terça-feira, 30 de agosto de 2011

Abrindo a Caixa de Pandora

Legado, gosto desta palavra e uso-a com freqüência. Legado passa uma idéia de permanência, do que fica de positivo de um período, um testamento para o futuro, mas pode ser também um ônus que se repassa, vide o que está ocorrendo com a presidente Dilma em relação a algumas parcerias herdadas.


O dilema da dona Dilma é o mesmo que, mais dia menos dia, queiramos ou não, somos obrigados a enfrentar. É a hora de verdade, um exercício sofrido de avaliar o que se fez e o que vamos deixar, e isso exige que se abra a Caixa de Pandora da nossa existência. O que vai surgir nem sempre é o melhor do gênero humano e muito pouco da grandeza da missão que nos foi confiada. As expectativas que nos impuseram podem não ser correspondidas, gerando frustrações e desafeições, incompreensões e amarguras. Tanta coisa ficou pelo caminho, num descompasso entre o que se sonhou e o que virou entrega. Um passivo difícil de encarar e os oportunistas estão de plantão para cobrar.

O melhor legado é aquele que enobrece o testamenteiro, mas vamos combinar que todos nós olhamos para o nosso umbigo e o legado só é bom se houver um ganho pessoal e imediato, porque assim caminha a humanidade. O melhor legado, portanto, não existe.

Certamente não estamos falando de bens materiais, que logo se dissipam porque não foram conquistados, mas de valores, atitudes e boas prática, estes sim legados positivos, mas tão difíceis de serem compreendidos e quantificados.

Ter consciência desse processo é só o que conforta.







domingo, 21 de agosto de 2011

Estranha obsessão

Conheço gente que tem fixação em assuntos mortuários. O caso mais notório é o do Paulo Sant’Anna, que está fazendo seu necrológico em etapas  e deixando o legado de suas crenças e valores, afetos e desafetos, em colunas seriadas. A bem da verdade, essa obsessão do Sant’Anna não é de hoje. Na antiga redação de esportes da Zero Hora, o pessoal folgava com ele - que não perdia enterro e fazia questão de pegar na alça dos caixões, sempre na primeira e mais nobre posição -, antecipando que ele encontraria uma forma de segurar a de seu próprio ataúde. Reprovável esse humor negro!

Outro amigo, das relações do Sant’Anna e minha, só me liga para dar notícia ruim, de conhecidos ou nem tantos que se foram deste vale de lágrimas. Toca o celular e lá vem ele com a notícia impactante, sem qualquer preparação prévia:

- Morreu o fulano! Preciso saber se tu pretendes ir ao enterro.

É assim, de supetão. Com o tempo cheguei a conclusão que o tal parceiro me liga não para que me solidarize com os familiares do defunto, mas para gozar da minha carona. Pior é quando ele fica sabendo do falecimento após o enterro. O sujeito se martiriza.

- Fiquei sabendo da morte do fulano pelo jornal, que coisa! Por acaso, vais à missa de 7º Dia?

Esse amigo, mais um grupo de jornalistas bandalhos, participava de uma tal de Confraria da Caveira Preta, que se reunia mensalmente, entre iguarias gastronômicas e muitas cervejas, para conferir a lista feita no início do ano dos que apostavam que seriam chamados para outra dimensão, durante o período. Cada confrade tinha direito a 10 votos e quem acertasse o maior número de vítimas não pagava o jantar de fim de ano. Valia incluir desafetos, gente tida pela bola sete e personalidades em geral. Os indicados não podiam ser repetidos nas diferentes listas. De tanto ser votado, o Sant’Anna decidiu participar também da confraria e ganhou imunidade, pelo menos naquela congregação.

Pelo que soube, a confraria se desfez depois da morte de seu patrono, o queridíssimo Evaldo Gonçalves.

Outro caso sobre o mesmo tema me foi contado por uma dileta amiga. Um tio da moça fez um estranho pedido à família, antecipando o post-mortem: queria ser cremado e que um tantinho das cinzas fosse colocado numa caixa de fósforos e depositado em um canto discreto da Abadia de Westminster, na Inglaterra:

- Assim vocês poderão se orgulhar de ter um parente com seus restos mortais repousando junto a reis e rainhas, justificava o cidadão.

De minha parte, tenho apenas uma preocupação, já repassada a amigos e parentes: no meu velório, que demore em chegar, fiquem atentos às mulheres de óculos escuros. Se for desconhecida da maioria, aí mora o perigo. Intervenham. Não quero vexames na minha despedida.



