domingo, 28 de setembro de 2014

Acionando a tecla rewind

Admita: você já se imaginou voltando no tempo e corrigindo todas as burradas que denigrem sua biografia.  É este e não o desejo à eternidade, que chatice, o sonho de todos nós, mas de preferência com aperfeiçoamentos, como o expresso por Vinicius de Moraes a  Chico Buarque de Holanda :  “Se eu reencarnasse queria voltar exatamente assim como sou,  só com o pau um pouquinho maior”, conta Chico no filme sobre o poetinha. 

O pedido parece ser exagerado para quem, como Vinicius, viveu com pelo menos meia dúzia de mulheres, a maioria delas bem caldáveis. Mas fico imaginando quantos homens não tem a mesma pretensão, almejando alguns centímetros a mais no seu instrumento, achando que assim estarão mais bem posicionados no mercado.

Não encaro o tema da mesma maneira. Acredito mais na máxima de que tamanho não é documento. Mas claro que ficaria bem satisfeito com uns 5 ou 10 centímetros a mais na altura, despossuído que sou verticalmente. Pelo menos poderia distribuir melhor a protuberância abdominal de ex-fumante que virou glutão.

Nem sei o porquê de  todas essas reflexões paralelas quando o tema proposto é a volta ao passado. Cá entre nós, seria legal acionar a tecla rewind da existência,  reconstruir pontes fendidas, refazer malquerenças, harmonizar os mal entendidos, refinar as escolhas, enfim, corrigir besteiras cometidas e, de quebra,  ganhar uma bolada na loteria com os números conhecidos por antecipação.

E ainda tem uns idiotas completos que insistem em ser coerentes, afirmando que fariam tudo igual de novo.  Como posso ser idiota, mas não completo, prefiro dizer que só tenho compromisso com erros inéditos.







sábado, 20 de setembro de 2014

República de Bulhufas

Não lembro quando e como começou a brincadeira,  mas a verdade é que atualmente a República (ou Reino?) de Bulhufas é uma realidade e não uma abstração. Os mais altos interesses desse país, que tem o tamanho da nossa imaginação, são articulados por um grupo de intelectuais, jornalistas, publicitários, servidores públicos, reunidos numa tal de Confraria do Cachorro Quente.

A confraria já aceita – de muito bom grado – reforços do naipe feminino, um contingente constituído especialmente de esposas e companheiras que vem controlar o que seus inconfiáveis entes queridos “ estão fazendo sei lá o que nos tais encontros...”.  Mas o que une a todos, de verdade, é a campanha em prol da eleição do nosso líder, o publicitário, signatário e nunca autoritário Paulo Motta à presidência de Bulhufas.

 A campanha ganha corpo no Facebook  (em Bulhufas vai ganhar outro nome Facebulhufa) sob o slogan “Paulo Motta, o homem que entende Bulhufas” e tem se prestado a rimas ricas e pobres com o sufixo “ota”.  Nosso líder, embora o passado um tanto obscuro aqui e ali, é homem de palavra e prometeu que cada um dos confrades ganhará seu Ministério. São mais de 300  Ministérios para distribuir e faltará gente para ocupar tantos cargos, por isso seremos obrigados a importar ministros dos países vizinhos – Uruguai , Rio Grande do Sul e Brasil; Argentina fora.

Resta uma questão em aberto:  Bulhufas será mesmo uma República ou um Reino? Nosso líder desconversa sobre o assunto, mas nos bastidores maneja para virar rei, dando início à dinastia dos Motta. Se não vingar tal projeto pensa em se candidatar à Papa sob o nome de Gaúcho Primeiro, um tributo aos colonizadores de Bulhufas.   

Brincadeiras à parte, minha tese – como vocês sabem, adoro uma tese -  é que Bulhufas nada mais é que uma projeção bem humorada daquele desejo que a maioria de nós cultiva, consciente ou inconscientemente, de resgatarmos a República de Piratini, desfazendo nossa parceria tão desigual com o Brasil.  Esse irredentismo aflora com força no 20 de Setembro e só não vai adiante por absoluta inviabilidade. O que resta, então,  é cultuar os chamados ideais farroupilha de igualdade, liberdade e fraternidade.  Se for feito com bom humor, como em Bulhufas, melhor ainda.


