domingo, 6 de outubro de 2013

Praga acadêmica.

Publicado originalmente em 07/11/2010, mas continua atual como nunca.

Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas. Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.

O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.


Ao republicar este texto me dei conta das picaretagens  cometidas sob o manto do “verniz acadêmico”.  Exemplo recente foi daquele especialista de uma universidade paulista, a serviço de determinada empresa que atua no segmento, a ditar opiniões, a partir de “um estudo”,  sobre a qualidade da água de várias cidades, inclusive Porto Alegre, por certo preparando terreno para que a tal empresa ofereça seus serviços. 
Mas o caso mais emblemático de como transitam esses “estudos” está sendo revelado pela mídia, conforme zerohora.com: "Num artigo publicado na sexta-feira na Science, o americano John Bohannon mostra o que aconteceu quando ele enviou para 304 revistas científicas um artigo sem pé nem cabeça: 157 delas aceitaram. O trabalho de Bohannon, assinado por um fictício autor de nome estapafúrdio - Ocorrafoo Cobange -, versava sobre uma molécula que, extraída de um líquen (simbiose de alga e um fungo como o cogumelo), teria o superpoder de combater o câncer. Não bastasse o autor ser inexistente, sua universidade também está para ser encontrada no mundo real: o Wassee Institute of Medicine, sediado em Asmara, é produto da imaginação de Bohannon.
- De um início modesto e idealista uma década atrás, revistas científicas de acesso aberto se expandiram a uma indústria global, movida por taxas para publicação em vez de inscrições tradicionais - afirma Bohannon.
Segundo o americano, era de se esperar que uma publicação como o Journal of Natural Pharmaceuticals, editado por professores de universidades do mundo inteiro, conduzisse revisões criteriosas. A revista é uma entre mais de 270 publicações sob o guarda-chuva da Medknow, empresa indiana que se anuncia como o nome por trás de mais de 2 milhões de artigos baixados a cada mês por pesquisadores. A Medknow, diz Bohannon, foi comprada em 2011 pela multinacional holandesa Wolters Kluwer. Ela pediu a Cobange apenas "mudanças superficiais" no artigo antes de publicá-lo.O artigo foi aceito por instituições acadêmicas de prestígio como a Universidade de Kobe, no Japão, e até por revistas que sequer tratavam do tema, como o Journal of Experimental & Clinical Assisted Reproduction, pautado por estudos na área de reprodução assistida."

 Sem comentarios!

domingo, 22 de setembro de 2013

Tolerância zero

Está cada vez mais difícil ter opinião e expressá-la na rede.  Tem sempre alguém para contestar e te dar nos dedos e chutar as canelas. Não sou contra o contraditório, mas contra a obsessão pelo contraditório, o contraditório pelo contraditório, o contraditório para ser diferente e os contraditórios raivosos, tudo isso infestando a rede e baixando o astral.  Vale o mesmo para os que não suportam a mínima contestação e contra-atacam furiosamente.

Ao que parece não sou apenas eu que está incomodado. Tanto assim que circula no FB um banner que simula o final dos comerciais de remédios:  “O Ministério da Tolerância adverte: ter opinião contrária é motivo para ser ridicularizado em redes sociais”.  Essas sacadas bem-humoradas para demonstrar contrariedade funcionam mais e melhor que a agressividade.

Pensando bem, não dá pra condenar os opiniáticos da internet.  Vivemos um momento em que todo o mundo está  posicionado -  contra e a favor dos magistrados do STF, contra e a favor dos indiciados no mensalão, contra e a favor do PT,  contra e a favor da oposição ao PT e, mais recentemente, contra e a favor dos festejos Farroupilha, contra e favor da Siria,  contra e a favor da invasão de prédios públicos, contra e a favor de manifestações de pelados, enfim, contra e a favor de quem é contra e a favor.

Nós gaúchos até já devíamos estar acostumados a essa dicotomia, esse permanente Grenal,  esse eterno farrapos x imperiais, esse infindável maragatos x chimangos.  Ok, é  legado da nossa história e faz parte da nossa cultura, mas enche o saco.  E agora ainda inventaram os tais Embargos Infringentes pra começar tudo de novo.  Haja!  Daqui a pouco, fugar pras colinas será um dever.




sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A vida como ela é

Encontro aquele amigo que tem fornecido ao longo do tempo farto material para o ViaDutra.  Quando digo farto material quero dizer que são histórias algo escabrosas. Como vivo numa crise permanente em busca de pautas sempre ouço com atenção o que ele tem a dizer.

