segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Onda nostálgica

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Quem lembra desses programas?

- Assista hoje na sua Tv Piratini, Canal 5, a mais um episódio de “Os Intocáveis” Estrelando Robert Stack como Eliot Ness, o agente federal que não dá trégua aos mafiosos de Chicago comandados por AL Capone.

- Não perca o episódio de hoje de “O Vigilante Rodoviário”, o empolgante seriado brasileiro, a cores. O inspetor Carlos e seu fiel cão Lobo lutando contra o crime nas rodovias brasileiras. 

- Conseguirá o doutor Richard Kimble provar sua inocência e encontrar o homem que matou sua esposa?   Acompanhe hoje na TV Gaúcha, canal 12, todas as emoções de “O Fugitivo”, interpretado por David Janssen.

- Os Cartwright, pai e filhos, na defesa do rancho Ponderosa no hostil cenário de Nevada. “Bonanza” é muita ação, em cores, no velho oeste americano. Assista logo mais, depois do capítulo da novela (...). 

- Aqui tem diversão para as crianças de todas as idades. Na TV Difusora, canal 10, hoje é dia de muitas mágicas com a poderosa Samantha e o marido James em “A Feiticeira”.  Não perca. 

Pois é, neste período me bate uma onda nostálgica, mostrando que o tempo passa quando vem a lembrança dos anos 1960 e 70, em que as séries televisivas eram tão aguardadas como os capítulos das novelas. Havia poucos canais de TV e as atrações seriadas, especialmente as produzidas nos EUA, davam audiência e  eram presenças obrigatórias nas grades de programação.  Eventualmente canais a cabo resgatam as séries daquele período, encontráveis também no YouTube.

Hoje o domínio é dos streamings e a oferta de séries, minisséries e filmes de todos os gêneros, é entretenimento garantido. Tanto assim que nas rodinhas de conversas em família, na firma ou nos botecos, a troca de sugestões sobre as novidades dos streamings ganha espaço e interesse cada vez maior, rivalizando com os debates esportivos entre os homens e as novidades estéticas entre as mulheres.

 A pergunta que cabe é: qual será a próxima novidade – inovação? -  que o mundo da comunicação digital nos reserva? Como sempre, na falta de melhor resposta, apelo para o velho clichê: reina grande expectativa, enquanto torço para que não me faltem assuntos no novo ciclo que está começando.


segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A senhorinha e a garrafa de cachaça

*Publicado nesta data em Coletiva.net

*Baseado numa história real

O homem ficou intrigado com o que viu nas gondolas de bebidas alcoólicas do supermercado. A senhorinha, aparentando seus 90 anos, escolheu, sem muita hesitação, uma garrafa de cachaça, acrescentando ao carrinho junto à barra de chocolate e aos dois pãezinhos.  Curioso com o desdobramento da ação, ele acompanhou a veterana até a caixa. Lá chegando, a atendente passou os produtos pelo sistema, mas o valor excedia às notas amarrotadas que ela retirou da velha bolsinha. Em seguida, sem demonstrar contrariedade, a nonagenária pediu à moça:

- Então pode  retirar o chocolate.

Foi aí que o homem decidiu intervir e, generosamente, se dispôs a integralizar o que faltava em dinheiro no pequeno rancho, o que nem era uma grande quantia. 

- Receba como um presente de Natal meu, - completou. 

A senhorinha agradeceu – “brigado, meu filho” - e deixou o homem faceiro pela boa ação, mas com uma dúvida pertinente, que a guria da caixa não conseguiu esclarecer:

- Ela vem todas as semanas, escolhe sempre a mesma marca de cachaça, fico louca de vontade de perguntar o que ele faz com a bebida, mas não tenho coragem,- esquivou-se a atendente.

O homem, que não era propriamente um consumidor de destilados, mas conhecia o teor alcoólico das bebidas, calculou que o produto adquirido por sua beneficiária deveria ter, no mínimo, uma graduação de 40%. 

