domingo, 24 de julho de 2011

Meninos, eu vi

A marcha do tempo é cruel, não tem me poupado, mas pelo menos minha memória não me trai quando o assunto diz respeito a alguma abobragem do passado. Quando lembro, por exemplo, que já andei de bonde – e muito – as pessoas ficam me olhando desconfiadas. É, Porto Alegre tinha bondes e até ônibus elétrico, conhecido como trólebus e que a Carris quer resgatar agora. Também viajei de trem, de Porto Alegre à Bento Gonçalves, e hoje o que temos é o Trensurb.


Não é para contar vantagem, mas lembro que assisti à primeira novela diária da TV brasileira na extinta TV Excelsior, transmitida aqui pela TV Gaucha, hoje RBS TV: um dramalhão chamado “ 25499 Ocupado”, no qual Glória Menezes interpretava uma vilã e a mocinha era Lolita Rodrigues. O ano era 1963 e foi nessa novela que o Tarcisio Meira iniciou sua longa e bem sucedida carreira de canastrão.

Minha memória alcança até os programas que a Hebe Camargo apresentava semanalmente na ex-TV Piratini, onde assisti também, acreditem, a um programa de entrevistas apresentado, com voz doce e cabelo engomado, pelo Edemar Tutikian, o executivo governamental que levou adiante o projeto do Cais do Porto. Já nem falo do Conversa de Arquibancada e do Ringuedoze e das séries Bonanza, a primeira à cores, o Homem de Virgínia, Os Intocáveis, Papai Sabe Tudo, I Love Lucy, a nacional Vigilante Rodoviário e tantas outras que fizeram sucesso nas décadas de 60 e 70 do século passado...

Estive presente no auditório da Rádio Farroupilha, na Siqueira Campos e bati palmas para o Ari Rêgo e as atrações do Clube do Guri, mas não lembro de ter visto a Elis Regina cantar naquele palco. Ouvi transmissões esportivas com o Ataídes Ferreira, Euclides Prado, Mendes Ribeiro, Guilherme Sibemberg, Antonio Carlos Rezende e tive o privilégio de trabalhar com o Geraldo José de Almeida na TV Difusora, hoje Band.

Não tenho como provar, mas assisti a um jogo de amadores no estádio Tiradentes, o Alçapão da Sertório, quando tinha 8 ou 9 anos - o time do Renner, dono do local, agonizava ou já estava licenciado. Já dei minhas botinadas no antigo estádio do Cruzeiro, a Colina Melancólica, hoje Cemitério João XXIII e torci para o Força e Luz, nas arquibancadas de madeira trocadas pelo zagueirão Airton do estadinho ali do bairro Rio Branco, quando meu amigo Beto D’Alascio capitaneou uma fugaz volta do Forcinha ao futebol.

Tive todo o tipo de Fuscas e Brasílias e pelo menos um Corcel. Todos prestaram inestimáveis serviços, mas pelo menos nisso concordo com o Collor: eram umas carroças comparadas aos carros de hoje. Já me exibi com camisas Volta ao Mundo, blusas de banlon, calças de tergal e dei bicancas com tênis Bamba, aqueles de sola alta, tipo All Star, que depois viraram fashion e são indispensáveis para os descolados de hoje. Fumei Minister e Continental sem filtro, acesos com isqueiros Ronson, fedendo a fluído. Bebi muita Polar Export original e gostava de uma Grapete e de um Ki-Suco.

Faço essas reminiscências sem saudosismo, mas para mostrar que, apesar de usado e gasto pela passagem do tempo, minha memória segue viva e afinada, inclusive para os detalhes de acontecimentos bem remotos. O problema é que só não lembro onde deixei os óculos e o celular. Será o “alemão” me rondando?

sábado, 16 de julho de 2011

Teste para jornalistas: qual o seu nível de vaidade?

 Do blog “Desilusões Perdidas” (http://desilusoesperdidas.blogspot.com),  de Duda Rangel. Até o Noblat repercutiu. Então, deve ser bom.


Responda às questões e descubra. O resultado está no fim do post.

1) O que você faz quando tem uma matéria assinada na capa do jornal?

A) Mostra o jornal para a família, amigos, para a torcida do Flamengo.

B) Guarda o jornal e, vez ou outra ao longo do dia, dá uma paquerada na capa.

