domingo, 9 de outubro de 2011

Fetiches de consumo

Tenho alguns hábitos, quase fetiches, em termos de consumo que me acompanham há alguns anos e que, com o passar do tempo, procuro refinar. Camisas azuis, de preferência quadriculadas, fazem parte dos fetiches. Diante de alguém envergando tal peça do vestuário não hesito em perguntar onde adquiriu e quanto custou. E, confrontado com o mostruário das lojas, vou direto às azulzinhas quadriculadas, até ouvir a corneta da Santa: “Camisa azul, de novo!!!”.


Nas gôndolas de vinho nos supermercados não tenho sofrido reprimendas quando adquiro, uma vez sim e outra também, aquele tinto encorpado que vai me dar prazer, cálice à cálice. Minha adega caseira é modesta em quantidade, mas tento preservar a qualidade, sem chegar ao exagero do Renato Machado, aquele âncora da Globo, segundo o qual vinho bom deve custar mais de 100 dólares!

De um tempo para cá, adquiri novo fetiche: canecas. Tudo começou quando amigas doces e meigas me presentearam com uma caneca personalizada, onde apareço de forma caricata com uma xícara de café numa mão e um cigarro na outra. Até hoje não entendi se era uma homenagem um uma censura. A verdade é que, a partir daquele mimo inicial, minha coleção se multiplicou e o canecódromo aqui de casa já conta com mais de 100 peças, de todos os tamanhos e formas. A cada viagem novos e diferentes tipos de canecas são acrescentadas, sem contar as que recebo de presente, como a mais recente incorporada ao acervo, a que a minha nenê Mariana me trouxe de Buenos Aires

Já os livros não são um fetiche, mas uma obsessão. Entrar numa livraria é um martírio: gostaria de adquirir todos os lançamentos ofertados, auto-ajuda fora. O que me atormenta é que não teria recursos, nem tempo para curtir tudo e fico frustrado porque deixarei muitas histórias e novos conhecimentos para trás.

O que me levou a escrever este texto foi exatamente o dilema que estou enfrentando: em algum momento perdi o hábito da leitura diária, substituído pelas incursões na internet, sessões de vídeo caseiro e necessidade de produzir trabalhos profissionais e acadêmicos. Na cabeceira da cama repousam, à espera do leitor ávido que fui, pelo menos cinco livros, do "Marketing 3.0"", de Philip Kotler, ao "Filé de Borboleta", de Luiz Coronel, passando pela coletânea "24 Letras por Segundo", pelo "Sob o Céu e Agosto", de Gustavo Machado e pelo "Vozes da Legalidade", do Juremir Machado. Houve um tempo em que traçava meia dúzia de obras, partes de um e de outro a cada dia, mas hoje mal comecei a leitura dos atuais livros de cabeceira, sem contar os mais de 30 que comprei nas duas últimas feiras do livro e outros tantos que ganhei e que estão na fila, intocados na prateleira e entristecidos pelo descaso.

Vem ai mais uma Feira do Livro e, apesar de tudo, vou circular entusiasmado pelas barracas, esgravatar nos balaios e, certamente, adquirir um lote de livros que estão condenados a fazer companhia aos outros desprezados pela indiferença.  Um dia me reencontro com todos eles.

sábado, 1 de outubro de 2011

Politicamente (in) correto

Piada de negrão? Não pode. Piada de judeu? Também não pode. Piadas de gays? É preconceito. Piadas do Joãozinho safado? Cuidado que pode afrontar o ECA. Cantada na colega? Assédio sexual. Exigir responsabilidade? Assédio moral.

Vivemos em tempos de amarras ao políticamente correto. Pelo menos as piadas de sogra ainda não sofrem restrições. Ainda, porque não vai faltar quem advogue que atenta contra os direitos da terceira idade.

Reprimir a espontaneidade e a criatividade popular, a malícia que não é maldosa, hábitos e práticas aculturadas, como sendo incorreções políticas, preconceitos e outros que tais, convenhamos, é uma demasia, é procurar cabelo em bola de bilhar. “Ás vezes um charuto é apenas um charuto”, teria dito Freud, restringindo as interpretações fantasiosas de que o charuto poderia ser um símbolo fálico. Quase sempre uma piada é apenas uma piada, não uma forma de desqualificação e o julgamento que cabe é se tem graça ou não.

