sábado, 31 de março de 2012

Deixar de fumar

Vou completar cinco meses sem fumar. É a quinta ou sexta vez que me submeto ao suplício de me apartar do cigarro e sempre digo que “agora é pra valer”.  Até então,  o “prá valer” valia até o primeiro churrasco ou o happy hour regado a muita bebida, a tragada inconseqüente e em seguida a dependência voltava mais forte, como a compensar o período de afastamento.

Devo confessar que já havia tentado de tudo para superar o cigarro: adesivo, sementinha na orelha, chiclete de nicotina, remédios milagrosos, mas o tabagismo vencia sempre. Em uma das recaídas cheguei a usar tudo ao mesmo tempo, enquanto continuava a fumar. Antes que eu me transformasse num homem-bomba o médico que me prescrevia os tratamentos achou mais saudável que eu ficasse apenas com o cigarro.  A experiência me leva ao convencimento  de que nada supera a força de vontade e a persistência, processos que adotei atualmente.
É dura a vida do quase ex-fumante. Escrevo 'quase' porque, segundo alguns especialistas, não haveria ex-fumante ou ex-alcoolista.  A gente ficaria dependente toda a vida, com o vicio à espreita, só esperando a vacilada para voltar com tudo e mais um pouco. Uma coisa é certa: não vou me transformar num quase ex-fumante chato, como alguns que conheço e que passam a patrulhar os que resistem heróicamente, os quais invejo no momento – os que resistem e não o chatos.

Mas, repito,é dura a vida do quase ex-fumante.  Além da barriga crescente, ainda mantenho alguns dos hábitos dos tempos tabagista, como deixar a mesa de refeições rapidamente para fumar aquele prazeroso cigarrinho. E todos sonhamos  com cigarro; sonhamos que voltamos a fumar e acordamos cheios de culpa pela recaída, o que mostra a intensidade do registro do vicio-prazer em nosso organismo e em nossa mente. O pior é que deixamos de ter sonhos eróticos para sonhar com cigarro.  A propósito, noite dessas resisti bravamente em sonho à oferta para dar umas tragadas.  Será  que estou curado, que voltarei a sonhar com lindas mulheres e não com cigarros? Aguardemos os próximos capítulos.


domingo, 25 de março de 2012

Caranguejópolis

Coisas estranhas estão acontecendo em Pequenópolis, capital de Rio Apequenado do Sul. Os professores são contra aumento de salário, ciclistas criticam a construção de ciclovia, urbanistas lideram a oposição ao projeto de recuperação da orla e por aí vai. São os “caranguejos do não”, uma minoria barulhenta e retrógada, em plena ação contra o que possa representar melhorias para todos. Os “caranguejos do não” detestam tudo o que pode dar certo.

 A eles veio juntar-se uma carangueja charmosa e tida como bem articulada que, a pretexto de saudar o aniversário de Pequenópolis, partiu para a desqualificação de tudo do espaço a ser homenageado, como se vivesse no pior dos mundos e tivesse soluções mágicas para todas as mazelas.  
Os argumentos de uns e outra são falaciosos, oportunistas, corporativistas, politiqueiros e, a rigor, não deveriam surpreender. Em Pequenópolis, como num cesto de caranguejos interesseiros, é assim que funciona: qualquer tentativa mais ousada de se sobressair é obstaculizada pelos crustáceos que puxam para baixo.  Desse jeito, Pequenópolis vai trocar de nome. Sugiro Caranguejópolis.

quinta-feira, 15 de março de 2012

O blogueiro que sabia demais

Começo a temer pela minha integridade física. É que por circunstâncias diversas e encontros variados passei a ser detentor de segredos que me tornam um sujeito muito perigoso, capaz de balançar o establishment e derrubar reputações tidas como ilibadas. Antes que os apressadinhos tirem conclusões equivocadas informo que nada tem a ver com o mundo da política ou mesmo com atividades profissionais.


Na verdade, tenho sido depositário de cabeludos segredos de alcova, inconfessáveis infidelidades matrimoniais, ardilosas maquinações em busca dos melhores prazeres dessa vida. Carreguei nos adjetivos porque as situações merecem. Não há o que não haja nesses tempos de relacionamentos fugazes.