C) Não se ilude. Sabe que, no dia seguinte, aquele jornal vai enrolar peixe na feira.

2) Se alguém de outra área lhe diz que ser jornalista é o máximo do glamour, você...

A) Concorda que é um ser humano especial e pergunta se a pessoa não quer um autógrafo.

B) Agradece meio encabulado: “Nem tanto, nem tanto”.

C) Responde: “Dá uma olhada no meu extrato bancário e depois me diz o que é glamour”.

3) Como você gosta de se vestir na redação?

A) Super descolado e de acordo com as tendências da moda.

B) Sem exageros, mas sempre com a camisa e a calça passadinhas.

C) Tênis sujo, calça rasgada e camiseta do Seu Madruga de Che Guevara.

4) Você gostaria de ganhar um Prêmio Esso?

A) Lógico, eu vivo para isso.

B) Ficaria muito feliz.

C) Caguei para o Esso. Prefiro ganhar a Mega-Sena acumulada.

5) Se alguém lhe pergunta se foi difícil entrevistar o Rodrigo Santoro, você...

A) Diz que foi uma moleza, afinal você é amigão do Rô.

B) Diz que foi difícil, mas que sua boa relação com o assessor do ator ajudou.

C) Confessa que as declarações foram dadas numa entrevista coletiva, com outros 37 jornalistas.

6) Você é um apresentador de TV. Ao sair uma noite para jantar, não é reconhecido por ninguém no restaurante. O que você faz ao chegar em casa?

A) Se entope de Prozac para não cometer suicídio.

B) Acredita que só não foi reconhecido por estar de óculos e boina.

C) Descobre o lado bom do anonimato: pôde jantar sem ninguém enchendo o saco.

7) Ao entrar na área VIP de uma festa, ao lado de celebridades, você...

A) Cumprimenta a Gisele Bündchen (“Gi”) como se fossem íntimos há 20 anos.

B) Faz fotos da festa com seu celular pré-pago para colocar no Facebook.

C) Acha tudo aquilo muito chato e sente saudade do boteco ao lado da redação.

8) Como você reage a uma crítica negativa ao seu texto?

A) Fica puto da vida, afinal como podem falar mal de um texto tão perfeito?

B) Finge que aceitou as críticas e não admite para si que o texto está ruim.

C) Reconhece que o texto ficou mesmo uma merda.

9) Quando algum entrevistado elogia publicamente sua pergunta em uma coletiva de imprensa, você...

A) Faz que não ouviu o elogio e pede para ele repetir o que disse em voz mais alta.

B) Se imagina mais tarde na redação contando o elogio para o chefe.

C) Preferiria ter recebido uma resposta interessante à sua pergunta.

10) Se você é demitido do jornal porque fez uma cagada, você diz aos amigos que...

A) Pediu um ano sabático ao editor para se reciclar. Talvez uma viagem para Viena.

B) Foi vítima do processo de downsizing da redação.

C) Revela que matou Itamar Franco três dias antes da morte oficial.

RESULTADOS

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “A”: O seu nível de vaidade é comparável ao de publicitários loucos para ganhar um Leão de Ouro em Cannes. Você tem certeza que é o fodão, o semideus, praticamente um Arnaldo Jabor. Se liga, mané!

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “B”: Você é vaidoso, sim, mas ainda dentro de um padrão de normalidade. Não é o caso de você ser encaminhado ao consultório de um psiquiatra. Só tome cuidado para não pular para a letra “A”, ok?

Se a maior parte de suas respostas foi a letra “C”: Você é o jornalista-Amélia, aquele que não tem a menor vaidade. É um tipo raríssimo, mais difícil de ser encontrado do que jornalista que não reclama ou jornalista que ganha bem.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Pessimismo e modernidade


O “Fronteiras do Pensamento” trouxe segunda-feira, 11, ao Salão de Atos da UFRGS o filósofo Luiz Felipe Pondé. Confesso que não conhecia Pondé, embora ele escreva regularmente na Folha SP e já tivesse participado de uma edição do Festival de Inverno, a convite do bom secretário municipal da Cultura, Sergius Gonzaga. Assíduo que sou do “Fronteiras”, o que posso acrescentar é que poucas vezes vi uma platéia tão atenta, eletrizada até, com a prosa vivaz, bem humorada e recheada de referências históricas, como ocorreu na conferência de Pondé. Como não sou egoísta, reproduzo uma boa síntese de Sônia Montaño sobre a conferência “Pessimismo e Modernidade”.

