quinta-feira, 26 de março de 2020

REFLEXÕES E OBSERVAÇÕES EM TEMPO DE PANDEMIA E ISOLAMENTO


- Estão faltando acenos de esperança de parte das autoridades
- Só falta exigirem que a gente ande com uma trena na mão para medir a distância das outras pessoas.
- Contra quem Bolsonaro vai brigar agora. Façam suas apostas.
- O pessoal que criticava os milicos se aquietou...
- Petistas voltaram maciçamente a assistir à Globo, com elogios à postura jornalística.
- A mídia não parece interessada na opinião do Lula e da Dilma sobre a pandemia. Já o que dizem Rodrigo Maia, Alcolumbre, Doria, ministros do STF e até FHC...
Mandeta corre o risco de perder de uma só vez todo o prestígio acumulado até agora.
- Que coisa mais mórbida essas contagens da pandemia!
-Parece que todo mundo tem um primo ou uma amiga da cunhada na Santa Casa ou no Conceição!
- As TVs e as rádio viraram o paraíso do “este especialista”.
- E o que tem de pavão entre  os “este especialista”!
- Nova fase da cobertura jornalística : exemplos de bons  samaritanos.
- Sou do tempo em que e as vacinas deixavam uma marquinha no braço.
- O problema não é a fila da vacina, são os  apocalípticos da fila.
- Hoje foi o  mais melancólico aniversário de Porto Alegre.
- O que favorece a disseminação do vírus na Espanha é que tem muito “Ajuntamento” lá.
- Meu estoque de vinhos e cervejas está baixando assustadoramente rápido.
-Qual foi mesmo o último resultado dos jogos da dupla Gre-Nal?
- Tem gente que ainda se  surpreende com o egoísmo dos grandes salários do futebol.
- O que mais me faz falta é o contato pessoal com os netos.
- “Fique em casa!”. Tá bem, já sei.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Nugget nos pneus


Um colega de perfil conservador,  dos tempos de rádio Guaíba, alertava nos anos de chumbo quando algum oposicionista pegava pesado contra o governante de plantão:

- Os verdinhos já estão passando Nugget nos pneus dos jeeps e dos caminhões.

Pra  quem não lembra, Nugget é aquela graxa que serve para dar um brilho nos calçados, podendo ser usada em outras superfícies.

Com isso o colega queria dizer que o Exercito  se mobilizava para intervir contra eventuais arroubos oposicionistas. É uma versão mais antiga e mais alegórica de outra advertência, esta do deputado Eduardo Bolsonaro  - sempre ele! – “basta um soldado e um cabo para fechar  o STF “.

Do jeito que falam e se comportam os Bolsonaros não me surpreenderia se daqui a pouco o feitiço virasse contra os  feiticeiros, só que com um pouco mais  de gente do  que um soldado e um cabo.

Fiquem atentos ,portanto, verificando se os veículos das forças armadas não tem sido mais nuggeteados  do que de costume.

segunda-feira, 23 de março de 2020

A Senhorinha e o Veterano


* Publicado nesta  data em coletiva.net

As restrições de mobilidade impostas pela pandemia vão me privar do convívio quase diário com duas figuras pra lá de faceiras. Falo dos meus iguais em faixa etária, que batizei de A Senhorinha da Sala  de  Espera e O Veterano da Fila.

Vamos por partes. 

A Senhorinha da Sala de Espera é aquela que normalmente monopoliza a conversa  entre os circunstantes, enquanto aguardam o atendimento, seja no médico, no dentista ou na repartição pública.  Em pouco tempo, ela transforma sua vizinha de cadeira em amiga de infância. E logo toda a sala fica sabendo dos detalhes da sua vida, da vida dos filhos e  das filhas, com quem são  casados (as) e, se separados, o quanto não prestava o cônjuge – “aquele traste” ou “aquela ordinária”. Em seguida, vem a descrição entusiasmada dos netos, “lindos, educadinhos e estudiosos” na maioria dos casos. Tem também a versão “pena, ainda não me deram netos e eu gostaria tanto de ser avó”.