Isso só aumentou a curiosidade dele. Qual destino a senhorinha daria aquela cachaça? Seria para consumo próprio? Ele procurou afastar mentalmente essa hipótese. “Um absurdo”, pensou. Ou estaria atendendo ao pedido de seu companheiro, ele sim um contumaz apreciador de cachaça, talvez mais do que deveria? Quem sabe era item indispensável em alguma receita culinária da simpática senhora? Ou, ainda, a bebida poderia fazer parte de algum ritual religioso? 

Consumido em dúvidas, o homem teve, entretanto, um momento de intima alegria, ao se dar conta que, de alguma forma, contribuíra para a felicidade da velha senhora. Afinal, era tempo de Natal e o pequeno gesto dele pode ter feito uma grande diferença para ela, mesmo presenteando com uma garrafa de cachaça, que ele torceu para que fosse usada para fazer a felicidade de mais gente, de preferência em saborosos quitutes para a ceia natalina.


domingo, 22 de dezembro de 2024

LIGEIRAS REFLEXÕES PRÉ-NATALINAS, COM MUITOS REPETECOS

- Meiguice Relativa do Ar neste período: ALTÍSSSIMA!

- Tem aqueles que são fdp o ano inteiro e viram doces e meigos agora.

- Quantos retratos de festas da firma ainda vou ver no Facebook?

- Aviso aos navegantes: os piores lugares para circular nestes dias são os shoppings e os supermercados.

- Mais um a pouco e já será Natal na Austrália.

- Apreciaria que os votos de boas festas viessem acompanhados de um bom vinho ou espumante.

- Para receber mimos, não fechamos no Natal nem no Réveillon. Mas não me venham com panettone.

- E ainda há tempo para mimos nas segundas e terças-feiras...

- Certos presentes recebidos estão mais para Amigo da Onça Secreto. Não é o meu caso.

- Neste período até podem me chamar de bom velhinho.

- Seria o peru é o chuchu das aves?

-  E o panettone o chuchu dos bolos?

- Qual o parentesco do peru com o chester,o fiesta e o buster? É pai ou é primo irmão?

- Show do RC na TV, mas pode chamar de Déjà Vu!

- Por fim uma extra natalina: essa relação do Grêmio com o técnico português está se revelando uma caixinha de surpresas.

- Para que o Bom Velhinho seja generoso neste Natal, roguemos com fervor 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Era da Banalidade

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia tratei aqui do que intitulei de Era da Enganação ou da Desconfiança, como resultado dos múltiplos golpes e fraudes que infestam o dia a dia dos brasileiros. Mas outra Era se impõe nestes tempos pós-modernos:  a Era da Frivolidade, ou da Banalidade. 

São tempos de excessiva exposição aos conteúdos digitais de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais. Com base nisso, a Oxford University Press, que edita o conceituado dicionário Oxford English elegeu “brain rot” como a palavra/expressão do ano de 2024. A tradução para o termo é  “podridão cerebral”, uma metáfora que significa a "suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou incontestável. Também é algo caracterizado como passível de levar a tal deterioração",  como descreve a Oxford. O termo aumentou a frequência de uso em 230% entre 2023 e 2024. 

Interessante é que o uso da expressão “podridão cerebral” não é recente. Foi usado pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, de Henry David Thoreau, só que usado com outro significado. Thoreau, escritor, poeta e naturalista norte-americano, criticava a tendência da sociedade da época de desvalorizar ideias complexas em favor de ideias simples, num indicativo de um declínio geral no esforço mental e intelectual.

Corte para os anos 2000, já na era digital, e Zygmunt Bauman,  de alguma forma. estabelece – ou antecipa -  uma conexão com o debate que está  posto, ao apresentar seu “Tempos Líquidos”.  Na obra, o  filósofo polonês argumenta que, em uma sociedade onde tudo é fluído e temporário, os valores e certezas tradicionais tendem a ser desafiados, resultando em um ambiente onde a volatilidade prevalece.