O mais dramático é que me escolhem - homens e mulheres, sem distinções, nem preconceitos - para relatar as bandalheiras que cometem, logo eu que sou ex-atleta à beira de uma profunda depressão pela lembrança dos tempos do “era bom!”. Desse jeito, logo passarei a ser conhecido como “O blogueiro que sabia demais”, quem sabe tema para um best seller e mote para um oscarizável roteiro cinematográfico, o que só vai aumentar o perigo que me cerca.

Entre os casos, talvez possa relatar o sucedido com uma querida amiga. Foi assim: em uma festa num clube náutico deparou com um dos nossos poucos atores globais. A moça era bem ajeitadinha e recém havia sido brindada com uma foto num jornal local como “A bela da praia – Imcosul”. O patrocínio da promoção indica que o fato deu-se há muito tempo. A verdade é que a jovem, cheia de moral e munida de um pratinho de salgadinhos e das piores intenções, aproximou-se do galã, oferecendo os quitutes e algo mais, se a primeira oferta fosse aceita. O global polidamente recusou os acepipes, mas sua acompanhante (sim, ele estava acompanhado, mas mesmo assim foi assediado pela nossa amiga), fez menção de se apossar da bandeja.

- Ah, eu quero, falou dengosa a acompanhante.

- Sai pra lá, chinelona. Tu achas que eu ia trazer salgadinhos para ti, repeliu, com veemência, a assediadora.

Sem exageros, foi assim que aconteceu e hoje, passado alguns anos do episódio, a agora Senhora da Praia, filosofa.

- A rejeição é sempre ruim, só que eu fui rejeitada por um ator global, mas dei o troco naquela sirigaita.

Teria outras histórias bem mais escabrosas para contar da mesma pessoa e de outras que me cercam, mas por segurança me impus um silêncio obsequioso.

Porém, nem tudo está perdido, caríssimos. Também me relaciono com gente do bem, como um caro amigo, rapaz bem situado na vida que tem sido assediado ostensivamente por quatro ou cinco raparigas, uma mais linda que a outra. Mas ele resiste e sua arma de defesa contra as pretendentes é a reluzente aliança de noivado, que exibe tão ostensivamente como o assédio que sofre. A porção maldosa dos meus parceiros já faz apostas em relação ao tempo em que o jovem resistirá. Eu, como ainda acredito na humanidade e que o bem sempre vence, estou apostando todas as minhas fichas como ele não cederá às tentações. Inclusive, estou disposto a auxiliá-lo nesse enfrentamento...É só me convocar.

E assim, de história em história, vou acumulando informações e me tornando um perigo para os que me cercam e para mim mesmo. Prestem atenção: se algo me acontecer, procurem saber com quem almocei nos últimos dias. O suspeito (a) ou suspeitos (as)  certamente estarão entre os comensais...

quinta-feira, 1 de março de 2012

O presente

A historia é verdadeira, tem testemunha confiável, mas os nomes são omitidos por razões que vocês logo vão entender. Tudo começou quando o nosso bom parceiro X recebeu um inesperado telefonema no meio da tarde.

- X,  larga tudo e vem rápido aqui no meu escritório.
Quem fazia o apelo era Y, um amigo de fé, empresário bem sucedido e parceiro de  X em outras empreitadas.-

-  O que aconteceu, alguma coisa grave? preocupou-se X.
- Não, mas larga tudo e te manda pra cá, ordenou Y.

Agora mais curioso do que preocupado, X dirigiu-se ao escritório do amigo, na região central de Porto Alegre. Lá chegando foi apresentado uma moça, compenetradamente sentada no sofá do escritório.
- Querida, abre os botões do vestido, pediu Y, com um toque de delicadeza.

X ficou assombrado com o que viu. O vestido funcionava como uma capa: a moça não vestia nada por baixo. Loira natural, depilada, era do tipo mignon, mas naquelas circunstâncias apresentava-se como um monumento de mulher. E, para provocar ainda mais, fazia o gênero doce e meiga.  X quase teve uma ereção.
 Antes que o embasbacado X perguntasse, Y explicou o que significava tudo aquilo.