Como, pra variar, o atendimento está atrasado, segue a conversa unilateral com  a seção agenda, quando a Senhorinha relata todos os  compromissos dela, o  chá com as amigas, a ida ao mercado, a dificuldade com o caixa eletrônico,  a conversa com o açougueiro, o pito nos garis que deixaram lixo pelo caminho, o telefonema demorado para a amiga distante, conversa relatada em pormenores e, na sequência, o que ainda precisa  fazer “se  der tempo, depois do doutor me atender”. A agenda furura inclui a missa na paróquia ou assistindo pela TV, “com aquele padre mocinho que canta, o Fabio de Melo”. A espera do médico, queixa-se de achaques típicos da idade e é capaz de prescrever os  mais eficazes tratamentos para todos os males, incluindo  aquela  receita caseira que aprendeu com a vó imigrante lá nas grotas, onde nasceu e cresceu, o que também é motivo para detalhada descrição.  ”Garanto que comigo e com uma comadre minha essa receita funcionou” , enfatiza ela.  Vale registrar que as Senhorinhas da Sala de Espera pouco falam sobre o marido, o que  me leva a supor que são viúvas na maioria.

Já o Veterano adora uma fila, daí o título,  porque é nela que vai encontrar os interlocutores para suas observações e reclamos,  nem sempre correspondidos. Mas é o momento da socialização, já que é aposentado e não tem mais o ambiente  da firma para interagir.  Domingos e feriados, dias sem filas,  são torturantes para ele, diferente dos sábados quando frequenta as lotecas em busca dos incautos, ou dos seus iguais, e onde joga  sempre os mesmos números na  Mega Sena, que ele insiste em chamar de Loto.

O Veterano sempre tem uma história para contar, dele ou de um conhecido, basta que alguém pronuncie alguma deixa que estabeleça a conexão. O causo é normalmente comprido, cheio de detalhes e personagens desconhecidos ou não (“Sabe o Bastos? Trabalhava na Hora e era particular amigo do meu pai”). A conclusão é sempre com uma lição de moral e de vida, porque o Veterano é um autêntico cidadão  de bem e se orgulha disso. Ele se exalta um pouco quando reclama da prestação mal executada de algum serviço. A queixa  sempre vem acompanhada de uma lembrança saudosista, tipo “isso  não acontecia no tempo do doutor Meneguetti”, ou “se fosse no tempo do doutor  Brizola esse pessoal estava todo na rua”, ou retrocedendo ainda mais, lasca um  “no tempo  do velho Borges...”

 Mas é comentando futebol que se torna imbatível e um crítico severo dos craques e  clubes atuais. “ No meu tempo os  atletas vestiam a camiseta e jogavam com o coração, não era como esse pessoal de agora, um bando de mercenários”, se exalta de novo. Sente saudades do Renner, “que timaço aquele, pena que terminou” e  se a conversa de estender é capaz de recitar a “linha média”  dos times de antanho. “Rui, Bauer e Noronha, do São Paulo, um colosso, não teve igual”.  Quando desdenham de seus conhecimentos, ele retribui  com um “essa mocidade não sabe nada”.
Fico imaginando um improvável encontro entre a Senhorinha e o Veterano. Digo improvável  porque ambos  são exclusivistas, lobos solitários de seus misteres, sem disposição para compartilhar os mesmos ambientes e os mesmos públicos que conquistaram, dos quais exigem a máxima atenção.  Até pareço ouvir um duelo verbal entre eles:

- Este senhor é muito inconveniente.
- Esta senhora só ela  quer falar.

Tem muita ficção e até exageros nessas descrições, mas rendo minhas sinceras  homenagens às duas emblemáticas figuras, que todos nós certamente encontramos, nas andanças por aí, com alguma variação no modus operandi. Tais encontros podem ser prazerosos, com ótimos momentos de aprendizado devido a experiência e  sabedoria acumuladas pela dupla, que fez a opção preferencial pela vida; que entoa mantras  de esperança que tanto precisaríamos nestes tempos em que estamos tão frágeis; que faz da eloquência uma ponte para os generosos convivios com  o próximo e dos  relacionamentos um jeito próprio de convergir, confraternizar e mostrar que ninguém é  uma ilha.