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Era bom!

Estou empenhado em reunir um bom número de pessoas, preferencialmente homens, em torno de uma confraria que será denominada de “Era bom!”. Não haverá qualquer preconceito quanto à idade dos participantes, mas acredito que o mote que vai nos reunir não será atraente para os mais jovens.

A proposta é ensejar o encontro de pessoas que tem em comum o fato de terem abdicado de um dos melhores prazeres que a vida pode nos proporcionar e para isso é preciso ser firme nas decisões, o que requer maturidade. É coisa para sessentões ou mais. O peso dos anos exige cuidados extremos no enfrentamento de certos desafios. A resposta do nosso corpo não é a mesma de anos atrás quando traçávamos o que vinha pela frente. Nem a evolução da medicina, com suas panacéias, consegue minimizar os efeitos danosos de uma extravagância, a demandar esforços que os nossos órgãos não podem suportar.

Temos que ter consciência dos nossos limites, fugir às tentações. Por isso, ao criar a “Confraria do Era Bom” já vamos lançar o nosso slogam: gordura, nunca mais!

Adesões em aberto no Via Dutra.

sábado, 13 de agosto de 2011

Mais de 10 mil !

O reloginho aí ao lado indica que o ViaDutra superou os 10 mil acessos. Como diria o Anselmo Gois, não é nada não é nada, não é nada  mesmo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O Dia dos Filhos

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, prestes a começar seu ciclo de pai. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.

Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos.



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Olhar profundo na minha alma

Estava eu a fumar, algo distraído, na entrada da Galeria Pacífico na calle Florida, em Buenos Aires, quando fui interpelado por uma jovem alta e bonita. Antes que os maldosos comecem a fazer ilações indevidas, devo acrescentar que a moça logo perguntou qual o meu signo. Ainda impactado pela abordagem inesperada, custei a revelar que sou capricorniano da gema. Foi então que a porteña me alcançou um cartão, explicando que estava realizando um trabalho de arrecadação de fundos para os “descamisados” de Buenos Aires – “é igual aos favelados do Brasil”, acrescentou -, um reforço na argumentação para me arrancar alguns pesos ou talvez porque minha cara revelasse que não estava entendendo nada.

Saquei 10 pesos (cerca de R$ 4,00) e entreguei à moça que saiu bem faceira à procura de outros senhores distraídos. Foi então que me interessei em ler os textos do cartão e fiquei estarrecido. Ao descrever as virtudes e defeitos dos capricornianos, o conteúdo mergulhou fundo na minha alma, revelando nuanças e subterrâneos que nem os mais próximos suspeitam. A confrontação com o meu verdadeiro eu, estampado na pequena cartela, foi uma experiência perturbadora, ainda mais que sou um cético assumido em relação a tudo que cheire à crendice, o que, aliás, é próprio dos pragmáticos nativos de Capricórnio.

Num ímpeto, sai à procura da jovem para saber a origem dos cartões e também para adquirir de outros signos, mas ela já havia sumido no fim de tarde gelado de Buenos Aires. Só me restou ler e reler minha melhor virtude e meu pior defeito, entre outras revelações que, por modéstia de um lado e embaraço de outro, não vou socializar aqui. Se quiserem saber, se mandem para Buenos Aires e tentem achar a moça alta a bonita na calle Florida, entre Lavalle e Córdoba.

A propósito de Buenos Aires, a cidade continua charmosa e infestada de brasileiros. Os porteños são um tanto graves para o meu gosto, mas me sinto à vontade entre eles, especialmente quando estou à frente de um prato com aquelas carnes maravilhosas e um malbec de boa cepa. Meu nenê Mariana vive lá desde outubro do ano passado e se adaptou bem à cidade. Em dúvida, nossa delegação – a Santa, mais a Flávia, o Rodrigo e a irriquieta Maria Clara – recorria ao espanhol, com acento de Buenos Aires, da nossa embaixatriz.