Agora, se me permitem, parafraseando os gaúchos,” ah, eu sou Bulhufas”.

sábado, 13 de setembro de 2014

SOS supermercado

Sábado a tarde é sagrado: a Santa e eu vamos ao supermercado fazer  o rancho. É a forma de zelar pelo meu parco e duramente conquistado dinheiro e também de frequentar as gôndolas de cervejas, vinhos e carnes a cata dos melhores preços, que nem sempre estão nos produtos de qualidade inferior.

Nas andanças pelos corredores  também sou dado a apreciar aqueles tipos femininos, cada vez mais escassos, envergando um bonito jeans e de salto alto,  a passear com seus carrinho cheio de especiarias. Agora até fiquei mais comedido nesse olhar diferenciado porque tempos atrás um marido mais atento me deu um flagra:

- E aí, gostou do que está vendo?, questionou com voz forte e olhar firme.

Não perdi a compostura, mas como sou de paz e o maridão era do tipo “fortão de academia”, deixei por isso mesmo, apenas acrescentando:

- Que isso? Não é o que tu está pensando...

E me fui, como no célebre causo aquele, nem tão rápido que parecesse fuga e nem tão devagar que parecesse provocação. Quero crer que foi um incidente sem maior importância na minha trajetória de frequentador de supermercados. Já passei por situações piores.  Outro dia fui desacompanhado ao super com a listinha de compras que, além do básico, continha aquela infinidade de produtos para limpeza, que consomem boa parte dos meus ganhos. E sofri muito para encontrar o que constava na lista.

É inacreditável o que a indústria produz e o comércio nos induz a comprar. Coisas como detergente para louça, com glicerina, aromas de côco, menta e avelã;  limpador de uso geral para banheiros, sem cloro, mas com  X 14(?!), aromas de lavanda, floral, crisântemos e até o neutro;  limpador com brilho para multipisos, “nova fragrância e perfume suave de longa duração”;  lava-louça em pastilhas, “o primeiro em pastilhas”, para “máquinas de lavar-louça”, conforme escrito na embalagem ; limpa vidros, “limpa, desengordura e dá brilho”, com Ayrton Senna de garoto propaganda !; sabão em pó com cápsulas de perfume, aroma de hortênsias e flores brancas; amaciante de roupas, também  com cápsulas, “novo, mais perfume por muito mais tempo” e por aí vai . Menos mal que a Clorofina sempre reconheço e não preciso pedir ajuda aos rapazes que estão repondo os produtos.

Mas vexame maior passei outro dia no setor de frutas e hortaliças.  Na listinha da Santa dizia “legumes” e instintivamente coloquei no carrinho brócolis e couve-flor, mas fiquei em duvida se brócolis e couve-flor não seriam verduras (brócolis é verde, não?!), já que frutas  tinha certeza de que não eram. Discretamente perguntei a uma  moça que circulava por ali, apontando para as compras:

- Legumes é isso aqui?

Diante da assertiva da moça, que me poupou de um risinho irônico, sai mais tranquilo, mas com a certeza de que não sou o único homem que passa essas desventuras no supermercado.

Vejo nisso um nicho de empreendedorismo:  quem se habilita a oferecer seus serviços como personal customer aos senhores que vão ao supermercado com listinhas na mão?



quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sobre a finitude humana

2013 têm sido particularmente perverso em nos privar de pessoas próximas. A cada semana alguém mais é escolhido  e fico com a sensação de que estão chamando a minha turma. Só não sei qual o critério para a convocação e, para deixar claro, não gostaria mesmo de  saber, porque não deve existir nada mais angustiante do que ter noção de  que seu fim esta próximo.

A verdade é que essa necessidade cada vez mais frequente de comparecer a velórios e enterros, e um interesse que não tinha antes de consultar diariamente o obituário do jornal não faz de mim uma pessoa mais mórbida, mas  sim uma vítima das surpresas negativas que essa quadra da vida reserva a cidadãos de idade mais avançada.

E a cada situação fico a pensar na finitude da vida e quanto ainda me resta de gozo e convivência por aqui.  Não me desespero, mas  olho o companheiro que se foi e,  tristemente, o que ali está é só matéria, que logo vai se decompor ou vai virar um montículo de cinzas. 