Por  isso, lamento o isolamento social a que nós de 60+  fomos submetidos para cortar a corrente do vírus, mas com o perverso efeito de cortar também o melhor dos convivência humana. Deixa estar,  depois que tudo passar, ao encontrá-los na sala de espera e na fila do banco, vou provocá-los com apenas uma questão e deixar a conversa fluir:

- Mas e aquele tal de coronavirus?


segunda-feira, 16 de março de 2020

Sou do tempo,,,


* Publicado nesta data em coletiva.net

Em tempos  de crise, nada como buscar refúgio em tempos vintage. Assim,
- Sou do tempo em que não fazia parte de nenhum grupo de risco;
- em que toda criança contraia sarampo e caxumba;
- que sarampo e caxumba eram pretextos para “matar” aula;
- que o terror da gurizada era o Juizado de Menores;
-  que bunda era conhecida como nádegas;
- que “não” era “talvez”;
- que refrigerante era Grapette, Guaraná Frisante Polar, Charrua e Minuano Limão;
- que Pepsi era o refrigerante preferido dos gaúchos;
-  que guaraná era o da Bhrama;
- que Crush era só um refrigerante;
-  que vinho era de garrafão com uva Izabel ;
- que  café era passado em saquinho de pano;
- que brancura era Rinso;
-  que plano de saúde era o Pronto Socorro e o Samdu;
-  que estrogonofe era prato fino;
- que frango era galinha e cardápio de domingo;
-  que blusa sem alça era “tomara que caia”;
-  que jeans era Brim Coringa;
- que transmissão de futebol no rádio era em duplex;
-que a  convocação da seleção brasileira era uma solenidade;
- que os aprovados  no vestibular eram conhecidos pelo rádio
- que cinema de domingo era matiné, com dois filmes;
- que ainda não tinham descoberto as palavras empoderamento, empatia, sororidade, misoginia,vintage;
- que Lugar de Fala era tribuna.
Sou do tempo em que (...): acrescente aí suas vivências.

terça-feira, 10 de março de 2020

Desafio ao empreendedores da Comunicação


* Publicado em 09/02/2020 em coletiva.net

O   Julio Ribeiro  é  da intrépida e restrita tribo dos jornalistas empreendedores. Está em boa companhia com a nossa publisher do Coletiva, a  Marcia Christofoli, o José Aveline da Revista Gool, o Ayres Cerutti e sua Programa, o Fernando di Primio da revista FreWay, que resistem às adversidades do mercado, mantendo seus produtos gráficos e, às vezes,  até lançando novos. E tem ainda o pessoal televisivo com suas produções independentes. Tiro meu chapéu pra  eles, eu que só arrisco mesmo  na edição dos meus livros que, felizmente, tem retornado o investimento e até deixado algum para a cervejinha do fim de semana.

Por isso, sempre que posso, elogio esta  turma e começo com o exemplo do Julio (sem acento, ele  informa), que edita as revistas Press e sua cara metade Advertising  e a nova Press Agrobusiness.  O Prêmio Press, que ele promove há 20 anos, é um sucesso a cada edição. Tenho participado como votante nos últimos anos e, na falta de uma melhor designação, entro na cota dos “decanos” (e eu ainda elogio o Julio!). O mais recente empreendimento do Julio é o programa Valvulados, que reúne na Rádio Press/web a cada semana uma dupla  de convidados que tenha afinidades. Na vez em que participei, fui honrado com a parceria do Cláudio Moretto, meu colega  de Rádio Gaúcha  no século passado. A versão feminina é o Campo&Batom, o programa da mulher rural brasileira, entrevistadas pela bela Alessandra Bergmann, que alia competência e charme à exímias performances no tango.