No domingo ocorreu a disputa pelo segundo turno das eleições municipais entre o atual prefeito Maurício Macri e o candidato da presidente Cristina Kirchner, o senador Daniel Filmus. Macri venceu com facilidade, obtendo mais de 64% dos votos e se firmou com a principal referência da oposição na Argentina. Entretanto, o que me chamou a atenção, acostumado que estou às duras e agitadas disputas municipais em Porto Alegre, foi a discreta campanha em Buenos Aires. Não fossem os cartazes nas ruas e inserções de péssima qualidade nos canais de TV, a eleição passaria despercebida. Nada de comícios, nem passeantes, nem carreatas ou qualquer outro tipo de manifestação que lembrasse de perto uma campanha política. Alô marqueteiros políticos: a Argentina é logo ali e há um grande vazio a ser ocupado.

domingo, 24 de julho de 2011

Meninos, eu vi

A marcha do tempo é cruel, não tem me poupado, mas pelo menos minha memória não me trai quando o assunto diz respeito a alguma abobragem do passado. Quando lembro, por exemplo, que já andei de bonde – e muito – as pessoas ficam me olhando desconfiadas. É, Porto Alegre tinha bondes e até ônibus elétrico, conhecido como trólebus e que a Carris quer resgatar agora. Também viajei de trem, de Porto Alegre à Bento Gonçalves, e hoje o que temos é o Trensurb.


Não é para contar vantagem, mas lembro que assisti à primeira novela diária da TV brasileira na extinta TV Excelsior, transmitida aqui pela TV Gaucha, hoje RBS TV: um dramalhão chamado “ 25499 Ocupado”, no qual Glória Menezes interpretava uma vilã e a mocinha era Lolita Rodrigues. O ano era 1963 e foi nessa novela que o Tarcisio Meira iniciou sua longa e bem sucedida carreira de canastrão.

Minha memória alcança até os programas que a Hebe Camargo apresentava semanalmente na ex-TV Piratini, onde assisti também, acreditem, a um programa de entrevistas apresentado, com voz doce e cabelo engomado, pelo Edemar Tutikian, o executivo governamental que levou adiante o projeto do Cais do Porto. Já nem falo do Conversa de Arquibancada e do Ringuedoze e das séries Bonanza, a primeira à cores, o Homem de Virgínia, Os Intocáveis, Papai Sabe Tudo, I Love Lucy, a nacional Vigilante Rodoviário e tantas outras que fizeram sucesso nas décadas de 60 e 70 do século passado...

Estive presente no auditório da Rádio Farroupilha, na Siqueira Campos e bati palmas para o Ari Rêgo e as atrações do Clube do Guri, mas não lembro de ter visto a Elis Regina cantar naquele palco. Ouvi transmissões esportivas com o Ataídes Ferreira, Euclides Prado, Mendes Ribeiro, Guilherme Sibemberg, Antonio Carlos Rezende e tive o privilégio de trabalhar com o Geraldo José de Almeida na TV Difusora, hoje Band.

Não tenho como provar, mas assisti a um jogo de amadores no estádio Tiradentes, o Alçapão da Sertório, quando tinha 8 ou 9 anos - o time do Renner, dono do local, agonizava ou já estava licenciado. Já dei minhas botinadas no antigo estádio do Cruzeiro, a Colina Melancólica, hoje Cemitério João XXIII e torci para o Força e Luz, nas arquibancadas de madeira trocadas pelo zagueirão Airton do estadinho ali do bairro Rio Branco, quando meu amigo Beto D’Alascio capitaneou uma fugaz volta do Forcinha ao futebol.

Tive todo o tipo de Fuscas e Brasílias e pelo menos um Corcel. Todos prestaram inestimáveis serviços, mas pelo menos nisso concordo com o Collor: eram umas carroças comparadas aos carros de hoje. Já me exibi com camisas Volta ao Mundo, blusas de banlon, calças de tergal e dei bicancas com tênis Bamba, aqueles de sola alta, tipo All Star, que depois viraram fashion e são indispensáveis para os descolados de hoje. Fumei Minister e Continental sem filtro, acesos com isqueiros Ronson, fedendo a fluído. Bebi muita Polar Export original e gostava de uma Grapete e de um Ki-Suco.

Faço essas reminiscências sem saudosismo, mas para mostrar que, apesar de usado e gasto pela passagem do tempo, minha memória segue viva e afinada, inclusive para os detalhes de acontecimentos bem remotos. O problema é que só não lembro onde deixei os óculos e o celular. Será o “alemão” me rondando?

sábado, 16 de julho de 2011

Teste para jornalistas: qual o seu nível de vaidade?

 Do blog “Desilusões Perdidas” (http://desilusoesperdidas.blogspot.com),  de Duda Rangel. Até o Noblat repercutiu. Então, deve ser bom.


Responda às questões e descubra. O resultado está no fim do post.

1) O que você faz quando tem uma matéria assinada na capa do jornal?

A) Mostra o jornal para a família, amigos, para a torcida do Flamengo.