Será que é só isso mesmo o que nos espera, que o sopro de vida que um dia recebemos se esvai  assim,  sem mais nem menos, vai ficar na nuvem  como uma hashtag  qualquer . É muito pouco diante do vale de lágrimas a que a maioria de nós é submetida  nesta existência.
 
Talvez eu devesse acreditar que a morte nada mais é do que a passagem para o nosso encontro com o Criador ou com o Demo, dependendo do nosso comportamento por aqui. Ou então torcer para que  o paraíso das virgens com lábios de mel exista de fato lá em cima. Mas sou um descrente condenado à danação eterna, que é o castigo dos que se apartaram da fé.


Essas divagações mórbidas  mexem com a gente. Preciso tomar um vinho e celebrar a vida. 

sábado, 30 de agosto de 2014

Tragédias da vida real

Que tempos vivemos!  A humanidade evolui  por um lado, avança na tecnologia,  se esforça pela paz, pelos direitos humanos e contra as desigualdades, mas no nível individual o que se observa é um crescimento de casos que rompem com os mais elementares princípios da convivência e do relacionamento, e com alguns direitos sagrados, maculando a infância e a vida.

O caso do menino Bernardo, por certo, não é o único de maus tratos as crianças. O que causa revolta é que o pedido de socorro do guri chegou as autoridades, que nada fizeram.  Os gritos que se ouvem nas gravações, essas nojentas gravações que morbidamente se espalham nas redes, nada mais são do que um eco de desespero, a nos dilacerar, nós os omissos  do dia a dia.  É de chorar.

Aí acontece outro episódio a contaminar nossa fé nas pessoas.  O que deveria ser uma celebração, um jogo de futebol na Arena gremista, transformou-se em rasteiras manifestações de racismo contra o goleiro do Santos,  que passou de Aranha a macaco nos xingamentos de um grupo de torcedores.  Diga o que disserem, justifiquem como quiserem,  foi racismo e, grenalismo à parte, só não dá para culpar o clube.  O que impressiona é o fato de jovens estarem envolvidos na reprovável ocorrência. Isso me faz temer pelo futuro da geração que vem aí.

Terceira situação: no Norte do Estado um sujeito descornado resolve mandar para a ex-namorada uma caixa de bombons envenenados,  que o irmão da moça distribuiu entre amigos provocando pela menos uma morte.  Que forma de amor é essa  que, diante da rejeição,  prefere a eliminação do seu bem querer  ao invés de almejar-lhe um futuro feliz, e partir para outra?  Bem sei que o desapego é difícil.  Já é difícil para as coisas materiais, imaginem para o que mexe com os nossos sentimentos e emoções.  Entretanto, nada disso justifica os bombons envenenados ou qualquer outra forma de vindita, cruel ou nem tanto,  contra quem um dia mandou  no seu coração. “Foi por amor”, se auto justificará o assassino do chocolate no seu depoimento.

Foi desamor , afirmo no caso do menino Bernardo. Não foi por amor a agressão verbal ao goleiro santista. Ah, o amor, quantas tragédias da vida real ainda serão cometidas em teu nome? 

sábado, 23 de agosto de 2014

Bons tempos aqueles

Dias atrás, por dever de ofício,  frequentei uma redação de jornal  no efervescente horário do meio da tarde. Sabe aquela sensação de que havia algo errado no ambiente?  Só na saída, depois dos contatos mantidos, é que me dei conta do que incomodava, martelando meu cérebro: a redação estava repleta de gente, com quase todas as posições de repórteres e editores ocupadas.

Aí me bateu uma nostalgia dos meus tempos de jornal, quando no meio da tarde os repórteres saiam as ruas para cumprir suas pautas ou fazer a cobertura dos seus setores. Apenas o pessoal da cozinha ficava na redação e na Editoria de Esportes da ZH, onde mais atuei, era comum o editor da área acompanhar o repórter à campo e, assim, ter uma visão mais real das matérias que editava.  Essa era a orientação do nosso editor Emanuel Mattos, que nos deixou recentemente. Também por orientação dele os editores bancavam repórter e sazonalmente produziam matérias, que era uma forma de dar exemplo para a gurizada e manter-se antenado e reciclado.

Vida real em  jornalismo é fundamental e isso só se consegue na rua e no contato pessoal com as fonte, olho no olho. O que se observa hoje é primado do telefone para os contatos com as fontes e quase o fim da função de setorista, aquele repórter que se especializada em determinada atividade,  frequentava diariamente seu setor. Parece que isso  sobrevive ainda na editoria esportiva?