A questão, na verdade, não pode se restringir a qualidade dos conteúdos oferecidos pelas redes sociais e mais acessados pelos usuários. O tempo gasto nas redes, especialmente pelas crianças e adolescentes, tornou-se motivo de grande preocupação das famílias, das escolas e chegou  aos governos.  Relatório recente da We Are Social e Meltwater revela que a média diária dedicada às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos! Só perdemos para a África do Sul, que registra 9 horas e 24 minutos. Estudo do IBGE aponta que 92,9% dos brasileiros possuem acesso à internet, enquanto apenas 66,1% contam com saneamento básico. O Brasil soma mais de 144 milhões de usuários nas principais plataformas.  Aí temos um campo fértil para o surgimento de figuras tipo Pablo Marçal, André Janones e a multidão de influencers palpitando sobre tudo que possa ser monetizado, não interessando a qualidade das mensagens.

A reação ao excessivo protagonismo das redes sociais em nosso dia a dia já se faz sentir por meio de iniciativas como o projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do país, em tramitação no Congresso. Em São Paulo, a Assembleia Legislativa já aprovou legislação neste sentido. O RS tem legislação específica sobre a questão, mas o governo ainda deve editar decreto em 2025 para orientar as escolas em relação ao uso de celulares. A Austrália radicalizou e, numa decisão inédita no mundo, aprovou a proibição do acesso às redes sociais para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei serão multadas pelo equivalente a R$ 200 milhões.

Projetos de lei e decretos não são garantia de que os dispositivos previstos serão cumpridos. O papel aceita tudo. Se não houver um esforço conjunto, que começa na família e se estende a toda a sociedade, com educação para o mundo digital desde  cedo, campanhas de esclarecimento e fiscalização permanente para o cumprimento da legislação, a efetividade dos regramentos ficará irremediavelmente prejudicada e as redes sociais continuarão influenciando o comportamento das pessoas.  Era da Banalidade terá se consolidado.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O futebol em forma de letras

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Lá nos idos de 1980 sugeri na editoria de Esportes da Zero Hora, onde labutava, uma matéria sobre livros com temática do esporte disponíveis na Feira do Livro daquele ano. O editor Emanuel Mattos aplicou a regra de então: quem sugere tem preferência e lá me fui de barraca em barraca à procura de obras que sustentassem a matéria. Foi um fracasso total. Só encontrei poucos livros que tratavam de treinamento esportivo, a maioria de viés acadêmico e nada sobre o fascinante mundo das competições, inclusive do futebol. 

Hoje é bem diferente e quando o futebol e a literatura se encontram  ocorrem algumas belas jogadas. Um passeio pelas bancas da Praça da Alfândega, na Feira do Livro recém encerrada, revelou uma atraente e diversificada lista de títulos, de biografias de  craques vitoriosos e técnicos renomados à histórias sobre grandes times e suas conquistas memoráveis, com relatos de muita peixão,  mas também de episódios que gostaríamos de esquecer sobre casos de corrupção no futebol.

Só não encontrei o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, de 1995, do uruguaio Eduardo Galeano, que conta a história do futebol, mostrando um olhar curioso sobre o esporte, como se o autor tivesse vivido cada momento dele. A Feira ficou me devendo também um clássico brasileiro de Nelson Rodrigues, “A sombra das chuteiras imortais”, editado pela Companhia das Letras, com seleção de textos de Ruy Castro, que é autor de outro clássico, “Estrela Solitária”, sobre a trajetória do genial Garrincha.
Em nível de RS,  pelo menos três títulos sobre futebol e seus personagens ganharam destaque na Feira e certamente ficaram entre os mais vendidos:  “Ruy Carlos Ostermann – um encontro com o professor”, biografia do grande comentarista esportivo, contada por Carlos Guimarães; “O Inter, o jornalismo e nós”, do repórter Fabricio Falkowski,, edição da Capítulo 1 (alô, Claudia Coutinho),  descrito como “uma história do clube e as histórias vistas e vividas em 25 anos de cobertura do dia a dia do futebol”; e “Campeão da Vida – perdoar para viver”, de autoria de Luiz Fernando Aquino e Fernando da Rocha, sobre o drama vivido pelo jogador Regis, do Caxias, que precisou abandonar a profissão depois de ser violentamente agredido em campo. 