B) Guarda o jornal e, vez ou outra ao longo do dia, dá uma paquerada na capa.

C) Não se ilude. Sabe que, no dia seguinte, aquele jornal vai enrolar peixe na feira.

2) Se alguém de outra área lhe diz que ser jornalista é o máximo do glamour, você...

A) Concorda que é um ser humano especial e pergunta se a pessoa não quer um autógrafo.

B) Agradece meio encabulado: “Nem tanto, nem tanto”.

C) Responde: “Dá uma olhada no meu extrato bancário e depois me diz o que é glamour”.

3) Como você gosta de se vestir na redação?

A) Super descolado e de acordo com as tendências da moda.

B) Sem exageros, mas sempre com a camisa e a calça passadinhas.

C) Tênis sujo, calça rasgada e camiseta do Seu Madruga de Che Guevara.

4) Você gostaria de ganhar um Prêmio Esso?

A) Lógico, eu vivo para isso.

B) Ficaria muito feliz.

C) Caguei para o Esso. Prefiro ganhar a Mega-Sena acumulada.

5) Se alguém lhe pergunta se foi difícil entrevistar o Rodrigo Santoro, você...

A) Diz que foi uma moleza, afinal você é amigão do Rô.

B) Diz que foi difícil, mas que sua boa relação com o assessor do ator ajudou.

C) Confessa que as declarações foram dadas numa entrevista coletiva, com outros 37 jornalistas.

6) Você é um apresentador de TV. Ao sair uma noite para jantar, não é reconhecido por ninguém no restaurante. O que você faz ao chegar em casa?

A) Se entope de Prozac para não cometer suicídio.

B) Acredita que só não foi reconhecido por estar de óculos e boina.

C) Descobre o lado bom do anonimato: pôde jantar sem ninguém enchendo o saco.

7) Ao entrar na área VIP de uma festa, ao lado de celebridades, você...

A) Cumprimenta a Gisele Bündchen (“Gi”) como se fossem íntimos há 20 anos.

B) Faz fotos da festa com seu celular pré-pago para colocar no Facebook.

C) Acha tudo aquilo muito chato e sente saudade do boteco ao lado da redação.

8) Como você reage a uma crítica negativa ao seu texto?

A) Fica puto da vida, afinal como podem falar mal de um texto tão perfeito?

B) Finge que aceitou as críticas e não admite para si que o texto está ruim.

C) Reconhece que o texto ficou mesmo uma merda.

9) Quando algum entrevistado elogia publicamente sua pergunta em uma coletiva de imprensa, você...

A) Faz que não ouviu o elogio e pede para ele repetir o que disse em voz mais alta.

B) Se imagina mais tarde na redação contando o elogio para o chefe.

C) Preferiria ter recebido uma resposta interessante à sua pergunta.

10) Se você é demitido do jornal porque fez uma cagada, você diz aos amigos que...

A) Pediu um ano sabático ao editor para se reciclar. Talvez uma viagem para Viena.

B) Foi vítima do processo de downsizing da redação.

C) Revela que matou Itamar Franco três dias antes da morte oficial.

RESULTADOS

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “A”: O seu nível de vaidade é comparável ao de publicitários loucos para ganhar um Leão de Ouro em Cannes. Você tem certeza que é o fodão, o semideus, praticamente um Arnaldo Jabor. Se liga, mané!

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “B”: Você é vaidoso, sim, mas ainda dentro de um padrão de normalidade. Não é o caso de você ser encaminhado ao consultório de um psiquiatra. Só tome cuidado para não pular para a letra “A”, ok?

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “C”: Você é o jornalista-Amélia, aquele que não tem a menor vaidade. É um tipo raríssimo, mais difícil de ser encontrado do que jornalista que não reclama ou jornalista que ganha bem.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Pessimismo e modernidade


O “Fronteiras do Pensamento” trouxe segunda-feira, 11, ao Salão de Atos da UFRGS o filósofo Luiz Felipe Pondé. Confesso que não conhecia Pondé, embora ele escreva regularmente na Folha SP e já tivesse participado de uma edição do Festival de Inverno, a convite do bom secretário municipal da Cultura, Sergius Gonzaga. Assíduo que sou do “Fronteiras”, o que posso acrescentar é que poucas vezes vi uma platéia tão atenta, eletrizada até, com a prosa vivaz, bem humorada e recheada de referências históricas, como ocorreu na conferência de Pondé. Como não sou egoísta, reproduzo uma boa síntese de Sônia Montaño sobre a conferência “Pessimismo e Modernidade”.

