sábado, 21 de março de 2015

Vexame escatológico

Encontro minha cara amiga Celine à saída do restaurante que só frequento em dias de pagamento, uma vez que a comida é ótima, assim como o atendimento, mas o preço é pra lá de salgado.  Mas isso não vem ao caso porque um encontro com Celine sempre rende boas histórias, como a que ela me contou na ocasião, enquanto esperava que vagasse uma mesa.

O caso ocorreu com um amigo de infância, homem realizado profissionalmente que, depois de dois casamentos e viver uma dezena de anos na Europa,  retornou ao Brasil e passou a curtir a boa vida em Brasília. Recém entrado nos 60 anos, mas bem conservado, numa das festas trocou olhares com conhecida socialite,  ex miss  de um tradicional concurso de beleza.  A senhora já não cozinhava na primeira fervura, embora ainda  muito competitiva, tinha um passado glorioso e circulava como se ainda ostentasse a coroa de miss. Uma coroa irresistível, com o perdão do trocadilho.

Então aconteceu o que tinha que acontecer.  Nosso amigo arrastou a socialite para seu apartamento de cobertura e lá tiveram uma noite que ele considerou luxuriante.  Como era uma estreia e ainda mais com um ícone feminino,  o cidadão resolveu não correr riscos e ingeriu uma pílula azulzinha.
Na manhã seguinte, faceiro da vida, perguntou à senhora se poderiam se ver mais vezes.

- Sem problemas, mas da próxima vez é bom tomar um Viagra que ajuda nessas horas.

O amigo da Celine ficou perplexo,  sem entender onde errara e já decidiu que da próxima vez combaterá a forma borrachuda com dois comprimidos.

Solidária com o amigo, mesmo assim Celine deixou escapar que ele já dera vexame em outra circunstância no passado, antes de migrar para a Europa. Um vexame escatológico.  Foi assim:  durante o ato com uma nova parceira teve uma súbita indisposição estomacal  e foi três vezes ao trono diante da apalermada moça.  O resultado é que ele não conseguiu mais dar conta do recado naquele encontro. O pior foi ouvir a sentença da amiga quando revelou a ela o episódio.

- Assim tu me envergonha: além de brocha, cagão.



domingo, 15 de março de 2015

Eu fui.


Confesso que até ontem, sábado, estava em duvida se participava da manifestação deste domingo. Já revelei que sou totalmente contrário ao impeachment, queiram ou não uma das bandeiras de grande parte dos manifestantes, só que não vejo razões para apear a presidente do cargo.  A não ser que se prove que meteu a mão, o que não acredito. Também não contem comigo para pedir a volta dos milicos.  Deixem as forças armadas cuidando das fronteiras e fazendo seus exercícios de guerra de brinquedo.

Mas fui como que intimado pelo meu filho que, junto com a irmã mais velha, foi cara-pintada no “Fora Collor” quando eram secundaristas. Aí descobri que ele e seus primos e tios haviam montado uma rede e uma logística para estarem presentes ao Parcão e seguirem em caminhada até a Redenção.  Descobri também que estou cercado de “coxinhas”- acho o termo carinhoso, simpático, quase meigo -  na família,  nós que já convivemos com preferências partidárias de vários tons, da direita à extrema esquerda.

Eu seria o pior dos calhordas, o mais repulsivo dos omissos, o ultimo dos derradeiros, se não atendesse a essa convocação. Afinal, é pelos meus filhos e os filhos dos meus filhos que a grande maioria de nós quer lutar por um Brasil  com melhor futuro , mais justo e íntegro, sem divisões forçadas entre a sua gente e  pleno de democracia acima de tudo. Pieguice, simplificação? Pode ser, mas foi o que me impulsionou quando decidi sair da minha zona de conforto e reforçar os protestos contra o desgoverno e a corrupção que nos atormentam e envergonham. Não é golpismo, não é revanche, não é pelo impeachment, é só indignação, pelo menos da minha parte.

Então, vesti uma camisa amarela, um sapatênis, providenciei uma garrafa de água e me fui. O que vi foi um mar verde amarelo que tomou o Parcão e as ruas próximas, muitas bandeiras do Brasil, camisas da seleção, poucas do Grêmio, nenhuma do Inter por causa do vermelho, faixas  e cartazes contra o governo e o PT, contra a corrupção e, é claro mas em menor número, a favor do impeachment. 