De lançamentos de anos anteriores vale destacar a série bibliográfica  sobre o Imortal Tricolor, do gremistão Léo Gerchmann, além de  “No último minuto - A História De Escurinho: Futebol, Violão e Fantasia”, de Jones Lopes da Silva,  e uma obra pouco badalada, mas de grande importância: “Escola Gaúcha de Futebol: uma árvore genealógica dos treinadores do Rio Grande do Sul”, de Felipe Duarte, repórter da Rádio Gaúcha, que faz a indagação: será que existe uma escola gaúcha de futebol? Recomendaria também um livro que me chegou as mãos pelo Ajax Barcelos e o  Osmar Zilio,  “Tamoio,  o time de Viamão”, uma detalhada e bem ilustrada história do clube amador  que completou 80 anos.  Os autores, Bira Mros e Juarez Godoy tem longa vivência no clube e contaram com a edição de Vitor Ortiz e prefácio do ex-atleta e hoje consagrado jornalista, Rogério Mendelski. 

De minha parte dei uma modesta, mas prazerosa contribuição para a estante esportiva gaúcha ao produzir dois livros: “G.E. Tupi – sonho de guris”, de 2023, em co-autoria com  meus amigos de sempre Piero D’ Alascio e Léo Ustarroz, sobre nosso time da infância e adolescência no bairro Petrópolis, e “Viva a Várzea – histórias e personagens do futebol raiz”, com textos de 16 outros parceiros, lançado em junho.  A propósito, em seguida sai a convocação dos craques que participarão do “Viva a Várzea – segundo tempo” – com previsão de lançamento para abril do ano que vem. Se me permitem o clichê,  reina grande expectativa.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sou Fogão desde pequeninho

*Publicado nesta data em Coletiva.net

No ano passado, quase nesta mesma data, publiquei aqui no Coletiva um texto dando conta da minha frustração com  a campanha do Botafogo no Campeonato Brasileiro. Depois de pontear boa parte da competição, numa confortável distância sobre os mais próximos perseguidores, o Fogão deixou escapar nas últimas rodadas um título que já estava na mão e que não era conquistado desde 1995. “Requiem para meu Botafogo”, titulei na ocasião. Agora renasce a esperança  de que os dias de glória do time que um dia teve Garrincha, Didi, Nilton Santos, Zagalo, Jairzinho  estejam de volta. É tempo de festejar com a heroica, ousada e incontestável  vitória na decisão da Copa Libertadores da América, na conquista deste título inédito e na expectativa que venha também o a taça da Campeonato Brasileiro, para compensar a frustração de  2023. E quem sabe, logo adiante, a tríplice Coroa, com o título mundial de Clubes, igualmente inédito,  resgatando de vez a aura de Glorioso, como também é conhecido pelos seus aficionados. Bem diferente daquela abertura e da  titulação do ano passado, recupero o mesmo texto publicado em 2015, agora de celebração para o meu Botafogo:

Em algum lugar do passado ouvi do técnico Ernesto Guedes sobre a situação do Botafogo:  “É uma torcida e um saco de uniforme”.  O exagero do técnico,  que recém havia dirigido o time carioca,  me incomodou muito, eu que sou botafoguense desde pequenino.  A verdade é que o simpático Fogão desafia os astros, a lógica, a realidade e, entre altos e baixos,  sobrevive e se renova.  Só que vivia um dos tantos momentos de baixa quando o Ernesto por lá passou. 