No Valvulados de 18/02 estavam presentes o ex-jogador e técnico Cláudio Duarte e o jornalista e vereador Joao Bosco Vaz, outro da tribo dos empreendedores com seu Encontro do Esporte, no Canal Bah. Sucede que tanto o Cláudio como o Bosco tropeçam na gagueira e me atrevi a sugerir ao Julio que trocasse o nome do programa para Gaguejados. Os dois participantes levaram a provocação numa boa e o máximo de retaliação foi me chamarem de “gaga”.

Pois, foi a partir desse episódio e de algumas refregas vistas nas redes sociais que fiz outra sugestão ao Julio, que vale como desafio também para os demais corajosos:  investir em programas temáticos quanto ao perfil dos convidados.  O primeiro seria o programa dos chatos, estes em número cada vez mais crescente entre nós, muitas vezes travestidos de  “politicamente corretos”.  Algo assim como Programa dos Malas, com o slogan “antes no ar do que ao lado de você”.

Outro segmento com potencial  seria o dos Maus Caráteres (Os Maucas) com sua variação dos Sem Caráter (Os Semca), que, no fundo, dá na mesma.  Claro que o Julio e eu elencamos uma série de conhecidos para participar de cada edição e, igualmente, do malario, mas nem sob tortura revelaremos os nomes. Tem ainda espaço para um programa dos Sem Noção, outro grupo que não para de se expandir.  E, por fim, poderíamos cruzar convidados, como os chatos reunidos com maucas num programa que intitularíamos de MalCarater.  

Garanto que todos os temáticos seriam um sucesso de audiência, embora reconheça a dificuldade de levar os convidados aos programas, mas isso é detalhe diante da grandeza e diversidade da proposta. Aliás, o Julio bem que poderia  criar novas categorias no Premio Press, como o Mala do Ano, o Mauca do Ano, o Maior Sem Noção, por aí. Certamente os mais votados não fariam campanha para serem agraciados na noite da premiação, mas isso também é detalhe.

Quem criticar essas ideias será considerado com grandes chances de receber convites  para participar de todos os segmentos. Como bônus, poderá ainda ser indicado como Mala do Ano.


terça-feira, 3 de março de 2020

Interagindo nas redes sociais


* Publicado nesta data em coletiva.net

Graças as redes sociais, agora todo mundo tem opinião, mas...

- Não acrescenta nada, mas opina sobre tudo
- Opina sobre tudo, mas ninguém entende o que diz
- Não conhece nada sobre morto famoso, mas afeta intimidade elogiando a obra dele,
- Não conhece o aniversariante famoso, mas não hesita em postar seus parabéns
- É um idiota completo, mas nas redes acha que virou filósofo
- Manda recado em todas as postagens, mas ninguém sabe pra quem é.
- Tropeça no vernáculo,  mas exibe conhecimento com frases alheias
- Conta piada  de negrão,  de gay, de loira, mas nas redes banca o politicamente correto.
- Garante que não é petista, mas compartilha “Zé  Dirceu, guerreiro do povo brasileiro”
- Diz que é contra a corrupção, mas relativiza e justifica os malfeitos dos  governos petistas
- Garante que não votou no Bolsonaro, mas relativiza e justifica  todas as besteiras do presidente
- Diz que é um democrata, mas pede a volta do AI-5  e o fechamento do Congresso.
- Alardeia que não assiste a Globolixo, mas confessa que chorou com The Voice Kids
- Critica o baixo nível da TV, mas comenta que torce pelos gaúchos no BBB
- Prega a paz no futebol, mas é o primeiro a mandar longe o flauteador da rede.
- Denuncia os protestos pelas condenações seletivas, mas se cala quando a seletividade é do seu lado.
- Ninguém  se interessa para pelo o que ele escreve, mas se acha o máximo.
-  Considera-se um erudito, mas não resiste a um trocadilho infame.
- Considera-se um erudito, mas só posta obviedades.
- Só comete rima rica, mas  está convencido de que é o último  romântico  no Face.
- Defende a diversidade, mas posta e comenta sempre sobre os mesmos assuntos.
- Denuncia a parcialidade da mídia, mas não se cansa de compartilhar fake news,
- Critica as mensagens odientas, mas faz igual ou pior contra os antagonistas.
- Advoga a favor da tolerância, mas cancela o primeiro que contrariar suas ideias.
- Prega a pluralidade de ideias, mas chama de fascista/comunista quem é contra o que defende.
- Enfim, fervoroso pela coerência, mas não nas redes sociais.
(“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar  danos à coletividade”, Umberto Eco)

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Mistérios do Carnaval



Reeditada do original publicado em fevereiro/2013.