Politicamente incorreto, verdadeiramente, é o autoritarismo, a corrupção, a violência, as injustiças, a falta de serviços públicos básicos, o levar vantagem e tantas outras mazelas que infernizam a nossa vida. Em nome do políticamente correto, permitem-se contraditórios.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ah, eu sou Gaúcho!

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. A única vez que montei a cavalo quase me fui com montaria e tudo Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia a parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.


Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo jóias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. “Guri”, de João Batista Machado e Julio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho. Outro dia me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa, quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando “O Rio Grande a Cavalo” - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação, na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar também porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não tem o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato e muito orgulho: Ah, eu sou Gaucho!

domingo, 11 de setembro de 2011

Para Rafaela

Rafaela, tão pequena, tão frágil e tão bela. Como te esperamos e como te amamos antes mesmo do primeiro choro e de podermos te aninhar ternamente em nossos braços. Os mesmos braços que vão te proteger nos primeiros passos da longa caminhada, até que te sintas segura para seguir em frente, amparada nos valores que vais herdar.


Teus pais são criaturas amorosos e aí está o primeiro valor a ser herdado. Com o tempo vais conhecer o resto dos clãs e poderás retribuir todo o amor que te dedicam. Mas não imagine que é troca, esse amor é incondicional, porque tua chegada é benção e renovação.

Bem-vinda Rafaela, tão pequena, tão frágil, tão bela e tão amada.Vem nos guiar para o futuro.

* Rafaela, filha da Rozana e do Rafael, nasceu dia 4 de setembro.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Abrindo a Caixa de Pandora

Legado, gosto desta palavra e uso-a com freqüência. Legado passa uma idéia de permanência, do que fica de positivo de um período, um testamento para o futuro, mas pode ser também um ônus que se repassa, vide o que está ocorrendo com a presidente Dilma em relação a algumas parcerias herdadas.


O dilema da dona Dilma é o mesmo que, mais dia menos dia, queiramos ou não, somos obrigados a enfrentar. É a hora de verdade, um exercício sofrido de avaliar o que se fez e o que vamos deixar, e isso exige que se abra a Caixa de Pandora da nossa existência. O que vai surgir nem sempre é o melhor do gênero humano e muito pouco da grandeza da missão que nos foi confiada. As expectativas que nos impuseram podem não ser correspondidas, gerando frustrações e desafeições, incompreensões e amarguras. Tanta coisa ficou pelo caminho, num descompasso entre o que se sonhou e o que virou entrega. Um passivo difícil de encarar e os oportunistas estão de plantão para cobrar.

O melhor legado é aquele que enobrece o testamenteiro, mas vamos combinar que todos nós olhamos para o nosso umbigo e o legado só é bom se houver um ganho pessoal e imediato, porque assim caminha a humanidade. O melhor legado, portanto, não existe.

Certamente não estamos falando de bens materiais, que logo se dissipam porque não foram conquistados, mas de valores, atitudes e boas prática, estes sim legados positivos, mas tão difíceis de serem compreendidos e quantificados.

Ter consciência desse processo é só o que conforta.







domingo, 21 de agosto de 2011

Estranha obsessão

Conheço gente que tem fixação em assuntos mortuários. O caso mais notório é o do Paulo Sant’Anna, que está fazendo seu necrológico em etapas  e deixando o legado de suas crenças e valores, afetos e desafetos, em colunas seriadas. A bem da verdade, essa obsessão do Sant’Anna não é de hoje. Na antiga redação de esportes da Zero Hora, o pessoal folgava com ele - que não perdia enterro e fazia questão de pegar na alça dos caixões, sempre na primeira e mais nobre posição -, antecipando que ele encontraria uma forma de segurar a de seu próprio ataúde. Reprovável esse humor negro!