Claro que essa proximidade também podia produzir alguns problemas, como uma cumplicidade nefasta entre as partes, mas era fundamental para que o repórter conhecesse a fundo os assuntos do seu setor e quais as melhores fontes procurar sobre determinadas temas.  Também não sou a favor do exagero das editorias de esportes de antanho que escalavam no mínimo dois setoristas todos os dias para cobrir os principais clubes, mesmo porque o enxugamento porque passam as redações não permitiria esse luxo hoje.

A especialização até permanece, com repórteres focados em política, trânsito, saúde, cidade, obras públicas e até obituários, mas falta profundidade no tratamento das questões, muito achismo, teses pré-concebidas e aquela sensação de que o ambiental não está presente. Em resumo:  reportagens de retaguarda, cheias de números e grafismos, mas  sem conexão com a vida lá fora. Eu quase falei em matérias com um quê de arrogância, mas deixa pra lá.


Minha desconfiança é que esse processo também está contribuindo para o crescente desinteresse do público pelas mídias tradicionais, o que está impactando especial e dramaticamente os veículos impressos.  Sou formado pelo jeito antigo de fazer jornalismo, mas não vou bancar o saudosista, pois talvez todo esse contexto atual, ao fim e ao cabo, seja evolução e não retrocesso.  Tomara, mas não resisto em declarar: bons tempos aqueles.

sábado, 16 de agosto de 2014

Trauma de infância


Todo o ser humano tem o direito de cultivar seus traumas de infância, sejam eles de que dimensões forem. É na superação desses traumas que a humanidade vai pra frente, exceto nos casos graves que resultam em serial killers e congêneres.

Não é o meu caso. Fui criado numa família com mais sete irmãos e nesse contexto não havia muito espaço para traumas. Havia, sim, o desafio diário de meus pais em garantir o sustento do clã, sem contar os pequenos conflitos diários da escadinha de filhos e suas diferenças de personalidade. Este que vos escreve, como estava no meio da escadinha, sofria pressão dos de cima e dos de baixo, algo conhecido hoje como bullyng, nada, porém, que me desestabilizasse para o futuro.

Isso posto, hoje posso confessar que me consumi em boa parte da infância, ali pelos cinco ou seis anos, por causa de um frase que minha mãe repetia sempre. Uma frase que ficou tão marcada que lembro até hoje desse trauma ocorrido na mais tenra idade. A frase maldita: “Deus dá a noz para quem não tem dente”, afirmava a dona Thelia, com ar grave de condenação a quem não sabia aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecia.  Não lembro se o dito era dirigido a alguém em especial, talvez àquele tio que tinha múltiplos talentos mas não se ajeitava na vida.

Mas para mim, e talvez para meus irmãos da parte de baixo da escada, a frase soava de forma diferente: Deus nos dá a quem não tem dente. E ai ficava eu a imaginar, apavorado, sendo entregue a uma bruxa malvada e desdentada, que nos devorava, a mim e a meus irmãozinhos, coitados de nós. Tive pesadelos horríveis, porque a tal frase era sempre associada com as histórias da Mariazinha e do Joãozinho aprisionados e submetidos a regime de engorda pela bruxa da floresta.

Apesar do trauma, cresci sem virar assassino em série ou borderliner, mas fico me perguntando se não exagerei um pouco nas historias contadas aos meus filhos na primeira infância, eu que era dado a apelar nas atitudes dos personagens malvados.  Criança  compreende tudo de forma muito literal, mas acho que os pimpolhos aqui de casa, se tiveram traumas por causa disso, não me revelaram ou já superaram.  Que assim seja,  porque a próxima geração está ouvindo as mesmas histórias e as mesmas frases que podem provocar traumas e pesadelos noturnos.


domingo, 10 de agosto de 2014

O Dia dos Filhos

Reeditado a partir do original publicado em 11/08/2011, mas sempre atual.

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos, e agora gerentona. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, que agora experimenta as venturas da paternidade. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe, voltou ao ninho e bateu asas de novo.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.



Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos, canecas e camisas azuis, jaquetas e bons vinhos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Histórias da mesa ao lado:Os Infratores

Noite dessas espichei o ouvido para a mesa ao lado e fiquei sabendo de saborosíssima histórias envolvendo motoristas infratores e agentes de trânsito cumpridores de suas obrigações. Nas fiscalizações noite adentro acontece cada uma.  Como a da motorista flagrada sem carteira que se livrou de um flagra pior ainda. A moça,  acompanhada de um rapaz, se recusou a fazer o teste com o bafômetro, o acompanhante também, e apresentou a documentação do carro indicando que o proprietário era outra pessoa.

- Como a senhora não pode dirigir e o moço aí também não, quem sabe chama o proprietário para conduzir o veiculo.

- Não posso, o proprietário é meu marido. Imagina se ele vem aqui e vê que eu estou com outra pessoa...

Algo me distraiu, talvez uma caldável passando, e acabei não sabendo o desfecho do caso. Diferente da outra história que ouvi. Seguinte: nos tempos em que os Fuscas eram os carros que mais rodavam, o cinto de segurança era de duas pontas, passando sobre as pernas do motorista. Diante de uma situação dessas o agente chamou a atenção do condutor:

- E o cinto, cidadão?

O motora, sujeito simplório, fez um gesto apontando para baixo, o que foi interpretado como uma provocação obscena pelo agente.

- Tá pensando o quê? Além de dirigir sem cinto ainda fica bancando o engraçadinho.

E já estava sacando o  talonário para aplicar uma pesada multa quando o atrapalhado motorista conseguiu demonstrar que estava, sim, usando o cinto, para o  qual apontava.

Mal entendidos cercam também alguns motoristas que se recusam a deixar seus carros na madrugada para fazer o teste do bafômetro. Só que não se trata de contravenção, mas de constrangimento.

- Seu guarda,  vou buscar meus filhos numa festa e estou de pijama.  Fica chato sair do carro com toda essa gente em volta...

Normalmente os agentes são sensíveis ao apelo dos pais, mas não tem a mesma condescendência com aquelas moças mais afoitas  que, sob o efeito de umas e outras, se atiram em direção aos homens da lei, aos beijos e abraços, como um pedido de clemência.  Como aplicadores da Lei, os agentes não são bem vistos e, de repente, aparecem garotas e senhoras prenhes de amor pra dar. O que dá é pra desconfiar da sinceridade das intenções.

A recíproca também existe, como o caso aquele do azulzinho que se tomou de amores pela loira recém multada e passou a mandar mensagens convidativas para o fone da moça. Mas aí já é outra história da mesa ao lado.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

O passaralho

Passaralho pra quem não sabe é um ser da mitologia do jornalismo, mas de forma mais rasteira pode ser descrito como um pênis com asas. O bicho assombra as redações em períodos de demissões em massa, pousando na mesa ou bicando a bunda dos selecionados para a degola, tipo aviso prévio.

Neste momento o passaralho sobrevoa as redações do principal grupo de comunicação do Estado e já tem até o número dos que ficarão desempregados, conforme comunicado oficial da direção da empresa: 130 profissionais vão para um mercado já saturado e em recessão.

Nos tempos em que era atuante em veículos, normalmente em um chefia intermediária, sobrevivi a muitos passaralhos e em uns poucos tive o dissabor de precisar comunicar às vítimas que elas estavam na relação dos dispensáveis. Invariavelmente ouvia dois questionamentos, para os quais não tinha resposta adequada: “Qual o motivo? Por que eu?” Era um momento terrível, mas muito pior para quem recebia a notícia de que deveria procurar o RH para tratar da sua rescisão.

A maioria havia dado o melhor de si para a empresa e agora era rejeitado,  numa relação que uma das partes, ingenuamente, imaginava que seria para sempre. As empresas, diferente das pessoas, não tem alma, mesmo assim tentam mascarar com uma linguagem diferenciada o que nada mais é que um pé na bunda do trabalhador, pomposamente chamado de colaborador.  Esse processo ganha nomes sofisticados, como downsizing, reposicionamento, redirecionamento  ou mesmo renovação, como é o caso presente.

A verdade é que cada posto de trabalho que se vai, cada profissional que perde o emprego, cada enxugamento nas redações fragiliza nossa crença no Jornalismo como forma de expressão da sociedade e macula o que ainda nos resta de vocação. E só o que nos cabe  - e o que mais dói -  é uma inútil solidariedade