O conferencista, o filósofo Luiz Felipe Pondé, se propôs a responder e respondeu à pergunta que deu título a sua fala: Seria o pessimismo mais inteligente? Conforme o professor da USP, a pergunta nasce do fato de que a maior parte dos intelectuais só fala em desgraça. Ao mesmo tempo, “pessimismo” e “otimismo” apresentam suas dificuldades por não serem conceitos, são termos escorregadios que podem significar muitas coisas. Para Pondé, os avanços do mundo acontecem porque grande parte de filósofos, escritores e cientistas continuam a ser pessimistas. “Uma pessoa que sempre está alegre, você se pergunta se sabe o que está acontecendo à sua volta”, brincou o filósofo. O pessimismo, então, seria mais inteligente?


Refletindo sobre o dualismo pessimismo–otimismo no mundo ocidental, o colunista da Folha de S.Paulo lembrou que esperança é essencial para os seres humanos, e entre os pessimistas da história ocidental estariam o gnosticismo e o cristianismo, mas não só, o pessimismo teria prevalência na história do pensamento. Entre os exemplos de otimistas, o conferencista lembrou a filosofia grega, que é uma reação à tragédia grega, pessimista por natureza. “A filosofia, – Sócrates, Platão, Aristóteles – investe na ideia de autonomia do ser humano. Com o tempo ela cria um problema. A ideia de autonomia como capacidade do ser humano orientar a vontade a partir do intelecto ganha contornos sombrios na história ocidental”, explica Pondé.


Os dois humanismos


No Renascimento, a noção de humanismo tinha dois sentidos. O primeiro é um humanismo mais filosófico, aquele que é a base do otimismo moderno, que tem a visão do humano do filósofo Pico Della Mirandola (1463-1494), um homem cheio de potências a serem realizadas. A pergunta era: basta a filosofia para a felicidade ou precisa da fé? Os estudiosos de Aristóteles defendem a primeira opção, com a razão e o intelecto basta. É o que está na base da grande dogmática moderna, visão de autonomia intelectual como potência infinita para ser realizada. A natureza humana teria tudo para resolver os problemas que vão se apresentando à humanidade. O que nos falta é prática,  conhecimento, esforço. Essa ideia supõe conhecimento do passado para iluminar o futuro.
O segundo humanismo é o de um grupo que ficou conhecido como anti-humanista, entre os séculos 13 e 17, que afirma que não dá para confiar direito na natureza humana. No século 17, na França, esse debate é muito acirrado. Os otimistas venceram pelo surgimento da ciência moderna, a tecnociência. A ideia de ciência já trazia implícita uma relação direta entre ela e o bem-estar da humanidade. A maior parte dos seres humanos pensa que a ciência é um ganho.


“A ciência já nasceu com um otimismo implícito. Marca-passo, transplante, avião, computador. Mas a história da evolução científica está associada a uma série de problemas”, disse o conferencista.
Para Pondé, a espécie humana tem dentro dela certa violência e crueldade, e seria ingênuo lidar com os avanços da humanidade com otimismo total. Do ponto de vista filosófico, existe sempre a pergunta sobre o sentido da vida, que normalmente produz um pessimismo. “A vida é algo que no final sempre dá errado, e no meio dela, às vezes, você tem boas experiências”, ironizou o filósofo, lembrando que o ensaísta Michel de Montaigne (1533-1592) acreditava que as virtudes da velhice são a impossibilidade de realizar os vícios da juventude. Existiria, então, um pessimismo de fundo, uma angústia ligada ao cotidiano. A ciência, a liberdade e a democracia não teriam muito a dizer quando você descobre que seu filho de 15 anos tem um câncer e pergunta “por quê?”, buscando conforto. “Temos o medo de fundo de que a gente seja só pedra vagando pelo universo. É um assalto de pessimismo que nos acompanha”, diz o conferencista. A ciência avança muito em relação à extensão da vida, mas não consegue dar sentido para a vida.