Já fui um folião militante, do  tempo em que existiam carnavais nos bairros e imperavam os bailes de salão. Lembro como se fosse hoje os blocos e tribos descendo a rua Ijuí, no bairro Petrópolis,  onde o chefe dos correios local e sua mulher promoviam, lá no início dos anos 60 do século passado, um animado desfile. 

Depois, passei a  frequentar clubes de primeira linha e outros nem tanto, sempre à procura de uma colombina para uma noite. Inesquecíveis carnavais no Petrópole Tênis Clube, na Sogipa, no Gondoleiros, no Clube Farrapos, no Caminho do Meio, no União e Progresso,  nas sociedades de praia e uma memorável noitada no Rio Branco, de Cachoeira do Sul – espero que as testemunhas silenciem à respeito.  Mais tarde, fuzarquei nos pré-carnavalescos e, à época, o Vermelho e Branco do Internacional, no Gigantinho, era imbatível.

Foi lá que deparei a menos de dois metros com uma Xuxa em início de carreira, seminua, fantasiada de libélula. Era a grande atração daquele ano, contratada  pelo Salim (de saudosa memória) e o Fernando Vieira, os promotores do Vermelho e Branco. Era bom! Ou nem tanto, pois foi na volta pra casa de um desses bailarecos que capotei meu Fusca Fafa, na curva da Estrada da Serraria que meus detratores apelidaram de "curva Flávio Dutra".  Meu Anjo da Guarda estava de plantão e ele e as mamonas, sobre as quais virou o carro, garantiram que nada me acontecesse, além do susto.

Depois, passei a ser um carnavalesco mais comedido e menos participativo,  Não escapei de acompanhar os filhos nos bailes infantis e, mais tarde, por dever de ofício, ia ao Porto  Seco ou assistia pela TV aos desfiles do Rio, com uma discreta preferência pela União da Ilha e pela Vila Isabel.  Aqui sempre torci pela Praiana.

Apesar da experiência  acumulada ainda hoje fico intrigado com algumas coisas do Carnaval, verdadeiros mistérios que perduram. É o caso da cuíca. Pra que serve a cuíca? Não faz percussão, não dita ritmo, apenas chora sem ser notada no meio da bateria. E por que nas baterias às mulheres só são reservados  os chocalhos, aquele instrumentos cheios de rodelinhas de metal? Por que as baterias, diferentemente das bandas que animam os bailes, não usam metais que dão um colorido todo especial às músicas?

Também me intriga o fato de os carros alegóricos quebrarem sempre na entrada da avenida, atrapalhando a harmonia e a evolução da escola. As escolas fazem um enorme investimento e ficam reféns de uns cacos- velhos. Pode isso, Arnaldo? Não consigo entender, ainda, porque determinadas alas insistem em usar fantasias pesadonas, com adereços difíceis de carregar e equilibrar, quando o ideal seria a leveza das vestes para permitir  um desfile sem incômodos. E quem é que sai com aquelas mulatas maravilhosas?  E será que o Rei Momo, findo o Carnaval, devolve ao prefeito as chaves da cidade? Dúvidas, mistérios!

Até hoje tento entender outro mistério:  porque as moças da Secretaria da Saúde faziam questão de me oferecer camisinhas quando me encontravam no Sambódromo. Não que eu fosse contra a campanha educativa, mas é que meu prazo de validade esta vencido, tanto quanto um preservativo não usado há muito tempo.  O detalhe é que sempre guardava as camisinhas. Vai que...