Minha paixão pelo Botafogo nasceu no dia em que ganhei de Natal um jogo de futebol de botão do tipo panelinha, com aquela estrela solitária aplicada sobre os botões.  Para o menino de 10 anos só uma bola poderia ser um presente melhor.  Era também o tempo em que o Botafogo rivalizava com o Santos  como grande time brasileiro e uma das bases da seleção canarinho, campeã do mundo em 1958 e 62. O Santos tinha o talento coroado de Pelé e o Botafogo a magia de irresponsável de Garrincha e mais meu ídolo  Nilton Santos,  além de Didi, Quarentinha, Zagalo, Amarildo e, antes, o grande Heleno de Freitas, e tantos outros craques que ficaram na história.  Ainda é o clube que mais forneceu jogadores para seleção brasileira em copas do Mundo. 

Mais tarde descobri que o Glorioso era o time preferido da maioria dos gaúchos que migravam para o Rio. Não consegui descobrir a razão dessa  preferencia de gremistas e colorados expatriados, mas ela é real e, se precisar, cito quantos exemplos forem necessários. Nos meus tempos de repórter esportivo descobri também que havia uma ativa torcida organizada do Botafogo em Porto Alegre.  Desconheço se ainda existe, mas em se tratando do Fogão, não duvido. 

Mantenho uma paixão à distância, quase platônica, pela Estrela Solitária, tanto assim que não me lembro de ter assistido a qualquer jogo da equipe em estádio.  A razão dessa idealização talvez esteja na percepção que o Botafogo transmite, nem popularesco como o Flamengo e o Vasco, nem metido a elitista como o Fluminense, mas afetando uma nobreza que o distingue dos seus pares cariocas. Este é o meu Botafogo, que acompanho desde que me conheço por gente.   É uma trajetória  de altos e baixos,  como a venda do patrimônio do estádio de General Severiano e da sede do Mourisco que representaram também  a perda de parte da identidade botafoguense,  as boas fases com os títulos nacionais (1968 e 95) e o recorde de invencibilidade (52 jogos entre 1977 e 78), a queda para a segunda divisão (que sina a minha!) e agora o retorno glorioso, como o cognome do clube, com três rodadas de antecedência. 

Por tudo isso, jamais vou perdoar Ernesto Guedes pela avaliação cruel e intempestiva do passado, porque, afinal, como no hino de Lamartine Babo, a estrela solitária me conduz!

 (Na quarta-feira o Botafogo enfrenta o Inter e, se vencer, pode confirmar o título do Brasileiro. Será muita alegria para um botafoguense gremista.)



segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Conspiração à brasileira

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

Entre tantos personagens inesquecíveis, Chico Anysio tinha um que eu considerava impagável: Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro, “aquele que vem do aquém, do além, adonde que véve os mortos”, apresentação pronunciada com sotaque caipira.  Um dos seus  bordões favoritos era  ¨Minha vingança será maligrina¨. 

Ao final dos quadros na TV, depois de muitas trapalhadas nas tentativas de assustar alguém, afirmava olhando para a câmera: “Bento Carneiro, vampiro brasileiro...pzztt”, seguido de uma cusparada.  Era um vampiro fracassado, com baixa autoestima.

Não sei porque me lembrei do Bento Carneiro ao conhecer os detalhes da movimentação dos militares envolvidos na tal Operação Punhal Verde e Amarelo, que queria impedir a posse de Lula e executar o presidente eleito, junto com o vice Alckimin e o Alexandre de Moraes. Bota amadorismo e inépcia nessa turma, sem torcida minha para que desse certo, mas apenas constatação. E mais: se os conspiradores faziam parte de um grupo de elite  do Exército (os Kids Pretos) fico imaginando como será o preparo do restante da força!  Assim, qualquer semelhança com o personagem de Chico Anysio não será mera coincidência.