O pessimismo e suas dúvidas funcionariam, então, como uma espécie de controle de qualidade, atenção contínua, avaliação de tudo o que o ser humano faz. Grande parte dos filósofos e intelectuais são pessimistas porque a história dá muitas razões para sê-lo. Luiz Felipe Pondé destacou o perigo que é quando um ser humano tem excessiva paixão por si mesmo, excessiva confiança no que faz. “O século 20 foi profundamente otimista. Pessimismo e otimismo são necessários o tempo todo.


Quando você é pautado por uma hibris, isto é, quer dar o passo maior que a perna, é bom ter uma crisezinha de pessimismo”, defendeu Pondé. Para ele, seria ingênuo achar que o debate está em ser contra ou a favor da ciência e da modernidade. Entre ciência e política, é necessário operar nesse equilíbrio entre pessimismo e otimismo. “Isso é o que o século 20 nos ensinou”, salientou Pondé.


O pessimismo seria a consciência, a dúvida. Mas, se alguém duvida demais, paralisa. O capitalismo só funciona no otimismo. Em momento de muitos avanços técnicos, é muito importante ficar atento, porque os avanços não são só fruto da nossa capacidade criativa. São fruto também da dúvida da própria capacidade criativa. É o perigo da eugenia, que, em certa forma, já estava com Platão em A república, onde projeta uma utopia, em que as mulheres mais bonitas e saudáveis teriam filhos com
os homens mais bonitos e saudáveis e seria o início de uma geração mais bela. A eugenia é um dos piores riscos do otimismo. “Me parece um enorme erro filosófico para alguém que vive em 2011 não perceber que devemos tomar cuidado com ideias como essa. Pessimismo no sentido de olhar mais crítico, mais lento, que parece pisar no freio em algumas coisas. Já tivemos exemplos suficientes de que os avanços técnicos precisam de cuidados com os projetos utópicos e os riscos que eles implicam”, defendeu o filósofo.


Para ele, o que sempre humanizou o ser humano é uma certa dose de sofrimento. A vitória e o sucesso são coisas fantásticas, mas podem ser ferramentas de desumanização, de impaciência com as pessoas vistas como lentas demais, que choram demais, frágeis demais. “A experiência do limite humaniza o ser humano, faz com que ele se sinta frágil, pequeno. O pessimismo seria um modo de olhar a humanidade”, concluiu o conferencista.


Encerrada a conferência, Luiz Felipe Pondé respondeu às perguntas da plateia. Questionado sobre o papel da ciência no desencantamento do mundo, ele lembrou como no Romantismo houve um reencantamento com a ideia de natureza e reafirmou a ideia de ciência como otimismo.


Perguntado sobre o fundamentalismo religioso, disse que a religião é um sistema de sentido que reúne comportamentos cotidianos e narrativas cósmicas que dão significado ao comportamento. O fundamentalismo seria uma reação a determinados índices da modernidade a partir de práticas da religião literais do texto sagrado. Um suposto retorno a um mundo religioso verdadeiro que teria sido destruído pela modernização, já que a modernização é vivida como desencaixe de tudo. Haveria,

então, uma visão pessimista em relação à modernização, mas ele oferece um reencantamento da vida.


Pondé comentou ainda sobre o problema do pensamento politicamente correto, como aquele pensamento covarde que simplifica a discussão, e disse que, se pudesse voltar para o passado, escolheria a Idade Média, já que foi muito injustiçada pelos iluministas. “Mas iria com passagem de volta”, brincou o conferencista.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Prazo de Validade

Quando nascemos começa a disparar o relógio que marca nosso principal Prazo de Validade. Demora mais ou menos, mas é implacável. O Prazo de Validade se aplica também em todas as situações do dia a dia, nas atividades profissionais, nas carreiras políticas, nas mamatas com dinheiro púbico e até na vida amorosa. Como o iogurte, tudo e todos somos perecíveis.

Quem não tem a compreensão de que vai passar, muitas vezes nem percebe que já perdeu o Prazo de Validade e vai pro limbo, antes de cair no inferno, achando que tá numa boa. Enquanto isso, o universo vai conspirando contra, até que a casa cai. Admita, você já passou por uma situação dessas.

É preciso estar atentos aos sinais para não ser surpreendido. O Prazo de Validade emite sinais claros quando a hora se aproxima. Desinteresse, falta de perspectivas, horizontes sombrios, portas que se fecham, caminhos que ficam tortuosos são alguns dos “recados” mais comuns.