Vi muitas famílias protestando em conjunto, gente de todas as idades, nenhuma liderança politica querendo aparecer e um clima de confraternização entre os 100 mil manifestante estimados pela Brigada Militar.  Ouvi mais gritos de “fora PT” do que “fora Dilma”, chamamentos tipo “vem pra rua”, provocações como “eu vim de graça” e outras menos nobres, as quais não me associei, contra a presidente, contra Lula e o PT. Não vi qualquer incidente, apenas vaias a um ou outro morador – de prédios nobres! - que contrapunha uma solitária bandeira vermelha à onda verde e amarela.

Acho que foi só o começo de um movimento muito maior, por isso espero que a manifestação não tenha sido em vão, porque deu uma canseira...





sexta-feira, 13 de março de 2015

Fim do mundo à brasileira


Começo a me preparar para o fim do mundo.  Não, não fui cooptado por nenhuma dessas seitas fatalistas que marcam data para o Juízo Final e nada acontece. Ocorre que os sinais que o mundo despirocou e que os quatro Cavalheiros do Apocalipse estão chegando são muito fortes, 
especialmente no Brasil.  Estou convencido que aqui será o cenário do grand finale, eis que estamos fazendo de tudo para atrair a ira vingadora dos céus.

De acordo com a visão profética do apóstolo João os quatro cavaleiros surgirão nos céus antecedendo e como prenúncio do fim de todas as coisas. Fico matutando se os quatro personagens - a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte -   já não estão entre nós de uma forma que não os percebemos como tal e já associados para confirmar a profecia.

Não perco essa mania de bancar o erudito quando, na verdade, pretendia mesmo era destacar as falsetas brasileiras que desafiam os astros e a razão, clamando pelo Apocalipse. Tomem como exemplo o caso do juiz Flávio  Roberto Souza (conspurcando o bom nome dos flávios!)  que desviou mais de R$ 1 milhão do judiciário, mas as falcatruas só foram descobertas porque o sem noção resolveu dar um bordejo com o Porshe do Eike Batista, agregado ao seu patrimônio, junto com um piano digno dos melhores concertos.

E o que dizer do descaramento explícito do ministro Dias Toffoli que num dia pede para integrar a turma do Supremo que vai julgar o Petrolão e no dia seguinte vai confabular com a presidente Dilma? E dos dois exemplos recentes de cinismo explícito, o primeiro dos manifestantes pró governo que saíram às ruas para defender a Petrobras que o próprio partido que está no poder deu um jeito de saquear e desvalorizar;  e o outro do patrono da corrupção, Paulo Maluf, indignado com a presença do nome de correligionários seus na lista do procurador Janot.

A propósito de manifestações chamou a atenção a foto de uma militante do MST saboreando um assado no restaurante Outback e manuseando um sofisticado iPod, enquanto no centro de Porto Alegre outros companheiros faziam fila para devorar um Big Mac,  símbolo maior do capitalismo americano, isso um dia depois de terem invadido as instalações de uma multinacional no interior do Estado. Refugaram o pão com mortadela.



Com atitudes prosaicas, contraditórias ou nem tanto, esse pessoal está virando o mundo de cabeça pra baixo. É o fim dos tempos chegando. Minha única dúvida é sobre o que vem primeiro: o julgamento do Petrolão ou o Juízo Final. Aposto um Big Mac no Juízo Final.   

quinta-feira, 12 de março de 2015

Leais e sinceros adversários

Dureza hoje em dia é defender o PT.  De paladino da ética e da integridade na politica, o partido afastou-se do seu ideário e acabou envolvido,  por algumas de suas mais importantes lideranças, nos mais retumbantes escândalos recentes que abalaram a República. 

Apesar de tudo, o partido conta com a presidente reeleita e é preciso preservá-la  do mar de lama e também  preservar e resgatar o projeto  da coalização que governa o país há 12 anos.  E é o  papel que assumiram alguns dos meus mais íntegros conhecidos, aos quais rendo minha sincera homenagem pela coragem e lealdade à causa petista. Já nem falo do colunista Moisés Mendes (ZH) nem do blogueiro Mário Marcos de Souza que diariamente esgrimem os argumentos governistas com a mesma determinação com que fustigam os adversários. Conheço bem os dois e sei que estão imbuídos da convicção dos que se acreditam justos.