- O Z,  um  cliente meu, ligou hoje cedo dizendo que estava mandando um vinho de presente pelo meu aniversário.  Aí apareceu essa belezinha ai com o tal presente, mas pediu que eu fechasse a porta do escritório e abriu o jogo, faceira e maliciosa: “Doutor, o presente sou eu!”.
Dito isso, colocou-se à inteira disposição de Y, fornecendo inclusive a camisinha para a segunda parte da sessão.

- Humm, foi bom!, suspirou Y, acrescentando:
- Achei essa coisa tão extraordinária que precisava que alguém viesse aqui testemunhar. Obrigado,amigo pela solidariedade.

Solidariedade até por aí.  X confessa que morreu de inveja do parceiro, mas saiu de fininho deixando o casal à vontade, quem sabe para uma nova rodada.
Ao ouvir o relato dessa história me dei conta de como os meus amigos são sem imaginação. Eles só me enviam vinhos – mesmo -  de presente.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Nicolelis, encantador e perturbador

* Publicado originalmente em maio/2010, mas o tema está atualíssimo.

Foi perturbadora, para dizer o mínimo, a conferência do médico e cientista Miguel Nicolelis na abertura da edição 2010 do Fronteiras do Pensamento. Perturbadora porque não tinha idéia do alcance do trabalho desenvolvido à frente do Instituto Internacional de Neurociência de Natal-RN, nem maginava o avanço das pesquisas realizadas na Universidade de Duke-EUA e seu potencial de melhorias para a raça humana. A grande mídia parece não se interessar sobre os experimentos e os projetos do dr. Nicolelis.

As experiências com macacos - aos quais Nicolelis se refere amorosamente e não como simples cobaias -, trazem esperança de devolver a mobilidade a portadores de necessidades especiais, por meio das chamadas próteses neurais – equipamentos eletrônicos que podem ser acionados por sinais cerebrais. Igualmente, as pesquisas buscam apontar caminhos para os portadores de doenças degenerativas, como o Mal de Parkinsom - no caso as experiências são com camundongos.

Nicolelis, 49 anos, palmeirense fanático, não se limitou ao relato de cases, mas mostrou macacos e camundongos em ação, durante as experiências, com resultados visíveis. É impressionante o vídeo em que uma de suas macacas preferidas (seria a Aurora?) joga videogame, comandando por estímulos cerebrais um braço mecânico localizado em outra sala. Detalhe importante: a macaca várias vezes tenta trapacear no jogo, como se fosse um humano qualquer. É isso que também me leva a considerar perturbadora a exposição de Nicolelis. Ao assistir aos vídeos a relação obrigatória foi com a obra O Planeta dos Macacos, na qual os símios, de evolução em evolução, acabam dominando a Terra, transformando em escravos os decadentes humanos. Prefiro pensar que as experiências dos neurocientistas vão trazer novas e boas perspectivas para futuro da humanidade. Certamente é isso que move o dr. Nicolelis e suas equipes, nos EUA e aqui.

A conferencia foi também encantadora quando Nicolelis revelou a grande dimensão social do trabalho realizado em Natal, não apenas nos bem aparelhados laboratórios, mas envolvendo crianças e jovens da periferia em uma das áreas mais carentes do país. Um trabalho de iniciação científica e inclusão social de valor incalculável, por meio da Fundação Alberto Santos Dumont que empresta seu apoio a todo o projeto.

A escolha de Santos Dumont para batizar a Fundação não é aleatória. O “Pai da Aviação” é inspiração para Nicolelis. O cientista se emociona quando vincula a obra do brasileiro que tornou realidade o sonho de Ícaro com o trabalho desenvolvido em Natal. Santos Dumont sonhou e foi atrás da realização de seu sonho. E é disso que Nicolelis fala e destaca: de gente que sonha e realiza, que promete e entrega, que projeta e faz acontecer; na crença na energia humana a serviço do bem-comum.

Trata-se de um Paulo Coelho da Ciência, questiona alguém? Devagar com o andor, porque o misticismo passa ao largo das argumentações do pesquisador, seus conteúdos têm sólida base científica e resultados demonstráveis para reforçá-los.