Os mais espertos logo sacam e tratam de partir para outra, renovando prazos de validade em outros cenários, outras atividades, outras parcerias. Só não dá para revalidar o Prazo final quando o chamado daquela Senhora bate a porta. Aí já é outra conversa, porque há os que acreditam que isso nada mais é do que a passagem para outra dimensão, onde o Prazo de Validade é infinitivo, para o bem ou para o mal.

Nem sei por que estou falando nessas coisas. Acho que o Prazo de Validade dos meus assuntos está próximo do fim.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Encontro marcado

O livro de lombada vermelha se sobressai na prateleira empoeirada. “Encontro Marcado”, de Fernando Sabino, foi uma das primeiras leituras da adolescência, que agora retorna nesse mergulho nostálgico na velha morada destinada a virar escombros. È um encontro marcado que reúne parte do clã para dividir o espólio da casa, alguns móveis em bom estado, quadros de relativo valor, mas não há disputa, porque o mais valioso está disperso entre a papelada e cada um sabe o que lhe cabe.


Um recorte de suas vidas, zelosamente preservado pelo patriarca, está registrado em fotos, documentos, lembranças diversas dos tempos em que o casarão abrigava toda a filharada e a geração seguinte, e atraia os agregados que cada um trazia e que não eram poucos. E havia ainda espaço para um clube de paraquedismo, a sede de um time de futebol, os estúdios de uma rádio clandestina, a redação do jornalzinho mimeografado , as confrarias que iam se formando de tempos em tempos e até um improvisado cassino de carteado nas tardes de sábado.

O galpão dos fartos almoços dominicais da matriarca e de memoráveis churrascadas é o cenário do descarte do que não vai ser preservado. È uma tarefa difícil porque o que sobreviveu por tantos anos algum valor teria no futuro. Mas como saber o que se passava na cabeça do patriarca quando selecionou aqueles itens para que agora eles tivessem dúvidas? Como explicar, por exemplo, as duas gavetas cheias de moedas e cédulas de todos os valores, verdadeiro acervo do histórico monetário do país? Em algum período aquele dinheiro teve valor, mas hoje, como a maioria dos papéis distribuídos sobre as mesas, o valor que permanece é o que cada um lhe confere pelas lembranças que evoca.

E as lembranças são tantas que se permitem um momento para rememorar causos passados, como o barraco entre cunhados por causa de um gato, ou da menina que mordia as primas e os cachorros, ou, ainda, do menino de sorriso maroto que se foi tão cedo. Houve outras perdas ao longo do tempo, mas não há lamentações e quase se repete o clima festivo do passado, que os reunia pelas afinidades herdadas. Agora, como acontecia antes, os ausentes são difamados.

No pomar, a velha parreira que era a extensão natural das reuniões no galpão, agora é estéril. Mas a bergamoteira dá frutos abundantes, a mangueira e a goiabeira também ficam carregadas, cada uma a seu tempo. A analogia logo vem: a parreira é o que passou, mas há uma renovação e frutos vigorosos para o que foi plantado com boa semente e criou raízes fortes. È um encontro de comunhão e celebração da vida que segue.

domingo, 19 de junho de 2011

Tréplica

Tardou, mas não falhou: a Jandira Feijó se apresentou com a tréplica no debate originado pelo texto "Casamentos em risco", publicado aqui no ViaDutra. Confira aí:

Caríssimo Flávio


Teus textos, impecáveis, traduzem com fidelidade esta vocação para enticar – uma palavra que, aliás, remonta a minha infância e me obriga a ver que os anos passaram, mas, felizmente, nem tu, nem eu, perdemos a alma moleque. E já que o tema é a estabilidade dos casamentos, não existe a possibilidade de evitarmos a polêmica. Senão, vejamos.

Garotos adoram implicâncias. Desde cedo vocês se especializam nisto, assim é natural que este comportamento, ao longo do tempo, ganhe novos contornos e se expresse no casamento sob a forma refinada da acomodação e do bullying conjugal.


Quem, a não ser vocês, os meninos, conseguiriam enticar com tal maestria a ponto de transformar as meninas em senhoras rabujentas?

