Impecáveis os textos de Celito de Grandi na série Boletim de
Ocorrência, na ZH Dominical.
Jornalista
talentoso que está se consagrando como escritor, Celito tem aprofundado, em
formato de reportagem, alguns dos mais rumorosos casos policiais ocorridos por
aqui. No último domingo, ele recuperou uma dos mais extraordinários
acontecimentos vividos em Porto Alegre e que teve igualmente uma extraordinária
cobertura jornalística pela Rádio Gaúcha.
Foi assim: no dia sete de julho de 1994, aconteceu uma rebelião no
hospital penitenciário, que acabou marcando a vida de muitos gaúchos. Porto
Alegre viveu 24 horas de terror com a fuga alucinada dos detentos, comandados
por Dilonei Melara e libertados pelas autoridades sob a condição de pouparem
os reféns. Tão logo deixaram a Penitenciária em três carros começou
uma perseguição não menos alucinada da
Polícia, acompanhada de perto pela Imprensa em geral e pela rádio Gaúcha em especial, com
seus melhores repórteres à época, entre eles Diego Casagrande, Oziris Marins e Felipe
Vieira. O que aconteceu depois e o desfecho de todo o episódio está bem
descrito pelo Celito na crônica de domingo. O que posso acrescentar é a forma
como acompanhei o caso,
a partir de
Dallas, onde funcionava o Centro Internacional de Rádio e TV da Copa do Mundo
dos EUA e onde a Gaúcha tinha uma das suas bases.
A rebelião ocorreu numa sexta-feira e estendeu-se
por uma das noites mais frias de 1994, daí não
ter provocado outras vítimas na passagem do comboio frenético de presidiários,
policiais e jornalistas por algumas das principais ruas e avenidas da cidade.
Devido ao horário, início da noite, estávamos mais mobilizados nos EUA do que
na sede em Porto Alegre – era véspera do jogo Brasil x Holanda e toda a equipe
da RBS aportara em
Dallas. Por isso,
foi o Pedro Ernesto, dentro do Show dos
Esportes, quem começou ancorando a movimentação da reportagem. A impressionante
movimentação da reportagem:
apesar dos
riscos, a cada etapa da fuga em seguida surgia um repórter para dar o seu
relato e acrescentar informações.
Os presidiários começaram a fuga pelo Partenon e seguiram para o
Jardim Botânico e, como conhecia bem a região por ter morado durante mais de 20 anos no Alto Petrópolis, passei a
assoprar ao Pedro a localização do comboio. Até que um dos carros dos bandidos
enveredou para a rua Ivo Corseuil e na esquina da Guararapes ocorreu um
enfrentamento com a policia, resultando num cerrado tiroteio noite adentro na
pacata rua. Foi quando um dos reféns, o
diretor do hospital penitenciário, Claudinei dos Santos, foi baleado com
sequelas até hoje. Foi quando também caiu a ficha para mim. Meu pai, o coronel
Dastro como era conhecido, morava na Ivo Corseuil e tinha por hábito, apesar da
idade – mais de 70 anos – dar um passeio noturno. De imediato, graças a um
sistema instalado pela engenharia da Gaúcha, disquei para a casa como se
fizesse uma ligação local. Primeira ligação e nada. E eu virado numa pilha de
nervos. Segunda chamada e depois de
vários toques, finalmente o coronel
Dastro atende e logo depois de me identificar, o velho soltou o verbo.
- Olha, tenho boas novidades. A Anita aceitou o namoro e vamos
marcar a data do casamento.
O velho guerreiro, como Shakespeare, estava in Love. Viúvo, o
coronel reencontrara uma namorada antiga e alguns anos mais jovens, fizera a
corte, ela aceitara e agora celebravam a renovação do amor.
Enquanto isso, a meia quadra da morada da Ivo Corseuil, o tiroteio
seguia firme e o nosso coronel nem aí. Devo ter pronunciado um palavrão quando
interrompi o relato do enamorado.
- Pai,tu não tá ouvindo a confusão aí fora?
- Pois é, eu ouvi umas sirenes, mas não sei do que se trata. Como eu
estava falando, a Anita...
Interrompi de novo e agora fui enérgico.
- Depois tu me conta do namoro. Agora fecha toda a casa e te protege
que presidiários estão tiroteando com a polícia aí perto.
É incrível como eu, mais de 5 mil quilômetros distante dos
acontecimentos, sabia mais do que quem estava ao lado do cenário do conflito. Mas
essa é a realidade do que aconteceu naquela noite. Meu pequeno
drama, pequeno diante da magnitude dos acontecimentos,
terminou na própria sexta-feira, depois que
mobilizei os irmãos
em Porto Alegre para
darem um apoio ao coronel apaixonado e desatento.
Mas a perseguição seguiu adiante, pela madrugada e toda a manhã de
sábado. Os bandidos se refugiaram no hotel Plaza San Raphael e ficamos na expectativa
para o término da confusão, quando mais não seja porque no início da tarde
começaria o grande jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final da Copa. Um prenúncio de que os astros começavam a se
alinhar naquele sábado, 8 de julho de 1994, foi que meia hora antes da bola
rolar os fugitivos decidiram se render, a transmissão da radio ocorreu
normalmente e o Brasil conquistou uma grande
vitória por 3 x 2 sobre os holandeses.
Quanto ao nosso coronel Dastro, casou com sua Anita ainda em 1994 e
viveram juntos, lépidos e faceiros, até 2010 quando o guerreiro se entregou,
aos 95 anos.