Louvo ainda meus adversários cordiais - ou nem tanto - e me atrevo a nominar os que lembro, como Maria Lucia Sampaio, Jorge Linden, Carla Seabra, José Aveline, Antonio Oliveira, Nilton  Fernando, Celso Schroder, entre outros, a grande maioria jornalistas como eu.  Sintam-se homenageados, porque, cada um conforme suas convicções, combate um bom combate.

O que me causa espécie são aqueles outros, os enrustidos que não assumem claramente suas posições e ficam no meio do caminho, jogando para a torcida, cheios de mimimi, pra usar um termo da moda. É fácil identificá-los: são os que admitem  alguns malfeitozinhos  no seu lado e partem para o ataque sangrento contra o outro lado.  É a turma do “mas”, que sempre tem uma justificativa.  “Sou contra a corrupção, mas tudo começou na era FHC...”

A propósito, pra que não restem dúvidas sobre o meu posicionamento, sou legalista, contra o impeachment  da presidente, a não ser que se prove que meteu a mão, o que pessoalmente não acredito.  Se pecado houve, foi o da omissão, mas nem isso e nem o estelionato eleitoral praticado justificam a perda do mandato. Quanto ao resto é só desgoverno a merecer o meu repúdio. E que venham os contraditórios dos adversários cordiais - ou nem tanto.


segunda-feira, 9 de março de 2015

Fanta Uva e berinjela

Dize-me o que bebes e te direi quem és.  Essa corruptela de um velho ditado aplica-se especialmente aos moços que se atiram a conquistar uma nova cara metade, mesmo que por um curto período. Desde cedo as moças apreenderam a desenvolver uma sensibilidade refinada para certos gestos, linguagens, preferências do parceiro em potencial e, a partir de seus julgamentos, determinar o perfil do sujeito e as chances de o caso prosperar.

As bebidas preferidas dos parceiros são  seriamente levadas em consideração. Sei de várias situações ocorridas  e admito, ligeiramente constrangido pelo naipe masculino, que em todas elas estavam absolutamente certas.  

Um exemplo me foi relatado tempos atrás quando um grupo de amigas concluiu – em conversa no banheiro -  que o namorado de uma delas, recém apresentado num happy, era gay porque pedira um kepp cooler,  sabor pina colada,  para brindar.  Dias depois a enamorada apartou-se do enrustido.

A amiga Gioconda contou-me outro caso, o de uma colega de trabalho que estabeleceu uma relação com um psicólogo por intermédio do Facebook.  Depois de vários inboxes pra lá e pra cá, o pretendente convidou-a para jantar.  Pessoalmente, o tal psicólogo era tudo de bom: bonito, charmoso, bom de conversa e bem situado econômica e financeiramente. . Porem, a primeira ficha caiu ao  pedirem as bebidas no jantar. Ela, afetando elegância, repassou a ele a escolha do que beberiam.  Aí ocorreu o choque:

- Duas Fantas Uva, por favor, solicitou ele garçom.

- Não entender a elegância do meu gesto, tudo bem, mas pedir Fanta Uva era demais, queixou-se mais tarde a moça.

Mesmo assim, disposta a uma segunda chance, aceitou o convite para ir ao apartamento dele, um belo imóvel situado em bairro nobre.  Lá chegando ele pediu licença, avisando que voltaria em seguida.  A moça logo fantasiou o retorno do fantauveiro,  que se achegou de mansinho por trás, encobriu os olhos dela com as mãos e pediu que abrisse a boca. Ainda fantasiando, ela esperou ser brindada com um morango ou um bombom de trufas.

- O desgraçado me enfiou boca a dentro um naco de berinjela cozida e ainda perguntou se eu havia gostado.

Cá entre nós, sou um militante apreciador de berinjela em variadas formas de preparo, mas não consigo perceber nenhum traço erótico nela, diferente do morango e do bombom.  A moça compartilha da mesma opinião, tanto assim que  aproveitou o episódio da indigesta berinjela para escapulir do psicólogo de gostos estranhos.

- Dei uma desculpa qualquer e me mandei.  O tal psicólogo é que esta precisando se tratar, concluiu.


Depois dessa roubada, nossa personagem só engata relacionamentos depois de pesquisar as preferências gastronômicas e etílicas de seus futuros parceiros. 

domingo, 1 de março de 2015

Estrategista do amor

O Totonho é um cidadão acima de qualquer suspeita, profissional correto e competente, pai amoroso,  marido exemplar.  Ninguém diria hoje que já foi um devasso, um oportunista do amor.