Para ficar no basiquinho, “fazer xixi sem levantar a tampa do vaso, ficar inconveniente depois da segunda cerveja, preferir assistir na TV aos jogos da segundona ao invés do palpitante capítulo da novela, falar mal da sogra e dos cunhados” e se gabar que cozinham melhor e com maior prazer do que as mulheres são meras manifestações da inclinação atávica masculina para enticar.

É óbvio que os homens passam por uma profunda crise de identidade. Já não sabem qual o seu papel na sociedade moderna. E como acreditam que a natureza os definiu como os mais capazes provedores, executores de tarefas nobres (como definir o destino da humanidade), “trazer também palitos e guardanapos” e abrir vidros de conserva, admitam, passa a dar sentido a sua existência.

Ah, mas enticar é preciso! E, como garotos precisam demonstrar que são “os caras”, vocês descobriram um jeito de diabolizar suas dedicadas esposas: vocês enticam e elas rabujam. Quer crueldade maior do que esta? É bullying conjugal, meu caro amigo.

Por fim, um pequeno comentário sobre a conta conjunta. Boas alunas, as mulheres compreenderam logo que a conta conjunta é de fato um problema, por isto, nos casamentos modernos, elas não cometem o erro de compartilhar suas contas com os maridos – uma espécie de vingança contra aqueles extratos mal explicados por esposos de outrora!

Prá encerrar, um “versinho” numa demonstração de que não guardamos mágoas:

“o homem é um diabo,
não há mulher que o negue,
mas todas elas querem
que o diabo as carregue”

Abraços, Jandira

domingo, 12 de junho de 2011

Vantagens da terceira idade

Nem tudo é limitação na chamada terceira idade. Aos 6.1, motor original queimando só um pouquinho de óleo, começo a gostar das benesses que as políticas públicas reservam para os que chegam a essa quadra da vida. Por exemplo, pelo segundo ano consecutivo recebo minha restituição do Imposto de Renda já no primeiro lote. Não é grande coisa, mas já ajuda para pagar as contas e fazer um ranchinho. Preferia que o Leão me isentasse de descontar o IR, mas enfim, não dá para querer tudo na vida.


Outra vantagem são as vagas para idosos nos estacionamentos. Confesso que de início eu ficava cheio de dedos ao estacionar nos espaços reservados nos supermercados e shoppings, mas a comodidade acabou vencendo o constrangimento. Como as vagas são de bom tamanho, isso evita o xingamento que ouvi, tempos atrás, ao tirar um fininho do carro de um garotão.

- Cuidado aí, velho barbeiro!

Velho tudo bem, mas barbeiro não admito. Como sou de paz e o jovem era do tipo fortinho, deixei a provocação pra lá. Mas magoei.

Em compensação, meu ego foi massageado quando me submeti a vacina “de grátis” contra a gripe num dos postos de saúde da prefeitura.

A gentil atendente perguntou minha idade e quando declinei os 6.1 ela foi categórica e acho que sincera:

- Não parece, eu daria bem menos idade ao senhor.

Tirante o “senhor”, fiquei bem faceiro com a avaliação da moça e vou pleitear uma promoção para ela junto ao secretário Casartelli.

Mas nem tudo são flores nessa jornada que insistem em chamar de melhor idade. Outro dia fiz uma pesquisa com meus iguais, perguntando quantos remédios tomavam, além daquele comprimido azul: três foi a média e todos começaram a exaltar as qualidades das suas panacéias – uma chatice, coisa de velho. Terceira idade é isso: a alegria dos laboratórios. Pior são os veteranos que decidem freqüentar as academias de ginástica. Além dos comentários maliciosos sobre as moças das esteiras com seus abrigos colantes, vivem a se queixar de dores aqui e ali, mas não se entregam: “Estou me sentindo outro homem, depois que comecei a puxar ferros”, garantem, numa linguagem mais adequada a outras faixas etárias.

Enganação maior só mesmo as filas de bancos para os caixas especais: andam tão morosamente como as dos pobres mortais. O curioso é que antes dos 60 recebia invariavelmente a senha para os caixas especiais, ficava p. da cara, mas não devolvia e agora tenho sido selecionado para os outros guichês. Será que estou rejuvenescendo?