Nicolelis foi aplaudido de pé pelo público que lotou o Salão de Atos da Ufrgs, segunda-feira à noite. Acredito que seja a primeira vez que isso acontece no Fronteiras. O nosso Santos Dumont da neurociência já merece o Prêmio Nobel de Medicina para o qual está sendo cogitado

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Quase um ermitão

Do jeito que 2012 está se comportando vou acabar fugindo para as montanhas e virar ermitão. Só assim  para conviver com uma realidade que dá de goleada na ficção nesse início de ano.  Já nem falo da rotina dos edifícios desabando, da crueldade de bebês abandonados e dos assaltos cinematográficos à bancos. O que está pautando agora esse arrancada de um ano,  já prenhe de acidentes, incidentes e incidências incomuns,  são alguns estudos e pesquisas surpreendentes, tão surpreendentes como o fato de Wando deixar de ser brega e virar chic e cult, ao partir desta para melhor.

Até mesmo o sisudo judiciário está contribuindo para a perplexidade geral nesses tempos confusos, tanto assim que o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a prisão domiciliar de um morador de rua preso em flagrante sob acusação de furto.  Detalhe é que o cidadão pode ser preso a qualquer momento por não cumprir a decisão judicial de ficar em casa...

Agora se vocês estão pensando que decisões judiciais absurdas são privilégio do Brasil, olha só o que aconteceu na Flórida (EUA): um juiz resolveu meter a colher em briga de marido e mulher e obrigou o sujeito a levar a madame para jantar no local escolhido por ela. E mais: deveria presenteá-la com flores, acompanhadas de cartão romântico e, suprema decisão, levá-la a um boliche.  Tudo porque o réu havia agredido a esposa depois que ela exigira sair para comemorar o aniversário. Não há o que não haja. Ou como diria um operador do direito, das nossas relações: “Me tira o tubo”.
E como encarar as tais pesquisas de resultados surpreendentes? Os estudos envolvendo a cerveja são típicos.  Instituições insuspeitas já haviam divulgado pesquisas dando conta de que a loura gelada fortalecia os ossos, combatia o diabetes e contribuía para evitar ataques cardíacos.  Agora, contrariando todas as evidências, uma pesquisa da Universidade de Barcelona com 1.249 homens e mulheres , após investigar se a cerveja é a principal responsável pela “barriguinha saliente” em consumidores da bebida, chegou a conclusão que, em vez de fazer engordar, a cerveja, na verdade, evita o ganho de peso.  

Falta dizer que a “barriguinha” ganhou uma adesão de peso, sem trocadilho. Trata-se da psicóloga e especialista em sexologia, Carla Moura, que publicou artigo aconselhando as mulheres a darem preferência aos barrigudinhos nas suas relações. Segundo a doutora, minha nova ídala, "homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo; eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar,a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz".  Depois dessa, suspendi de vez as sessões da academia e as caminhadas matinais.

A verdade é que, mesmo que sejam favoráveis, tais pesquisas desafiam o senso comum e deitam por terra as mais arraigadas convicções. Mas nada, nada mesmo, me deixou mais tonteado nesse inicio de ano que ver uma foto do Zeca Pagodinha bebendo...água! Ai já é demais. Fui pras montanhas esperar o  fim dos tempos.  


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Balseira do ciberespaço

* Publicado originalmente em janeiro de 2010, mas atual como nunca

Um dos bons presentes que ganhei recentemente foi o livro “De Cuba, com carinho”, de Yoani Sánchez. Ela escreve um dos blogs mais visitados em todo o mundo, o Generacion Y, com milhões de acessos, mas quase não consegue ser lida em Cuba pela óbvia razão de que o governo não tem o menor interesse em que seus conteúdos sejam difundidos entre a população local. Isso não impediu Yoani foi eleita pela revista Times uma das mulheres mais influentes do mundo e ganhasse em 2007 o prêmio Ortega e Gasset de jornalismo digital – que não pode receber pessoalmente na Espanha!