Dessa vez a história envolve um cidadão bem colocado na vida, que procurou a matriarca da família e, aos prantos, revelou que tinha sido abandonado pela esposa,  bem mais jovem do que ele. Meu amigo foi chamado para apoiar o deprimido e dele ouviu coisas do arco.  “Ele me contou que tinha uma relação, digamos, aberta com a mulher e que avançavam em práticas sexuais pouco convencionais...”,  contou-me o parceiro, um tanto chocado com as revelações.

Mas a surpresa  maior estava reservada para a continuidade da conversa. “Ele me contou que apesar da vida prazerosa que levavam, sem restrições e com muito conforto, a mulher o havia abandonado...por outra mulher, e ele estava inconsolável.  Fiquei triste de ver  aquele pobre homem, sempre tão senhor de si, agora chorando convulsivamente”,  solidarizou-se meu amigo e eu imediatamente me senti também solidário.

Devo dizer que, diante desses casos, tenho um comportamento republicano e sustentável , seja lá o que isso significa, mas enfim, para dar sequencia à conversa,  perguntei  quais os atributos da ex do sujeito e aí eu é que fui surpreendido:  “Não é bonita, nem charmosa e intelectualmente deixa a desejar”, informou, para depois acrescentar – “Não sei o que viu naquela mulher!”

Foi aí que pensei cá com meus zíperes:  ‘deve ter qualidades outras que nem suspeitamos  para deixar prostrado assim um homem bem colocado na vida, deve ter’.  Que qualidades seriam essas, eis aí uma questão instigante.


sábado, 14 de setembro de 2013

Ah, eu sou Gaúcho!


* Postado originalmente em 20/09/2011

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. A única vez que montei a cavalo quase me fui com montaria e tudo Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo jóias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Julio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho. Outro dia me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa, quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação, na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar também porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não tem o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato e muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Duelo de titãs!

Não resisto e vou dar minha opinião sobre o affair David Coimbra x Paulo Sant’Ánna:  os dois tem razão e nenhum tem razão.  Briga de cachorro grande é assim e, em verdade vos digo, já testemunhei  -ás vezes apartei - muito enfrentamento de superegos.  Por mais de 20 anos trabalhei com as principais prima-donas do rádio e da tv  e nada mais me surpreende. 

Dia de divulgação de escala era dia de guerra, de choro e ranger de dentes na disputa dos melhores espaços nas transmissões.  Dia pós-jogo também era dia de guerra, de disputa de opiniões e de contraditórios não aceitos. 

Certa vez precisei retirar com rapidez um dos contendores da sala antes que recebesse uma máquina de escrever nas fuças.  Faz tempo, como se vê.  A coitada da máquina acabou espatifada no chão.  Tudo porque um havia contrariado a opinião do outro.  Em outra ocasião,  durante um Grenal, os contendores deixaram a cabine para ajustar as contas lá fora no corredor. Só não chegaram as vias de fato porque se deram conta do ridículo da situação. E voltaram à cabine onde se debicaram pelo restante da transmissão.

O que está em jogo nesses duelos de egos titãs é a briga pelos melhores espaços, a primazia da opinião, a necessidade de ser reconhecido, um tanto de preferência clubista interferindo  e uma grande dose de insegurança, que pode ser traduzida assim: “Se a minha posição é contestada é porque ela pode parecer frágil, então preciso reagir à altura”.  Pronto, tá feita a confusão.

E para isso vale tudo, especialmente em se tratando de adjetivos, vide os que o Sant’Anna tem usado contra o David e vice versa.  Interessante notar e isso é uma característica de tais desavenças é que nunca o adversário é citado, mas todo mundo sabe de quem se trata. Não deixa de ser divertido.  Também não falta quem se solidarize com um e outro e os que colocam mais lenha na fogueira.

No caso do Sant’Anna e do David não torço para ninguém.  Tenho afinidades com ambos, que fizeram parte da afamada e momentaneamente desativada confraria da Caveira Preta e considero-os os mais rodrigueanos dos nossos cronistas, tanto pelas temáticas de seus textos como pelo estilo, com aquele viés de dramaticidade, sem contar que os dois são tricolores como o grande Nelson Rodrigues.

Em reconhecimento aos dois  companheiros prefiro acreditar que a batalha da ZH é expressão do lado menos genial dos contendores, algo passageiro, embora reconheça que uma boa controvérsia exige talento e perspicácia, o que não falta nem a um  nem a outro. E vamos combinar:  o conflito, a divergência, o contraditório, esse é  o sal da vida.  Só não exagerem, rapazes.