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O velório


*Inspirada em fatos reais

Nunca houve um velório como o do Zimba, vítima  de insidiosa doença, contra a qual lutou bravamente. Figura popularíssima no meio em que transitava, colecionou  inúmeros amigos e pelo menos duas famílias. Uma que seria a titular,  ou melhor, a primeira,  com uma fileira de filhos e netos e a segunda no paralelo, com “aquela outra” como diziam os familiares, em tom difamatório, referindo-se à senhora loira que morava numa cidade do litoral. 

Esse era mais um viés da diversidade de interesses e atividades do nosso amigo, um qualificado profissional  das artes gráficas e talentoso músico, tanto  nos  vocais como no manejo de vários instrumentos, com ênfase nos sambas de raiz. Tocava pandeiro como ninguém, enquanto balançava o corpo, um tanto roliço na fase da maturidade, o que não impedia graciosos passos sincopados com a música.

O velório foi no ritmo de vida  do  Zimba, em alto astral. Capela mortuária lotada, o caixão dominando o centro, coberto em parte com a bandeira do Grêmio e ladeado  por um conjunto de instrumentistas à espera do momento para fazer a derradeira homenagem musical ao parceiro de tantas rodas de samba, em noitadas memoráveis.
 
Junto ao caixão reinava dignamente a viúva oficial, dona Divina,  recebendo os cumprimentos dos conhecidos, que eram muitos e não paravam de chegar.  O gesto de solidariedade por pouco não redundava em riso ao desviar o olhar para o  Zimba, ali ao lado,  encaixotado e enfatiotado, mas com aquele jeitão debochado, como se pudesse dizer: “Tô numa  boa  aqui, minha gente.” O pessoal se continha, porém.

Em seguida  começou o  show musical, que de fúnebre não tinha nada. O cavaco chorou e o violão  atacou  um repertório de levantar defunto, mas não foi o caso, embora houvesse quem jurou ter visto o Zimba  dar uma leve agitada na sua morada transitória, impressão forçada pelas doses de bebidas ingeridas por quem observou a improvável movimentação no ataúde.

Horas antes, em caminhada à beira do Guaíba,  dois amigos, ex-colegas de trabalho do falecido, comentaram o passamento do Zimba, Um deles explicou porque não iria ao velório e tão logo terminou a explicação foi atingido por uma pomba, vinda dos céus. Sim, uma pomba desgarrada e desorientada, acertou o caminhante, numa ação jamais vista .naquelas paragens.

- Só pode ser coisa do Zimba. Está me mandando recado -, assombrou-se o atingido pelo projétil columbófilo.

Corta novamente para a capela mortuária., onde o amigo Igor, cantor  da noite, não resiste a emoção  e sai antes da encomendação, aos prantos, enquanto a neta do encomendado, numa  cena tocante, dava voltas no caixão declamando “te amo, meu vozinho.”   Zimba era um homem que prezava  a família, tanto assim que tinha duas.

Histórias escabrosas envolvendo o personagem, algumas francamente exageradas, mas todas com epílogos engraçados, foram recordadas, provocando risadas  dos circunstantes.  Entre elas, a da volta dele ao lar, depois de três dias de folia carnavalesca. Insone, precisou fugar num momento de distração de  dona Divina, que ameaçava cortar  seu membro mais precioso com uma afiada faca churrasqueira, caso caísse no sono. Outra feita, escapuliu às pressas do consultório médico, onde se submeteria a um toque retal, quando percebeu que o urologista possuía mãos e dedos graúdos como um jogador de basquete. “Expliquei à recepcionista que estava mesmo era com problema no joelho e me mandei”, teria revelado na ocasião.

Perto do meio dia, a filha mais velha do Zimba começou a avisar: “Deu gente, acabou, acabou. Podem ir embora, terminou, terminou. Obrigado por terem vindo, mas tá na hora. Vão embora”.
O pessoal não entendeu a pressa da moça, mas o imperativo das ordens dela começou a esvaziar a capela.  O procedimento tinha razão de ser: Zimba e seu caixão precisariam fazer  um curto passeio antes da viagem eterna.