E tem ainda a meia passagem no transporte coletivo e o meio ingresso no cinema, benefícios que ainda não aproveitei. O que tenho utilizado com freqüência é a prerrogativa de falar as maiores sandices, anunciar grandes besteiras, discorrer sobre teses absurdas, apresentar soluções inviáveis, tudo isso sem ser contestado. Essa “autoridade” decorre da combinação da idade com os cabelos brancos, que garante uma aura de credibilidade às bobagens apregoadas. Mas não me invejem. Trocaria tudo por alguns desatinos que deixei de cometer e pela repetição de outros, muito prazeirosos,  na fase em que ainda não era tratado de senhor.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Não me provoca, Jandira

Minha caríssima amiga Jandira Feijó me desafiou a escrever sobre “o novo paradigma do marido moderno, que precisa passar sua própria roupa e cozinhar muito bem, porque só ir ao supermercado não segura casamento”. Copiei literalmente para não dar margens a outras interpretações. A boa Jandira, além de competente jornalista e uma entusiasta das redes sociais, é uma provocadora nata. Igual a outra querida amiga, a Mirian Bravo, que de brava não tem nada, mas defende com bravura seus argumentos, com o pedido antecipado de perdão pelos trocadilhos forçados com o nobre sobrenome.

Estaria eu, com essa conversa mole, fugindo ao desafio proposto pela Jandira e reforçado por uma mensagem da Mirian, a propósito do texto “Casamentos em risco” ? Pode ser, mas é preciso levar em conta que as duas tem lá suas razões quando o assunto são os papéis do homem e da mulher na vida a dois na sociedade moderna. E preciso encontrar argumentos civilizados, sem abdicar das minhas teses e sem criar novas polêmicas.


Na verdade, no texto anterior alertei para dois fatores que podem, sob a ótica masculina, colocar em risco até mesmo o mais estável dos casamentos: a conta bancária conjunta e os pedidos das mulheres a seus maridos quando estes estão retornando ao lar. Não pretendia inticar com ninguém, muito menos com as senhoras, apenas fazia um alerta, repito. E mais: esperava que do outro lado viesse uma lista interminável de itens e situações que desagradam às mulheres nos procedimentos dos homens enquanto maridos. Coisas como fazer xixi sem levantar a tampa do vaso, ficar inconveniente depois da segunda cerveja, preferir assistir na TV aos jogos da segundona ao invés do palpitante capítulo da novela, falar mal da sogra e dos cunhados, isso pra ficar no basiquinho. Mas minhas expectativas foram frustradas. Pelo jeito as gurias não querem polemizar.

Em relação ao “novo paradigma do marido moderno”, sugerido pela Jandira, devo reconhecer que, de fato, os homens estão assumindo cada vez mais atividades que antes eram exclusividade de suas mulheres. A diferença é que os homens assumem o novo papel com alegria e espontaneidade, diferente das mulheres que se queixam do fardo da lida doméstica. Diria mais : ao colocar a mão na massa os homens transformam o corriqueiro em arte e o melhor exemplo é a gastronomia. Não é por outra razão que os grandes chefs são homens. Assim, não nos assusta dividir as tarefas do dia a dia, o que fazemos prazerosamente. Acho mesmo que só perderemos o prazo de validade quando as mulheres conseguirem abrir os vidros de conserva...

*Em homenagem à provocadora Jandira e às palpiteiras Mirian, Bibiana, Laura, Maura e Fernanda, musas do Facebook. 

Casamentos em risco



Mais do que a eventual infidelidade de um dos cônjuges, mais do que encostar o pé frio embaixo das cobertas, mais do que a tolha molhada sobre a cama ou as calcinhas penduradas no banheiro, o que pode detonar uma crise irreversível no casamento são dois fatores, claro que do ponto de vista, de viés machista, deste autor. Anotem, pela ordem de importância: a conta bancária conjunta e os pedidos prosaicos das senhoras aos seus maridos justo no momento em que o guerreiro está concluindo sua penosa lida diária e se recolhendo ao lar.

Não é preciso muita argumentação para sustentar os perigos de uma conta conjunta, nem tanto pela fúria consumista das parceiras, mas pelo controle que ela passa a ter sobre movimentação financeira do maridão, a oficial e a paralela. Como justificar aquele agrado, em forma de jóia, destinado sabe se lá a quem, ou melhor, sabe-se bem a quem, enquanto a madame tem que se contentar com bijuterias baratas e imitações chumbregas. E como explicar aquela grana preta gasta na casa daquela Tia famosa, na noite em que deveria estar reunido com a confraria dos amigos de fé?