O conferencista, o filósofo Luiz Felipe Pondé, se propôs a responder e respondeu à pergunta que deu título a sua fala: Seria o pessimismo mais inteligente? Conforme o professor da USP, a pergunta nasce do fato de que a maior parte dos intelectuais só fala em desgraça. Ao mesmo tempo, “pessimismo” e “otimismo” apresentam suas dificuldades por não serem conceitos, são termos escorregadios que podem significar muitas coisas. Para Pondé, os avanços do mundo acontecem porque grande parte de filósofos, escritores e cientistas continuam a ser pessimistas. “Uma pessoa que sempre está alegre, você se pergunta se sabe o que está acontecendo à sua volta”, brincou o filósofo. O pessimismo, então, seria mais inteligente?


Refletindo sobre o dualismo pessimismo–otimismo no mundo ocidental, o colunista da Folha de S.Paulo lembrou que esperança é essencial para os seres humanos, e entre os pessimistas da história ocidental estariam o gnosticismo e o cristianismo, mas não só, o pessimismo teria prevalência na história do pensamento. Entre os exemplos de otimistas, o conferencista lembrou a filosofia grega, que é uma reação à tragédia grega, pessimista por natureza. “A filosofia, – Sócrates, Platão, Aristóteles – investe na ideia de autonomia do ser humano. Com o tempo ela cria um problema. A ideia de autonomia como capacidade do ser humano orientar a vontade a partir do intelecto ganha contornos sombrios na história ocidental”, explica Pondé.


Os dois humanismos


No Renascimento, a noção de humanismo tinha dois sentidos. O primeiro é um humanismo mais filosófico, aquele que é a base do otimismo moderno, que tem a visão do humano do filósofo Pico Della Mirandola (1463-1494), um homem cheio de potências a serem realizadas. A pergunta era: basta a filosofia para a felicidade ou precisa da fé? Os estudiosos de Aristóteles defendem a primeira opção, com a razão e o intelecto basta. É o que está na base da grande dogmática moderna, visão de autonomia intelectual como potência infinita para ser realizada. A natureza humana teria tudo para resolver os problemas que vão se apresentando à humanidade. O que nos falta é prática,  conhecimento, esforço. Essa ideia supõe conhecimento do passado para iluminar o futuro.
O segundo humanismo é o de um grupo que ficou conhecido como anti-humanista, entre os séculos 13 e 17, que afirma que não dá para confiar direito na natureza humana. No século 17, na França, esse debate é muito acirrado. Os otimistas venceram pelo surgimento da ciência moderna, a tecnociência. A ideia de ciência já trazia implícita uma relação direta entre ela e o bem-estar da humanidade. A maior parte dos seres humanos pensa que a ciência é um ganho.


“A ciência já nasceu com um otimismo implícito. Marca-passo, transplante, avião, computador. Mas a história da evolução científica está associada a uma série de problemas”, disse o conferencista.
Para Pondé, a espécie humana tem dentro dela certa violência e crueldade, e seria ingênuo lidar com os avanços da humanidade com otimismo total. Do ponto de vista filosófico, existe sempre a pergunta sobre o sentido da vida, que normalmente produz um pessimismo. “A vida é algo que no final sempre dá errado, e no meio dela, às vezes, você tem boas experiências”, ironizou o filósofo, lembrando que o ensaísta Michel de Montaigne (1533-1592) acreditava que as virtudes da velhice são a impossibilidade de realizar os vícios da juventude. Existiria, então, um pessimismo de fundo, uma angústia ligada ao cotidiano. A ciência, a liberdade e a democracia não teriam muito a dizer quando você descobre que seu filho de 15 anos tem um câncer e pergunta “por quê?”, buscando conforto. “Temos o medo de fundo de que a gente seja só pedra vagando pelo universo. É um assalto de pessimismo que nos acompanha”, diz o conferencista. A ciência avança muito em relação à extensão da vida, mas não consegue dar sentido para a vida.


O pessimismo e suas dúvidas funcionariam, então, como uma espécie de controle de qualidade, atenção contínua, avaliação de tudo o que o ser humano faz. Grande parte dos filósofos e intelectuais são pessimistas porque a história dá muitas razões para sê-lo. Luiz Felipe Pondé destacou o perigo que é quando um ser humano tem excessiva paixão por si mesmo, excessiva confiança no que faz. “O século 20 foi profundamente otimista. Pessimismo e otimismo são necessários o tempo todo.