Formada em Filologia Hispânica, essa balseira do ciberespaço, como ela mesmo se define, escreve admiravelmente bem porque com simplicidade. Cada palavra e cada frase está no seu devido lugar e cumpre sua função, talvez porque a parcimônia nos seus textos reflita a própria Cuba de hoje, que impôs a seus filhos privações de toda a ordem e é preciso saber conviver somente com o essencial, inclusive para se comunicar. Mas diferente da situação do país, o resultado do trabalho de Yoani é harmonioso, mesmo com a dureza com que ela trata dos assuntos, sem meias palavras para criticar os dirigentes cubanos ou para descrever as difíceis condições de vida dos hermanos.

Yoani e Generacion Y são exemplos de resistência ao totalitarismo, clamor por mais liberdade, um grito de esperança, alternando destemor e medo diante das ameaças, tudo isso com muito amor pelo seu país e apesar das imensas dificuldades de acesso à rede e do absoluto controle e restrições governamentais.

Entretanto, aos 35 anos Yoani parece desencantada com o futuro de Cuba, nem tanto pela falta de liberdades ou pela carência dos bens mais básicos, mas pelo fim das ilusões que transformou os cubanos em um bando de embusteiros, diferente do povo que recuperou sua dignidade nos primeiros anos da revolução. Enganar o governo sempre que possível, encontrar formas de burlar as determinações legais para o bem e para o mal, apelar para o mercado negro ou simplesmente dar as costas à Ilha e buscar o exílio é o que move hoje a maioria dos 11,5 milhões de cubanos. Yaoni preferia que toda esta energia fosse direcionada para a luta contra a ditadura castrista, por isso extravasa seu ressentimento em alguns textos. "Medalhistas de Vermelho" é um dos textos que reflete bem como se dão as relações na Cuba de hoje:

Existe entre nós um esporte praticado com freqüência, mas cujas estatísticas e incidências não são mencionadas em lugar algum. Trata-se da modalidade esportiva de devolver a carteira do Partido Comunista, para a qual muitos dos meus compratriotas vêm se preparando durante anos. O mais importante é treinar os sentidos para encontrar o momento adequado de levantar-se na assembléia e dizer "companheiros, por motivos de saúde não posso continuar arcando com a tarefa que voces me confiaram". Há quem alegue ter uma mãe doente – de quem terá que cuidar – e outros manifestam sua intenção de se aposentar para tomar conta dos netos. Poucos dos testemunhos dos que encerraram a militância contém a confissão honesta de terem deixado de acreditar nos preceitos e princípios que o Partido impõe.

Conheço um que encontrou um modo original de escapar das reuniões, das votações unânimes, dos chamamentos à intransigência e das freqüentes mobilizações do PCC. Como um boxeador, treinado para agüentar até que soe a campainha, compareceu ao que seria seu último encontro com o núcleo partidário de seu local de trabalho. Supreendeu a todos pelo argumento inusitado, um verdadeiro swing de esquerda que ninguém esperava. “Todo o dia compro no mercado negro para alimentar minha família e isso um membro do Partido Comunista não deve fazer. Como devo escolher entre colocar alguma coisa no prato dos meus ou acatar a disciplina desta organização, prefiro renunciar.” Todos na mesa se entreolharam incrédulos, “mas Ricardo, o que você está dizendo? Aqui a maioria compra no mercado negro”. O ‘golpe’ que vinha ensaiando encerrou com chave de ouro o breve assalto: “Ah...então eu vou embora, pois não quero pertencer a um partido de dissimulados, que dizem uma coisa e fazem outra”.

O livrinho vermelho, com seu nome e sobrenome, ficou sobre a mesa à qual nunca mais voltou a sentar-se. A medalha de campeão, quem lhe deu foi a própria mulher quando chegou em casa. “Finalmente se livrou do Partido”, disse ela, enquanto lhe sapecava um beijo e lhe passava a toalha.
"

Não é preciso dizer que recomendo com entusiasmo "De Cuba, com Carinho", de Yoani Sánchez (Editora Contexto).

sábado, 28 de janeiro de 2012

Será o fim dos tempos? - parte II

                                         Barbeiragem náutica nos EUA.