O passado nebuloso dele veio a tona através do próprio, numa conversa na hora do almoço, naquele interregno entre a salada de folhas verdes e os pratos quentes.  Suas duas acompanhantes ficaram estarrecidas quando ouviram a sentença, pronunciada em tom ligeiramente épico:

Eu fui a primeira vez de muitas meninas. Já marquei a vida de muita gente.

Totonho  não é, digamos, um símbolo sexual, mas deve ter lá seus encantos para ter se constituído em piloto de provas de “muitas meninas”. Só que  a confissão, dita daquela forma e acompanhada de um olhar vago ao infinito, aguçou a curiosidade das duas moças;

- Joinha isso, foi só o que ocorreu dizer uma das acompanhantes, ainda impactada pela revelação. 

- Alguma conhecida? perguntou a mais sorridente, sempre muito interrogativa.

Totonho desconversou, mas não se furtou a contar um pouco da sua estratégia naqueles tempos sem as liberalidades de hoje.

- Pegar mesmo só as feias. As bonitas tinha que namorar muito tempo antes de a gente conseguir algum avanço. Dava uma trabalheira, mas às vezes valia a pena. E aí ficava mais um tempo com a guria...

As moças decidiram reagir,  partiram para a reprovação à atitude e,  como sempre, acabaram envolvendo todo o naipe masculino.

- Vocês homens são f*...Desde cedo são calculistas, premeditam tudo, afirmaram incisivas, quase em  dueto.

Ao me relatarem a história achei mais correto denominar nosso amigo de “estrategista do amor”, um guerreiro capaz de qualquer sacrifício para atingir seu intento. Para reforçar a tese até lembrei que ele me contara,  tempos atrás, a primeira vez em que usara o clichê que hoje está consagrado.

- Fomos flagrados pelo pai de uma parceira em pleno bem-bom. O cara era milico e só me ocorreu dizer: ‘Calma, que eu posso explicar’, antes de ser expulso da casa, só de cuecas e com as roupas embaixo do braço.

Ainda estarrecida com as revelações, a moça de sorriso largo deu margem a que o encontro se prolongasse, talvez querendo empatar o jogo, ao contar as peripécias carnavalescas vividas recentemente no Rio. Mas ai já é outra história porque no seu cérebro continuava ecoando a frase reveladora:

- Eu fui a primeira vez de muitas meninas!



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Assalto ideológico


*Baseado em fatos reais

Este causo quem me relatou foi o Neni, que sabe tudo de política e de Grêmio. É sobre o primeiro tema o relato, que dá conta de um assalto a um boteco categoria pé sujo, lá para os lados da zona norte. Sucede que o  boteco era em frente ao edifício onde morava uma das mais importantes lideranças do chamado campo da esquerda.  Na época nem era tão importante porque o tal campo de esquerda ainda não havia provado as benesses do poder, mas a liderança já era bem conhecida graças a sua atividade sindical. E, claro, ele estava presente no estabelecimento assaltado, dando uma calibrada, quando ocorreu o fato. 

Diante do indivíduo que ditava ordens aos assaltados, a liderança não se conteve e chamou-o à razão:"Companheiro, a gente precisa se respeitar, afinal nós aqui somos do partido que representa a classe trabalhadora.  No fundo somos iguais na luta diária dos desvalidos contra os poderosos".

Sem querer, a liderança cometeu um ato falho histórico ao prever a igualdade entre o ladrão e determinadas lideranças do campo democrático de esquerda, o que não é o caso do nosso personagem, figura inatacável.

O que ele não esperava era a resposta do assaltante: " Pois eu sou neoliberal",  tripudiou o incômodo visitante, revelando alguma cultura politica. "E passa logo este anel ai", determinou, apontando para o dedo nodoso que ostentava uma  vistosa aliança dourada.

Nosso líder ainda tentou protelar a entrega, alegando que não conseguia tirar a aliança. Pragmático, o assaltante ofereceu logo uma solução: "Não seja por isso, cidadão. Mostra o dedinho aí que eu resolvo". E sacou da algibeira uma faca de dar inveja a churrasqueiro zeloso.  Foi então que num passe de mágica a aliança desgarrou do dedo nodoso e foi entregue ao perigoso pedinte.