Por mais irracional que possa parecer, o infrator recorre ao cartão de crédito conjunto para debitar as despesas de seu lado B. Ingenuidade, excesso de confiança ou desejo inconsciente de ser desmascarado para compensar o sentimento de culpa ? O que leva um cidadão, no pleno uso de suas faculdades mentais, a cometer tamanha babaquice? É difícil saber, mas uma coisa é certa: vai dar rolo e o casamento corre risco.

Falamos do lado perigoso. Tratemos agora do lado irritante que pode balançar um casamento. Irritante para o batalhador do cotidiano é, ao fechar o computador, receber o telefonema da patroa:

- Mor, já tá saindo? Então traz pão, leite e frios. Não esquece, viu mor.

A empatia toma conta de mim e eu me coloco no lugar desses pobres homens, obrigados a executar tarefas pouco nobres, depois de terem decidido o destino de pessoas e instituições. Na real, não saberia dizer o que irrita mais, se a forma reduzida de” Amor” ou o “não esquece,viu”. Solidário com o naipe masculino, considero as duas coisas uma forma de tratamento vil e perversa.

Nas minhas andanças já assisti a companheiros, homens de forte personalidade, se curvarem indignamente diante dos pedidos banais de suas patroas. Um deles, consagrado comunicador, atendia docemente o telefonema, anotava os pedidos e depois se transtornava porque fraquejara na hora em que precisava se impor.

- ...e não esquece de trazer também palitos e guardanapos, determinava a senhora do outro lado da linha.

Era demais, realmente, e o sujeito, aniquilado moralmente, bufava pela incapacidade de reação. Vamos combinar/aceitar que a nós está reservado, entre outros papéis, o de provedor, legado que recebemos desde os tempos das cavernas quando nossos ancestrais saiam à caça para garantir a sobrevivência de cada dia. Os tempos mudaram mas abater um leão por dia para garantir o sustento da família continua sendo nossa principal missão. Vai daí que aprovisionar a família com itens de consumo diário passou a ser obrigação do guerreiro na volta ao lar. Pão, leite e frios ainda vai, mas palitos e guardanapos é uma demasia, uma afronta. Insurgência masculina, já!

Bem, agora me dêem licença, porque recebi um telefonema da Santa e vou precisar passar no supermercado...


*Obrigado, Giuli

domingo, 5 de junho de 2011

Melhores Frases

Na falta de inspiração para encontrar um mote e produzir um texto inédito, apelo – sem constrangimento – para uma seleção do twitter @melhoresfrases, com os devidos créditos:


Pra mim, beijo é cultura. Eu beijo para conhecer novas línguas. @osvaldobian


As mulheres são mais irritáveis porque os homens são mais irritantes. @millorfernandes


O amor não é aquilo que não tem tamanho. O nome disso é anão. Amor é outra coisa. @naoeamor


Fique Adão, vai ter costela. @Alexandremedina


Fica Chapeuzinho Vermelho: vai ter lobo.@AlexandreMedina


Quando Jesus, após a ressurreição, subia aos céus, os apóstolos disserem: Fica, vai ter bolo. @OCriador


No twitter não seja bravo, seja breve. @cacarosset


Hoje quando fui procurar no Google fotos da Cláudia Ohana vi cada coisa cabeluda. @samara7days


Quando os gays descobrirem quão chato é um casamento irão protestar pelo fim dessa lei. @osprimitivos


Casamento é igual a produto chinês. De fora, até parece que funciona.@tiodino


O Censo precisou fazer uma pesquisa para comprovar o que toda a mulher já sabe: tá faltando homem. @Deercy


Invejo burrice, porque é eterna.@rodriguesnelson


Ando tão carente que paguei uma garota de programa só para me abraçar. @osprimitivos


O cúmulo da mentira é fingir orgasmo na masturbação. @humor_feminino


Toda a vez que tento ler kkkk eu paro de rir. @Assum_P


Esteira: aparelho que leva nada a lugar nenhum e ainda demora 40 minutos para chegar. @AbelLumer