em 1998 na campanha para o governo do Estado. Aquela foi uma disputa feroz, voto a voto, entre Antonio Brito e Olívio Dutra. Brito venceu no primeiro turno por pequena diferença, mas Olívio acabou levando no segundo, também por escassa margem, cerca de 87 mil votos, ou 1,5% num universo de 5,6 milhões de votantes.

Brito buscava a reeleição, era favorito, arrancou forte, mas foi perdendo espaço e intenção de votos diante de uma bem sucedida campanha de desqualificação, especialmente na TV, com programas petistas produzidos por Carlos Gerbase e sua turma. Para comandar a sua campanha o governador contratou a Duda Mendonça, que enviou a Porto Alegre um marqueteiro de segundo escalão, o hoje celebrado e encarcerado João Santana. Ele veio em grande estilo, com uma trupe de criativos, produtores, roteiristas, entre os quais sua jovem e arrogante esposa, que volta e meia levava um corridão de outra parceira nossa.

Apesar de todo o aparato, a campanha proposta pelo esquema Duda/Santana não engrenava. Era muito brilhareco, pouca consistência, soluções usadas em outras campanhas, mas que aqui não funcionavam e programas desconectados do ambiente regional. Enquanto isso, a gurizada à serviço do PT dava lições de como chegar aos corações e mentes dos gaúchos.

Não sei se o Brito não confiava muito em João Santana, o certo é que um dia chamou a Bernardete Bestame e a mim, e pediu que ficássemos de olho no trabalho do marqueteiro. Em seguida nos mudamos para a produtora, que funcionava na rua Luzitana, bairro São João, num prédio locado a um tio do Tarso Genro, que ironia!. Trabalhávamos no núcleo de produção de conteúdos de grandes e pequenos temas que poderiam servir à campanha e deveríamos ser fornecedores desses conteúdos para os programas de TV. Entretanto, quando nos apresentamos ao publicitário, explicando que atendíamos a uma demanda do candidato, fomos recebidos friamente e durante a campanha pouco foi utilizado do rico material armazenado durante todo o mandato do governador.

No segundo turno, depois do susto que foi a vitória apertada no primeiro turno, o então secretário da Fazenda, Cezar Busatto foi praticamente imposto como interventor junto à equipe de João Santana e a campanha começou a dar uma virada, reacendendo a esperança de vitória. Antes disso, na renovação do contrato para o segundo turno, houve uma complicada negociação e o marqueteiro importado acabou mantido. Apesar dos pesares, seria temerária a mudança àquela altura do campeonato.

Mas bem que João Santana merecia um pé na bunda depois de uma inacreditável proposta de programa para abrir a nova fase da campanha. Com pompa e circunstância ele apresentou um piloto de vídeo em que pessoas ligadas a vários segmentos apontavam todas as fragilidades do governo, as mesmas que a turma do PT mostrava em seus programas. A justificativa de João Santana é de que o momento exigia “assumir alguns problemas do governo” e a partir daí garantir que esse quadro seria alterado no novo mandato. Ao assistir ao programa piloto, onde apareciam um colono reclamando da falta de apoio, um jovem clamando por emprego, um trabalhador desempregado criticando as privatizações, todos ferrando o governo, Brito levantou-se e visivelmente contrariado, disparou:

- Desse jeito vou entrar no segundo turno com mãos ao alto, como se já estivesse derrotado. É isso, João Santana?

Santana gaguejou uma explicação, mas teve que mudar toda a sua equivocada estratégia.

O terceiro e último episódio na minha rápida e desprazerosa relação com o baiano ocorreu na antevéspera do dia da eleição. As pesquisas mostravam uma reação da campanha de Brito e uma onda de otimismo percorreu a sede da produtora. Uma festa foi organizada, com dancinhas e tudo. Mal sabíamos que era uma versão moderna e gaudéria do baile da Ilha Fiscal, aquele festerê que precedeu a deposição de dom Pedro II.

Eu havia bebido umas cervejas e resolvi peitar o João Santana, mas procurei ser minimamente civilizado:

- Ô, João, me diz aí. Vamos ou não ganhar esta merda? Afinal, o que vai acontecer?

- Aposto uma garrafa de uísque como a gente ganha -, garantiu ele, com convicção.

Como não bebo destilados não aceitei a proposta, até porque preferia que ele ganhasse a aposta.O resto da história é bem conhecido. Olívio ganhou e pro meu discernimento quem perdeu foi o Rio Grande. Quem também ganhou – e muito – foi o João Santana. Deve ter começado lá em 1998 a escalada rumo ao patrimônio que hoje ostenta de mais de R$ 59 milhões.