Outro amigo, das relações do Sant’Anna e minha, só me liga para dar notícia ruim, de conhecidos ou nem tantos que se foram deste vale de lágrimas. Toca o celular e lá vem ele com a notícia impactante, sem qualquer preparação prévia:

- Morreu o fulano! Preciso saber se tu pretendes ir ao enterro.

É assim, de supetão. Com o tempo cheguei a conclusão que o tal parceiro me liga não para que me solidarize com os familiares do defunto, mas para gozar da minha carona. Pior é quando ele fica sabendo do falecimento após o enterro. O sujeito se martiriza.

- Fiquei sabendo da morte do fulano pelo jornal, que coisa! Por acaso, vais à missa de 7º Dia?

Esse amigo, mais um grupo de jornalistas bandalhos, participava de uma tal de Confraria da Caveira Preta, que se reunia mensalmente, entre iguarias gastronômicas e muitas cervejas, para conferir a lista feita no início do ano dos que apostavam que seriam chamados para outra dimensão, durante o período. Cada confrade tinha direito a 10 votos e quem acertasse o maior número de vítimas não pagava o jantar de fim de ano. Valia incluir desafetos, gente tida pela bola sete e personalidades em geral. Os indicados não podiam ser repetidos nas diferentes listas. De tanto ser votado, o Sant’Anna decidiu participar também da confraria e ganhou imunidade, pelo menos naquela congregação.

Pelo que soube, a confraria se desfez depois da morte de seu patrono, o queridíssimo Evaldo Gonçalves.

Outro caso sobre o mesmo tema me foi contado por uma dileta amiga. Um tio da moça fez um estranho pedido à família, antecipando o post-mortem: queria ser cremado e que um tantinho das cinzas fosse colocado numa caixa de fósforos e depositado em um canto discreto da Abadia de Westminster, na Inglaterra:

- Assim vocês poderão se orgulhar de ter um parente com seus restos mortais repousando junto a reis e rainhas, justificava o cidadão.

De minha parte, tenho apenas uma preocupação, já repassada a amigos e parentes: no meu velório, que demore em chegar, fiquem atentos às mulheres de óculos escuros. Se for desconhecida da maioria, aí mora o perigo. Intervenham. Não quero vexames na minha despedida.



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Era bom!

Estou empenhado em reunir um bom número de pessoas, preferencialmente homens, em torno de uma confraria que será denominada de “Era bom!”. Não haverá qualquer preconceito quanto à idade dos participantes, mas acredito que o mote que vai nos reunir não será atraente para os mais jovens.

A proposta é ensejar o encontro de pessoas que tem em comum o fato de terem abdicado de um dos melhores prazeres que a vida pode nos proporcionar e para isso é preciso ser firme nas decisões, o que requer maturidade. É coisa para sessentões ou mais. O peso dos anos exige cuidados extremos no enfrentamento de certos desafios. A resposta do nosso corpo não é a mesma de anos atrás quando traçávamos o que vinha pela frente. Nem a evolução da medicina, com suas panacéias, consegue minimizar os efeitos danosos de uma extravagância, a demandar esforços que os nossos órgãos não podem suportar.

Temos que ter consciência dos nossos limites, fugir às tentações. Por isso, ao criar a “Confraria do Era Bom” já vamos lançar o nosso slogam: gordura, nunca mais!

Adesões em aberto no Via Dutra.

sábado, 13 de agosto de 2011

Mais de 10 mil !

O reloginho aí ao lado indica que o ViaDutra superou os 10 mil acessos. Como diria o Anselmo Gois, não é nada não é nada, não é nada  mesmo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O Dia dos Filhos

Se dependesse de mim, trocava o Dia dos Pais pelo Dia dos Filhos. Parece bobagem, mas o que justifica a paternidade senão os filhos? Filhos são dádivas, sementes que devemos zelar para que cresçam e se transformem em nosso melhor legado para o futuro. Com a certeza de que não errei na receita, celebro então o Dia dos Filhos.