A arrancada de 2012 realmente é de preocupar qualquer vivente. O ViaDutra já havia registrado sua perplexidade com alguns acontecimentos um tanto fora do comum nos primeiros dias do ano e o caso mais notório é do meio naufrágio do navio Costa Concórdia. O mês de janeiro nem terminou e a bruxa continua à solta.  No Rio, alguém fez alguma bobagem num prédio de 20 andares, que veio a abaixo e derrubou outros dois.  O mais interessante é observar os especialistas tentando explicar o ocorrido e a forçação de barra das TVs para transformar a tragédia em mini seriados dramáticos no caso de cada uma das vítimas.

Mas não sejamos injustos com o Rio, imaginando que esse tipo de tragédia só acontece em terras cariocas. Nesta mesma semana foi noticiado, timidamente, pela mídia  o desabamento de um cassino em construção em Cincinatti, EUA, ferindo 13 operários.  E sem intenção de livrar a cara do comandante Francisco “Vade a bordo” Schettino, ainda nos EUA, a barbeiragem de outro comandante num cargueiro arrancou parte de uma ponte no rio Kentucky, sem vítimas.  É isso, soltaram a bruxa.
Por aqui, um acidente operacional com uma boia transformou Tramandaí em notícia nacional e quiçá internacional, com vazamento de mais de uma tonelada de óleo. Teve gente torcendo para que a quantidade fosse maior – é essa mania de grandeza dos gaúchos.  E só assim mesmo para o nosso litoral virar notícia.

E o que dizer da interdição pela vigilância sanitária do incensado Pampa Burger, na Cidade Baixa? Causou comoção entre os gaúchos de fé que os lanches do estabelecimento que veio para fazer o contraponto  gaudério aos globalizados McDonald’s e Subways fossem causadores de transtornos intestinais em vários consumidores.

O Pampa Burger, forçando a barra, seria a versão lanchonete do Fórum Social Temático (ex-Mundial) que foi criado como contraponto a outro movimento, o capitalista Fórum Econômico Mundial, de Davos.  A propósito, andei circulando pelos espaços do nosso Fórum e fiquei encantado com a fauna humana atraída pelo evento. Pensei ter voltado anos 70 do século passado. Era um autêntico desfile da moda riponga: aquelas saias longas, vestidões floridos, camisetas, sandálias e chinelos, bolsas de lona atravessadas e, em alguns casos, moderníssimas – no contexto -  pochetes. De moderno, o FST contribuiu para minha erudição com um novo termo: coletivo de hackers, ouvido de um representante do Ministério da Cultura, quase um clone do ex-ministro Gilberto Gil no palavreado.

Enfim, são incidências e acidentes deste 2012 que recém está iniciando e que promete. Será prenúncio do fim dos tempos?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sessão desapego

Entrei num processo sofrido de desapego.  Aos poucos, comecei a me livrar de roupas, sapatos, papelada e objetos que já tiveram sua utilidade, mas agora só ocupavam espaço.  Fisicamente o espaço foi recuperado, mas há um outro espaço, o das lembranças, que se vai  junto com o descartável.  Se o que agora foi liberado resistiu tanto tempo junto da gente é porque certamente evocava boas lembranças. Por isso, recuso-me a tratar o descarte como entulho.  Na verdade, é preciso uma boa dose de coragem para o desapego, que é renúncia e despojamento, mas que não deixa de ser também uma forma de traição ao abrir mão do que vale a pena recordar, substituindo por novos focos de atenção.

Lá se foram camisas puídas de tanto uso e só estavam nesse estado deplorável porque eram as preferidas. Minhas queridas camisas azuis quadriculadas, que lástima. Junto foram aqueles sapatos confortáveis que, de tão usados, já deixavam a desejar na pisada e nem suportavam mais um trato do engraxate.  Não sei se ocorre igual com vocês, mas independente do numero de peças de vestuário e calçados disponíveis, a gente acaba usando sempre os mesmos e os mesmos sempre.  Vá explicar.
A papelada é o que merece ainda uma atenção especial porque ainda há muito para ser descartado. Mas a cada descoberta nas inúmeras caixas e pastas instala-se a dúvida: será que não vou precisar disso mais tarde? Mania de jornalista que ainda não enveredou para os arquivos digitais.  