Quando você é pautado por uma hibris, isto é, quer dar o passo maior que a perna, é bom ter uma crisezinha de pessimismo”, defendeu Pondé. Para ele, seria ingênuo achar que o debate está em ser contra ou a favor da ciência e da modernidade. Entre ciência e política, é necessário operar nesse equilíbrio entre pessimismo e otimismo. “Isso é o que o século 20 nos ensinou”, salientou Pondé.


O pessimismo seria a consciência, a dúvida. Mas, se alguém duvida demais, paralisa. O capitalismo só funciona no otimismo. Em momento de muitos avanços técnicos, é muito importante ficar atento, porque os avanços não são só fruto da nossa capacidade criativa. São fruto também da dúvida da própria capacidade criativa. É o perigo da eugenia, que, em certa forma, já estava com Platão em A república, onde projeta uma utopia, em que as mulheres mais bonitas e saudáveis teriam filhos com
os homens mais bonitos e saudáveis e seria o início de uma geração mais bela. A eugenia é um dos piores riscos do otimismo. “Me parece um enorme erro filosófico para alguém que vive em 2011 não perceber que devemos tomar cuidado com ideias como essa. Pessimismo no sentido de olhar mais crítico, mais lento, que parece pisar no freio em algumas coisas. Já tivemos exemplos suficientes de que os avanços técnicos precisam de cuidados com os projetos utópicos e os riscos que eles implicam”, defendeu o filósofo.


Para ele, o que sempre humanizou o ser humano é uma certa dose de sofrimento. A vitória e o sucesso são coisas fantásticas, mas podem ser ferramentas de desumanização, de impaciência com as pessoas vistas como lentas demais, que choram demais, frágeis demais. “A experiência do limite humaniza o ser humano, faz com que ele se sinta frágil, pequeno. O pessimismo seria um modo de olhar a humanidade”, concluiu o conferencista.


Encerrada a conferência, Luiz Felipe Pondé respondeu às perguntas da plateia. Questionado sobre o papel da ciência no desencantamento do mundo, ele lembrou como no Romantismo houve um reencantamento com a ideia de natureza e reafirmou a ideia de ciência como otimismo.


Perguntado sobre o fundamentalismo religioso, disse que a religião é um sistema de sentido que reúne comportamentos cotidianos e narrativas cósmicas que dão significado ao comportamento. O fundamentalismo seria uma reação a determinados índices da modernidade a partir de práticas da religião literais do texto sagrado. Um suposto retorno a um mundo religioso verdadeiro que teria sido destruído pela modernização, já que a modernização é vivida como desencaixe de tudo. Haveria,

então, uma visão pessimista em relação à modernização, mas ele oferece um reencantamento da vida.


Pondé comentou ainda sobre o problema do pensamento politicamente correto, como aquele pensamento covarde que simplifica a discussão, e disse que, se pudesse voltar para o passado, escolheria a Idade Média, já que foi muito injustiçada pelos iluministas. “Mas iria com passagem de volta”, brincou o conferencista.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Prazo de Validade

Quando nascemos começa a disparar o relógio que marca nosso principal Prazo de Validade. Demora mais ou menos, mas é implacável. O Prazo de Validade se aplica também em todas as situações do dia a dia, nas atividades profissionais, nas carreiras políticas, nas mamatas com dinheiro púbico e até na vida amorosa. Como o iogurte, tudo e todos somos perecíveis.

Quem não tem a compreensão de que vai passar, muitas vezes nem percebe que já perdeu o Prazo de Validade e vai pro limbo, antes de cair no inferno, achando que tá numa boa. Enquanto isso, o universo vai conspirando contra, até que a casa cai. Admita, você já passou por uma situação dessas.

É preciso estar atentos aos sinais para não ser surpreendido. O Prazo de Validade emite sinais claros quando a hora se aproxima. Desinteresse, falta de perspectivas, horizontes sombrios, portas que se fecham, caminhos que ficam tortuosos são alguns dos “recados” mais comuns.

Os mais espertos logo sacam e tratam de partir para outra, renovando prazos de validade em outros cenários, outras atividades, outras parcerias. Só não dá para revalidar o Prazo final quando o chamado daquela Senhora bate a porta. Aí já é outra conversa, porque há os que acreditam que isso nada mais é do que a passagem para outra dimensão, onde o Prazo de Validade é infinitivo, para o bem ou para o mal.

Nem sei por que estou falando nessas coisas. Acho que o Prazo de Validade dos meus assuntos está próximo do fim.