O dono do estabelecimento, por sua vez,  tentou esconder no bolso da camisa, uma peça de vestuário moderninha para a época, uma correntinha dourada, herança familiar de três gerações. Mas a estratégia não deu certo.  Na saída do restaurante, consumada a limpa na clientela, o assaltante virou-se para o proprietário e anunciou: " Ô, meu, gostei muito desta tua camisa. Tira ela que eu vou levar".E lá se foi a medalhinha da família.

Ao final, salvaram-se todos, fisicamente inteiros, mas moralmente  abalados.  A liderança politica resumiu o sentimento do grupo:

- Que país é este em que não se respeita nem mesmo uma liderança dos oprimidos? Cumpanheirada, ainda temos um logo e duro caminho pela frente, vaticinou.

E pediu um liso dose dupla para confortar-se e retomar a tranquilidade.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Carnaval da mesmice

* Reeditado a partir de original publicado em fevereiro de 2010, mas continua valendo.

Está aí o Carnaval, que os antigos chamavam de Tríduo Momesco, e já me preparo para a repetição das mesmas imagens, dos mesmos chavões, nas coberturas televisivas. As telinhas serão invadidas por aqueles horrorosos bonecos gigantes de Olinda e o repórter Francisco José, na sua aparição anual na TV, vai fazer os mesmos comentários sobre a empolgação do Galo da Madrugada, a história do Homem da Meia Noite e da Mulher do Dia, e por aí vai. O cabeça branca Francisco José já deve ter decorado o texto, de tanto repetir as mesmas ladainhas sobre as mesmas imagens.

 Corta para Salvador e lá aparece a procissão de Trios Elétricos e as mesmas figurinhas carimbadas sacolejando sobre os palcos móveis com a massa frenética pipocando lá embaixo, suando nos seus abadás. E muita louvação ao Chiclete com Banana, Osmar e Dodô, Timbalada, Olodum, Ivete Sangalo, Cláudia Leite e outros menos votados.

No Rio e em São Paulo, o repeteco não é muito diferente. Os enredos mudam e mostram novidades, mas a cobertura televisiva não apresenta diferenciais. Ao contrário, evoluiu em tecnologia, mas falta aquela sacada, aquele algo mais. Com um agravante: o naipe de comentaristas, gente da melhor estirpe, não consegue emitir uma opinião conclusiva ou mais contundente, como se avaliar criticamente o resultado do trabalho dos carnavalescos fosse um crime de lesa cultura. E o que vemos é uma profusão de efeitos especiais para mascarar a mesmice da transmissão burocrática, que não expressa a verdadeira dimensão da grande festa popular.

Aqui, nosso Carnaval só evoluiu nos blocos de rua e parece ter estacionado no passado nos desfiles das grandes escolas, tanto assim que sobram ingressos para o Porto Seco.  Além disso, vou ser obrigado a conviver com duas pautas obrigatórias que se repetem todos os anos. Uma é a do Rebanhão, aquele pessoal que prefere fazer retiro durante o Carnaval e orar pela redenção dos pecadores e bota pecado nisso. Parece que estou vendo o repórter fazendo seu boletim na igreja ali do Cristal, tendo ao fundo os fiéis, mãos erguidas aos céus, entoando hinos sacros e muitas rezas. A outra é o Carnaval no barro, de Santa Bárbara do Sul. Vocês já devem ter visto as cenas do pessoal todo enlameado, por isso vou me abster de outras considerações.

Diante deste quadro estou pensando em sugerir aos pauteiros, chefes de reportagens e editores que poupem energia e recursos. Busquem nos arquivos as imagens desses eventos em anos anteriores e coloquem no ar, pode até repetir o texto, que vai dar na mesma.

De minha parte, já decidi: este ano vou me refugiar e curtir minha rabugice em Curasal.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Que crise!*

* Baseado em fatos reais

A crise econômica que ameaça o Brasil já chegou às finanças de todos nós.  Era inevitável e nem falo dos preços do essencial e do supérfluo nos supermercados e mercadinhos.  A gasolina disparou, a energia elétrica nos dá choque a cada conta e, com isso, toda a cadeia produtiva está validada para aumentar os preços dos seus produtos e serviços. 

Tive um exemplo prosaico dia desses quando precisei do sujeito que corta a grama lá de casa e ele me avisou, respeitoso, mas cheio de razão: “ Doutor,  não saio de casa por menas de 150 real.”  Assim mesmo, no singular e atropelando a gramática, e 50% acima do que cobrava anteriormente. Marchei bonito, antes que o mato encobrisse a morada.