O Dia da Flávia, primogênita, capricorniana como o pai, rebeldia domada pela maturidade, filha e mãe amorosa, solidária e ansiosa com o bem estar dos mais próximos. O Dia do Rafael, o atlético do meio, um romântico escorpião, olhos de bolita e um pouco da sina de rabugento, prestes a começar seu ciclo de pai. O Dia da Mariana, meu nenê, pequeno dínamo, muita sensibilidade, um passarinho que cedo aprendeu a voar e foi crescer lá longe.

Talvez não tenha feito justiça, nessas poucas linhas, ao que meus filhos tem de melhor. Mas eles sabem que sinto um enorme orgulho deles e curto a forma como se curtem. E sabem também que o pai que sou foram eles que moldaram. Agora, mais ainda, é eles que me dão o norte e vou estar cada vez mais dependente do rumo que me apontarem.

Instituo, portanto, o Dia dos Filhos e celebro a data, mas aviso: o velho aqui não abre mão dos presentes no domingo. Podem ser até pijamas e chinelos.



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Olhar profundo na minha alma

Estava eu a fumar, algo distraído, na entrada da Galeria Pacífico na calle Florida, em Buenos Aires, quando fui interpelado por uma jovem alta e bonita. Antes que os maldosos comecem a fazer ilações indevidas, devo acrescentar que a moça logo perguntou qual o meu signo. Ainda impactado pela abordagem inesperada, custei a revelar que sou capricorniano da gema. Foi então que a porteña me alcançou um cartão, explicando que estava realizando um trabalho de arrecadação de fundos para os “descamisados” de Buenos Aires – “é igual aos favelados do Brasil”, acrescentou -, um reforço na argumentação para me arrancar alguns pesos ou talvez porque minha cara revelasse que não estava entendendo nada.

Saquei 10 pesos (cerca de R$ 4,00) e entreguei à moça que saiu bem faceira à procura de outros senhores distraídos. Foi então que me interessei em ler os textos do cartão e fiquei estarrecido. Ao descrever as virtudes e defeitos dos capricornianos, o conteúdo mergulhou fundo na minha alma, revelando nuanças e subterrâneos que nem os mais próximos suspeitam. A confrontação com o meu verdadeiro eu, estampado na pequena cartela, foi uma experiência perturbadora, ainda mais que sou um cético assumido em relação a tudo que cheire à crendice, o que, aliás, é próprio dos pragmáticos nativos de Capricórnio.

Num ímpeto, sai à procura da jovem para saber a origem dos cartões e também para adquirir de outros signos, mas ela já havia sumido no fim de tarde gelado de Buenos Aires. Só me restou ler e reler minha melhor virtude e meu pior defeito, entre outras revelações que, por modéstia de um lado e embaraço de outro, não vou socializar aqui. Se quiserem saber, se mandem para Buenos Aires e tentem achar a moça alta a bonita na calle Florida, entre Lavalle e Córdoba.

A propósito de Buenos Aires, a cidade continua charmosa e infestada de brasileiros. Os porteños são um tanto graves para o meu gosto, mas me sinto à vontade entre eles, especialmente quando estou à frente de um prato com aquelas carnes maravilhosas e um malbec de boa cepa. Meu nenê Mariana vive lá desde outubro do ano passado e se adaptou bem à cidade. Em dúvida, nossa delegação – a Santa, mais a Flávia, o Rodrigo e a irriquieta Maria Clara – recorria ao espanhol, com acento de Buenos Aires, da nossa embaixatriz.

No domingo ocorreu a disputa pelo segundo turno das eleições municipais entre o atual prefeito Maurício Macri e o candidato da presidente Cristina Kirchner, o senador Daniel Filmus. Macri venceu com facilidade, obtendo mais de 64% dos votos e se firmou com a principal referência da oposição na Argentina. Entretanto, o que me chamou a atenção, acostumado que estou às duras e agitadas disputas municipais em Porto Alegre, foi a discreta campanha em Buenos Aires. Não fossem os cartazes nas ruas e inserções de péssima qualidade nos canais de TV, a eleição passaria despercebida. Nada de comícios, nem passeantes, nem carreatas ou qualquer outro tipo de manifestação que lembrasse de perto uma campanha política. Alô marqueteiros políticos: a Argentina é logo ali e há um grande vazio a ser ocupado.