Quando o táxi resolve ou atrapalha

As trapalhadas dos candidatos à golpistas ficaram evidentes num episódio prosaico: o aloprado de codinome Gana, que estava na campana para prender Alexandre de Moraes, não pôde cumprir a sua missão e nem se evadir a tempo... por não conseguir um taxi. Os outros Kids Pretos devem ter tido ganas de esganar o Gana, com o perdão pelo trocadilho. O sujeito nem plano B tinha para escapar! 

Como militar, ele deveria conhecer um pouco de história e saber de um caso em que, diferente da situação dele, os taxis foram decisivos numa batalha. Em 1914, as tropas francesas usaram centenas dos então carros de praça para terem como chegar ao front e impedir que as tropas alemãs invadissem Paris.

Sem outros meios para transportar os soldados, todos os táxis disponíveis em Paris foram requisitados e pelo menos 600 deles participaram da primeira leva de tropas, que apoiou a contraofensiva das forças franco-británicas, naquela que ficou conhecida como a Primeira Batalha de Marne. Os taxistas foram devidamente indenizados, além da glória de terem participado do esforço de guerra, bem diferente da ação inglória do atrapalhado Gana.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A indústria que mais cresce

 * Publicação nesta data em Coletiva.net

Os brasileiros passaram a viver uma nova era: a Era da Desconfiança. Pode ser também a Era da Enganação. Pensaram que estava falando do governo Lula? Nada disso. É que  está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas  e propostas que são puro logro, ou avisos tipo o de  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro,  ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming,  sempre atrás das minhas senhas que devem valer muito. Agora a novidade são as propostas de negócios com lucros milionários, disparadas do exterior.  Isso  sem contar os telefonemas de spam e de tentativas de golpes pelo celular.

Como têm ganhos de escala, acredito que a indústria da fraude é o setor econômico que mais cresce no país.  A verdadeira diversidade está na carteira de operações dos golpistas, tanto assim que dá pra estimar que é meio a meio entre as mensagens verdadeiras e as fraudulentas, com tendência a aumentar para o lado fake, graças – ou desgraçadamente – aos recursos facilitadores e enganadores da Inteligência Artificial.

O mais inacreditável é que grande número das tentativas de golpe, senão a maioria, partem de dentro dos presídios. comprovando que o poder público não está conseguindo coibir a entrada de celulares para os criminosos. 

Com isso, ninguém está livre de virar vítima dos golpista. Poderia listar uma infinidade de casos, envolvendo inclusive gente esclarecida, com formação superior, como o médico que saiu em desabalada carreira em direção ao banco para pagar o resgate da filha que estava nas mãos de “sequestradores”;  ou o jornalista que foi achacado e ameaçado pelo “pai” da “de menor” com a qual trocou nudes ou, ainda, o outro jornalista que pagou duas vezes uma dívida inexistente com o “banco”. Até o velho e prosaico golpe do bilhete foi reabilitado pelos espertalhões com a conivência das ingênuas ou ambiciosas vítimas, reabilitando um ditado, também antigo: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto; se eles se encontram, sai negócio”.

Já o sistema bancário, que detesta concorrência, resolvei reagir, sem levar em conta os golpes oficializados que pratica contra os clientes, cobrando taxas descabidas para toda e qualquer operação. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apelou para um recado do Fábio Que História é Essa, Porchat?, veiculado em rede nacional. Por aqui, o Sicredi adverte, em  chamadas no rádio, que ocorrem 76 tentativas de golpes digitais por minuto no Brasil. Isso representa 4.560 tentativas por hora ou 109.440 por dia. Digamos que apenas 1% delas seja bem sucedida, chegamos a 1.094 pessoas/dia ludibriadas pelos golpistas. Seriam mais de 32 mil ao mês. É muita gente envolvida e muita grana perdida.

O pessoal da Segurança Publica e da mídia publica com frequência orientações e alertas anti-golpes. São óbvios e inúteis,  porque, vale repetir, enquanto existirem espertos e otários querendo levar vantagem, a indústria das fraudes será a que mais cresce entre nós.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.