O pior desse  perverso processo antipovo  são outras situações que tenho testemunhado, situações de puro constrangimento a pessoas próximas, que  até então esbanjavam otimismo e muita grana.  Uma querida amiga, por exemplo,  foi interpelada no Centro Histórico por um morador de rua, 
estabelecendo-se o seguinte diálogo:

- Tia,  uma moeda pro almoço...

- Também quero, respondeu a moça, que de tia não tem nada.

O interpelante ficou muito contrariado e resmungou qualquer coisa sobre a insensibilidade humana. Mas a verdade é que a moça, antes frequentadora dos espaços gourmet mais festejados, agora tem que se contentar com os bufetes à quilo,  mais requisitados pelos seus baixos preços  e de preferência os que oferecem um suco grátis.

E tem o caso do titular de importante e demandada banca advocatícia que encontrei à entrada de um restaurante categoria pé sujo e que me confessou que aderira ao prato feito e a  à la minuta do referido estabelecimento. “ Sai mais em conta, sabe como é, a coisa não tá fácil “,  afirmou com convicção, mas logo escapuliu para não ser visto  por eventuais clientes num local pouco recomendável.

Outro parceiro, conhecido por afetar gostos refinados em relação às bebidas, foi surpreendido no BIG agarrado a um fardinho de Kaiser e a um tinto nacional.  Logo ele, que se dava ao luxo de escolher entre uma Duvel belga e uma Backer tcheca, e só aceitava servir vinhos e espumantes que custassem mais de 100 dólares, conforme recomendação que assistira num desses tantos programas de gastronomia da TV.  “Saudade dos churrascos com picanha e file mignon.  Hoje é na base do salsichão e da coxinha da asa”, confidenciou, ligeiramente desolado,  ao amigo que deu o flagra.

Mais um case: senhora de nossas relações só conseguiu agendar uma diarista depois de recorrer a uma amiga professora...que indicou outra professora que transferira seu turno na escola pública para a noite e faxinava durante o dia. “Ganho muito mais como diarista do que como professora, porque não estava dando pra sobreviver”, explicou, neste caso sem qualquer constrangimento.


Pensei  cá com meus zíperes em relação aos outros casos: ‘Esse pessoal perde status, mas não perde a pose, será que inventaram a chinelagem chique?’, mas logo revisei minha posição e me coloquei solidário com todos os que os que entraram para o time dos despossuídos, mesmo que momentaneamente. Foi aí que entendi a política governamental de encurtar a distância entre a base e o topo da pirâmide social brasileira.  Pensava que era promovendo  a ascensão das classes mais baixas, mas na prática é isso e mais o rebaixamento acelerado do chamado andar de cima. Só que crise é igual a inflação e recessão e  pega em cima e embaixo, e aí é salve-se quem puder. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Nostalgia do futuro

* Publicado originalmente em 16/04/2011, mas continua atual

Um estranho sentimento está se apossando de mim. Não é saudade do passado, mas uma nostalgia do futuro. Fico a imaginar o que ainda posso realizar daqui pra frente, o que de novo vou experimentar, o que me reserva de surpresas a roda do destino, eu que já palmilhei tantos caminhos, já sofri muitos reveses e celebrei tantas conquistas. 

Por mais que eu maneje os cordéis e tente direcionar o rumo, tenho consciência de que o comando desse processo não está nas minhas mãos e o futuro só me pertence como efeito de uma causa que provavelmente não criei. O bater de asas de uma borboleta do outro lado do mundo pode ter mais poder sobre o meu e o seu futuro do que todos os esforços que fizermos para aplainar o terreno do porvir. O “efeito borboleta” é real e não apenas roteiro de filme.

O que me tortura é o que eu não farei, os projetos que não realizarei, os livros que não lerei, os filmes que não verei, as viagens que não curtirei, os afetos que não trocarei, todos os sonhos que ainda acalento e que não tornarei realidade. Sinto imensa saudade do que ficarei devendo na minha biografia, grandes ou pequenos eventos que poderiam mudar o rumo desta quadra da minha existência, tão sujeita ao déjá vu.


O tempo é cruel conspirador contra os meus planos e mesmo que todos os deuses da terceira idade se unam a meu favor vai ficar um vazio e continuarei devedor de mim mesmo. É uma tremenda injustiça, mas pensando bem, pelo menos terei uma boa desculpa para as coisas que não farei.