Ocorre que um civilizado  acordo  garantiu um segundo velório, este no litoral e exclusivo para a loira que dividia o trefego e tão amado Zimba. Não se tem notícia  de quem costurou esse nobre e generoso acordo, mas, sem dúvida,  foi um cidadão de bem e certamente uma pessoa precavida, que ao evitar a presença “daquela outra” no velório familiar, evitou igualmente constrangimentos de parte a parte. E lá se foi o Zimba com seu esquife  no carro funerário, em sua última passagem de ida e  volta pela Freway.

Entretanto, contrastando com  o concorrido velório de Porto Alegre, a despedida no litoral foi melancólica, para uma única pessoa, mas justa para quem  tinha aguentado estoicamente nos  últimos anos, as inconstâncias do parceiro compartilhado.  Zimba não era fácil, mesmo assim mereceu lágrimas sinceras da companheira de tantos prazeres e uma oração que visava, acima de tudo, redimi-lo das intensidades cometidas, o que talvez pudesse ajudá-lo no julgamento junto ao Criador, pensava a crédula senhora.

Findo as atos litorâneos, Zimba voltou e pode, afinal, descansar em paz, só a espera da cremação, mas ainda assim precisou se dividir: as cinzas foram repartidas, de forma igualitária  entre as partes de Porto Alegre e do Litoral.

(Só espero que, por causa deste texto, o Zimba não me atire um urubu na cabeça nas minhas caminhadas por Ipanema. Zimba, aceite como um tributo a uma figura ímpar!)

* Publicado nesta data em coletiva,net.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Urgência na nação amiga


* Publicado nesta data em coletiva.net
Digamos que numa nação amiga um poderoso vírus ameace boa parte da população  e o governo decida construir, de forma urgente e em tempo  recorde,  um hospital para atender os casos que começam a ser registrados em vários  pontos do país. O exemplo veio da China,  que ergueu em apenas 10 dias um hospital com mil leitos para fazer frente aos efeitos do coronavirus.

Na nação amiga o primeiro problema  é escolher o local onde será construído o  hospital. Os estados da federação entram na disputa pela a obra, porque ela representaria um pesado investimento federal, movimentando toda a economia regional e gerando preciosos empregos. Enquanto isso, as cidades com potencial para sediar o hospital enfrentam forte resistência da população, por conta do temor que o contágio se alastrasse. O debate consume mais de 30  dias, com ferozes enfrentamentos nas redes sociais entre os contra e os a favor da implantação do complexo hopitalar.

Outros 30 dias  foram consumidos para decidir se o projeto executivo da obra seria licitado ou não, tendo em vista tratar-se de uma iniciativa emergencial. O Ministério Público exige licitação depois de mais de três semanas de análise do caso.  Feito o projeto, devidamente licitado, o Tribunal de Contas aponta superfaturamento nos custos e determina nova licitação.  A segunda empresa colocada no  processo apela para uma ação judicial, alegando que deveria ser a vencedora. O caso vai para o Supremo da nação amiga que, naturalmente, fica dividido e precisa de três sessões para chegar a uma decisão. Apenas o voto  de uma ministra  demandou uma sessão inteira, ninguém entendeu nada dos argumentos dela, mas contribuiu para os mais 45 dias de atraso.

O presidente da República chega a cogitar a criação de uma estatal para tratar do empreendimento, mas acaba voltando atrás. Só que a indecisão deixa tudo em suspenso por uma semana.
Finalmente, o local é escolhido, o projeto  liberado e começa nova etapa e nova discussão: licitar ou não a execução da obra. Mais  60 dias de idas e vindas burocráticas, pareceres  do MP, intervenções na Câmara e no Senado, mais denúncias de sobrepreço, apontamentos do Tribunal de Contas, liminares e decisões judiciais, até que a obra possa ter início.