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Goiabices

Meu bom amigo e talentoso  publicitário Alexandre Pradier  me cobra uma informação equivocada aqui no ViaDutra. Equivocada, mas passou batida por vários dias e inúmeros acessos, o que pode significar que o apreciado blog não está com essa bola toda. Sucede que no texto  “O pênalti” (postado em 29/06/2013), a propósito de me solidarizar com os desperdiçadores de pênaltis em jogos decisivos, registrei que Paulo Rossi havia perdido a última cobrança da Itália contra o Brasil, na final da Copa de 94 (Estados Unidos), garantindo o nosso tetra.  A falha é mais grave porque foi a única Copa em que participei no país sede, por isso o Pradier, de forma maliciosa, insinuou que talvez eu não estivesse realmente lá. 

Estava lá sim, sediado em Dallas com a equipe da Rádio Gaúcha, e lembro bem a  previsão do Ranzolin, antes da cobrança do pênalti italiano:  “Se o Baggio errar, não precisa mais cobrar! Se o Baggio errar, não precisa mais cobrar!”. O Baggio acabou chutando por cima e o resto da história é bem conhecido. Apesar de tudo, troque as bolas, ou melhor,  os nomes – o carrasco Rossi pelo benfeitor Baggio. Como pude?


A bem da verdade, sempre fui um prodígio de distração, mas ultimamente tenho me superado.  De devolver só as embalagens de filmes à locadora, sem o DVD, a esquecer de levar o cartão de crédito em viagem e passar vexame na  hora do checkout no hotel, depois de ter deixado documentos no banco do avião e voltar esbaforido para resgatar.  De perder as chaves do carro em lugar incerto e não sabido a deixar os óculos depositado em  cima de algum móvel e sair tapeando às chegas para encontrá-lo. Os celulares, coitados, já estão cansados de serem esquecidos na recarga.  O lado bom desse meu desligamento é que eventualmente  encontro alguma grana perdida nos bolsos de casacos. Até dólares já achei, mas nenhum montante que precisasse ser  jogado pela janela...
O nome disso tudo é Goiabice que é sinônimo de palermice.  Nem sei por que se associa a fruta aos nossos lapsos cotidianos, mas devo declarar que a cada dia fico mais Goiaba que no dia anterior. Só não vou me entregar de vez e garanto que alguma providência devo tomar e logo. Ou não me chamo mais Fábio Duarte.

 




domingo, 1 de setembro de 2013

No tempo das bandas marciais

Aproxima-se o 7 de setembro e me bate uma nostalgia dos tempos escolares, quando desfilávamos garbosos na Parada da Mocidade.  Os principais colégios públicos e particulares mobilizavam seus alunos para o grande dia,  um domingo pela manhã antes do dia 7 ,que era reservado para o desfile dos milicos.

Havia ensaios preparatórios e as grandes escolas passavam as semanas afinando os dobrados das suas bandas marciais que puxavam o desfile da gurizada. Lembro-me de um ano em que os alunos da quarta série ginasial do Colégio Rosário desfilaram pela avenida Farrapos de terno e gravata, sinalizando a formatura breve.  E lá fui eu, com meu surrado terno domingueiro, marchando nas primeiras filas, maldizendo quem tivera aquela ideia.
Havia uma saudável disputa entre as bandas marciais. A do Rosário competia fortemente com a das Dores, que sempre foi considerada a mais qualificada. Mas havia outras também afamadas como a do Colégio São João, a do Julinho,  até onde alcança a memória.

Na frente  de todas perfilava-se o Mor da Banda, uma espécie de maestro,  e eventualmente um naipe de alunas com suas sainhas, pernas de fora e acrobacias , imagens perturbadoras para aquele bando de adolescentes. Depois  vinham os instrumentistas  - muitos metais e percussão.  Os novatos começavam tocando pífaros, o que até tentei no Rosário,  mas descobri que não tinha a mínima vocação.  Foi uma pena, porque o pessoal da banda tinha algumas regalias, eram bem avaliados pelos professores e aqueles uniformes de soldadinhos de chumbo chamavam a atenção das meninas.  A mim restou o surrado terno domingueiro...

Hoje poucas bandas marciais resistem e até a chamada Parada da Mocidade se resume a uma aglomeração  de escolas infantis desfilando nos seus bairros, com muito entusiasmo e pouca produção visual. Não se fala mais em civismo ou patriotismo e até o termo Mocidade caiu em desuso, ficando restrito às escolas de samba ou segmentos jovens de alguns partidos.  Hoje a moda é falar em Geração X, Y, Z e não me surpreenderia se os desfiles voltassem a ser realizados e a gurizada passasse garbosa pela avenida tuitando seus IPads.
Sinal dos tempos,  de modernidade sem volta.  Mas permitam-me curtir minha nostalgia, de um tempo em que o grande dissabor do menino que um dia fui era desfilar com o surrado terno domingueiro.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Dia dos Filhos

Reeditado a partir do original publicado em 11/08/2011

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos, e agora gerentona. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, que agora experimenta as venturas da paternidade. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe, voltou ao ninho e bateu asas de novo.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.

Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos, canecas e camisas azuis, jaquetas e bons vinhos.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

No calçadão

A fauna humana passa pelo calçadão de Ipanema.  Podem me incluir, eu que frequento aquele espaço quatro ou cinco vezes por semana no horário destinado à terceira idade, ou seja, nas primeiras horas da manhã.  Nos 40 minutos que deambulo por ali conheço praticamente todos os parceiros de caminhada e corrida, incluindo o vice-prefeito Sebastião Melo, com seu andar desengonçado, precedido sempre da esposa Valéria, ela uma corredora de valor.

De resto, posso cronometrar o horário em que cruzo com o ex-comandante da Brigada Militar e sua esposa,  com aquele trio de senhoras que  formam uma escadinha e conversam animadamente,   com aqueles irmãos que vem tangendo um bando de cachorros, com o casal impecável em seus abrigos e que aparentemente passam a caminhada resolvendo problemas profissionais e com o abobado do calçadão, que cumprimenta a todos e a todas.  E tem os veteranos que querem ficar  bombados  e algumas gazelas desgarradas, balançando  eroticamente seus rabos de cavalo.

O pessoal que frequenta outros horários da conta de que ao longo da manhã a parceria feminina se qualifica e rejuvenesce.   Mas eu fora.

Nesse cenário, um caminhante vinha me  chamando a atenção em especial. Aparentando uns 70 anos, abrigo fora de moda, chapéu enterrado na cabeça e radinho na mão , ele cruzava por mim revelando incomum interesse no olhar.  Mal nos cumprimentávamos com um leve aceno de cabeça, mas aquela figura me instigava a imaginação. Por que o senhor idoso, de caminhar arrastado, cruzava daquela forma o meu caminho?

Foi então que caiu a ficha:  o velhinho era eu amanhã, eu retornando do futuro, talvez trazendo   alguma mensagem do porvir, tentando estabelecer contato.  Fiquei impactado com a revelação e enternecido com o meu clone setentão.  Se havia alguma dúvida do que significávamos um para o outro, o radinho companheiro foi a prova das nossas identidades.  E mais aquele jeito, aqueles olhos claros...

Não me perguntem o que tudo isso significa porque perdi o bom velhinho de vista.  Teria passado desta para uma melhor?  Seria essa a mensagem que ele tentava me passar, dando   indicações da minha finitude?  Como me arrependo de não ter dialogado com o outro Flávio .  Quanta informação e conhecimento deixei de absorver!  Pensando bem,  talvez tenha escapado de saber um montão de infortúnios e outro tanto de sacanagens.  Acho que fiquei no lucro, mas se o velho surgir de novo na minha frente passarei a acreditar em reencarnação.



sábado, 3 de agosto de 2013

As detetives

Ser chefe tem lá suas inconveniências. Uma delas é que a chefia acaba se envolvendo em problemas particulares de seus subordinados também conhecidos como “os colaboradores da firma”. Eis que estava tentando desentortar um dos tantos pepinos funcionais do meu dia-a-dia quando sou procurado por dedicado companheiro.  Dedicado demais, eu diria, mas não apenas as suas atividades laborais, mas também as artes amorosas. O sujeito apresentava um passado de conquistas de causar inveja a seus pares.  

Pois foi quase choroso que ele relatou-me que estava sendo pressionado por duas colegas que insistiam em saber quem era sua última conquista. E para isso não mediam esforços que iam desde bisbilhotamentos no seu perfil no Facebook  à ameaças de espalharem para toda a firma que estava pulando a cerca.

- Já não sei mais o que fazer. As duas estão bancando as detetives e nem na hora do almoço tenho sossego. Minha vida virou um inferno, um inferno.

Juro que percebi seus olhos marejados e confesso que minha natureza comprometida com a harmonia e meu culto a fidelidade me complicam na hora de lidar com esses assuntos. Além disso, conheço bem as duas bisbilhoteiras, queridas moças expansivas,  e sei que agem mais pelo prazer de se confrontarem com a verdade do que pela condenação da relação ou maldade para com o colega.

- Veja bem, a natureza humana é assim mesmo..., emendei para ganhar tempo em resposta ao seu apelo.

E completei com um repertório de frases feitas, tipo auto-ajuda, na tentativa de recompor o ânimo do companheiro. Não sei se ajudou, mas ao fim e ao cabo, achei que ele saiu da conversa mais animadinho.

- Se eles sonham quem é..., despediu-se enigmático.

Eu que conheço a tal parceira diria o mesmo, mas espero que as duas detetives não descubram que sei do segredo.  Aí a minha vida é que vai virar um inferno.