E o que fazer com aqueles objetos que um dia representaram afeto e atenção?  Retornar as origens é preciso, que é a forma de desapego pelo que não quer valer, como no verso de Clarice Lispector. O que sobrar vai para a coleta seletiva, que não tem o mesmo apelo poético, mas fazer o quê?!
“Afinal, se coisas boas se vão é para que coisas melhores possam vir. Esqueça o passado, desapego é o segredo”. Voto com o relator, que seria o grande Fernando Pessoa. E se não for, assino embaixo assim mesmo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Será que é o final dos tempos?

O saudoso Evaldo Gonçalves, patrono da Confraria da Caveira Preta, usava uma frase curta e exclamativa para expressar sua perplexidade diante de alguns acontecimentos nos anos 90: “Que fim de século!”. Aproveito o mote para registrar a minha perplexidade com os fatos que marcam a arrancada de 2012: “Que início de ano!”.

Já nem falo dos desastres naturais provocados pela chuva no Rio e em Minas e da estiagem no amado Rio Grande porque isso tem sido recorrente, mas no que tem figurado no noticiário de forma patética, bizarra ou perturbadora, beirando o inverossímil.

O que foi o absurdo desse naufrágio na costa italiana? Como explicar que um navio com toda a tecnologia disponível assuma sua versão Titanic e, pela decisão de um único homem, provoque dezenas de vítimas? É absolutamente inacreditável que o comandante, a propósito de homenagear ex-companheiros, tenha levado um transatlântico do tamanho de três campos de futebol e 114 mil toneladas, com mais de 4,2 mil pessoas a bordo, a apenas 150 metros de uma costa rochosa. Pois, tudo indica que foi isso que a aconteceu.

Abaixo do Equador as notícias não são tão trágicas, mas assim mesmo causam perplexidade, quando não são risíveis, como a do ladrãozinho que roubou o celular “de uns magros” e gravou no aparelho um vídeo narrando, qual um Galvão Bueno matuto, o malfeito perpetrado. Aconteceu em Passo Fundo e o babaca acabou identificado e preso. Já em Teixeira de Freitas, na boa terra baiana, dois presidiários foram descobertos quando tentavam fugir da penitenciária vestidos de mulher. Foram denunciados pelo jeito de andar... Cena de filme pastelão.

E tem ainda os casos das contravenções de trânsito de ministros e deputados, numa onda crescente nesse alvorecer de 2012. A melhor – ou pior? - desculpa ainda é a do ex-sem terra, agora um sem-carteira,o deputado Dionilso Marcon. Flagrado dirigindo com a carteira suspensa por excesso de multas, o sem noção primeiro culpou o PM que o abordou e depois alegou desconhecer que estava penalizado.

E o tal de Enem não cansa dos nos surpreender, mas está se superando neste início de ano. Uma candidata que deixou a prova em branco acabou ganhando  nota maior que a mínima, enquanto mais de uma centena de candidatos tiveram que recorrer dos resultados por causa de erros na correção das provas. Pior são as respostas do MEC, sempre com erros gramaticais, às consultas e reclamações dos estudantes.

Nada supera, porém, o BBB como tema polêmico num país que parece não ter outros problemas. Foi estupro, abuso sexual, sexo consentido? Essa é a discussão que mobiliza o Brasil inteiro, por quase uma semana, a propósito de uma transa entre dois participantes (homem e mulher, para deixar claro), após uma festa regada a muito trago. Os oportunistas de ocasião aproveitam para demonizar a rede Globo, responsabilizada por todas as mazelas do Brasil. Todo mundo tem opinião a respeito e o coitado do Veríssimo tem que explicar que não é dele um texto que corre a Internet metendo pau no programa e na Globo. Ah, 2012...

Até a ficção está me deixando atordoado. A minissérie “O brado retumbante” mata presidente e vice da República num mesmo acidente de helicóptero, quando qualquer pessoa medianamente informada sabe que os protocolos de segurança impedem que as duas autoridades sigam nos mesmos vôos. Bem, depois que a Dercy Gonçalves virou puritana em outra minissérie, não duvido de mais nada. Assim vou acabar dando razão ao Previdi (http://previdi.blogspot.com): O fim do mundo está próximo!!!