Começa, enfim, a construção que, porém, é suspensa logo na primeira semana. Motivo: sondagem geológica não apontou a existência de uma enorme pedra que aparece agora no terreno.  O projeto precisa ser refeito. Mais 60 dias de atraso.  A obra é retomada, mas não avança porque  a  fiscalização do meio ambiente descobre um pequeno butiazeiro na vizinhança do terreno e embarga a construção. Nova alteração no projeto e mais 60 dias de retardo.

Tudo resolvido, a construção para novamente devido a paralisação dos operários por falta de pagamento. A empreiteira alega atraso nos repasses do governo.  O governo argumenta  que precisa uma suplementação orçamentária e isso exige aprovação do Congresso.  Foram mais 90 dias de atraso, incluindo um recesso, e de acalorados debates e custosas negociações, nada republicanas, com os aliados. O processo legislativo só não se arrasta mais porque o Executivo lança mão de uma medida provisória para agilizar a tramitação, com protestos veementes da oposição.

Quase dois anos depois, quando a obra com seus 50 leitos finalmente fica pronta, a população infectada cresceu em progressão geométrica. Nem assim o hospital começa a funcionar: os bombeiros não permitem a abertura, cobrando o inexistente plano de prevenção contra incêndios.    Isso não impede que o governo da nação amiga, diante do alastramento do virus, anuncie que vai construir um segundo  hospital...

Determinadas coisas só acontecem na nação amiga.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As pessoas, o mesmo e aquele outro


* Publicado nesta data em coletiva.net

“As pessoas” é uma instituição cheia de atividades. Observe a naturalidade com que “as pessoas” se referem às “pessoas”.  Frases do tipo: “As pessoas estão usando muito...”, ditando comportamentos;  “As pessoas estão postando a mil nas redes sociais”, em modo digital;   “As pessoas não gostam que...”, em viés opiniático;  “Conheço pessoas que...”, afetando intimidade. E por aí vai. Quase um sujeito indeterminado esse “as pessoas”.

Na real, nada mais impessoal que “as pessoas”. “As pessoas” é um conjunto incorpóreo, sem rosto, mas tem a pretensão de ser uma parte de outro coletivo muito citado, a sociedade, e de representar a opinião pública como um todo, quando se manifesta nas conversas de terceiros. As vezes assume sua porção laranja, ao apelar  para as opiniões “das pessoas” para não  se comprometer. Sabe, aquela frase “as pessoas estão  dizendo que...”.  

A redução de “as pessoas” é o “gente” ou o “a gente”, sempre citado por repórteres e entrevistados sem muitos  recursos. Olha, se eu fosse ‘as pessoas’ me insurgiria contra este uso indevido e  abusivo da expressão que me acolhe.

O mesmo não seria necessário para “o mesmo”, uma entidade ligada umbilicalmente aos elevadores. Ninguém ainda viu “o mesmo” que é citado em todas as plaquetas de advertência junto as portas dos elevadores, assim: “Antes de entrar no elevador, certifique-se que o mesmo encontra-se parado neste andar”.  Até uma comunidade foi criada  por internautas “Eu tenho medo do mesmo”, como se fosse um ser  vivo e atuante, embora nunca visto, o que não impede “as pessoas” de adentrarem ao elevador sem a garantia de  que “o mesmo” encontra-se,  parado ou se movimentando, no andar. Uns puristas da língua insistem em que “o mesmo”  é uma expressão usada erroneamente nas plaquetas. Bah, se “o mesmo” sabe disso vai dar confusão e é até  capaz de ser visto  e protestando.

E tem “o outro”, muito usado em argumentações  do tipo “como diz o outro” ou “como diz aquele outro”, seguida de uma obviedade qualquer.  Embora pareça  muito próximo, porque é citado com frequência, as pessoas, mesmo as mais esclarecidas, não sabem mesmo de quem se trata, onde vive e do que se alimenta. Ou seja, o outro é  outra história.

Por  fim, duas sugestões de título para este texto: “O que faz a ociosidade” ou “Um texto cheio de aspas”.