segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Levando sustos no trânsito

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Meu bom amigo Ricardo Azeredo, atento repórter e competente produtor televisivo, fez uma interessante análise dos tipos que dominam nosso trânsito nas ruas e estradas. Segundo o Azeredo, e eu concordo com ele, o trânsito seria um lugar bem menos estressante não fossem os malas do volante. Seguem alguns exemplos: 

. o Empacado do semáforo:  abre o verde e o cara não sai do lugar, segurando todo mundo; metade dos que estão atrás fica presa no próximo vermelho; 

. o Cágado: jura que está sozinho no mundo e fica nos 30, 40km/h nas vias expressas, ignorando o fluxo e travando todo o tráfego;

. o Iluminado: fica de farol alto o tempo todo, e não tá nem aí para os outros, ofuscando quem vem em sentido contrário e "incendiando" os retrovisores de quem está à sua frente;   

. o Atravessado: o apressadinho que ingressa na pista vindo de alguma transversal, se metendo bruscamente na tua frente para, em seguida, se manter nos 20 km/h;  

. o Nervosão: vem a mil e cola na tua traseira, exigindo passagem, quase te empurrando;

Tenho sido mais vítima do que agente, entre os personagens elencados pelo Azeredo. Reconheço que não sou dos motoristas mais exemplares, mas isso não autoriza o assédio  - agressividade até - que venho sofrendo de um tipo que mereceria estar na galeria do meu amigo: o Buzinador Raivoso. Qualquer barbeiragem, por mínima que seja, e ele esquece a mão na buzina, como se protestasse sonoramente contra um oponente na via. Tenho levado cada susto! 

Os buzinadores raivosos geralmente são homens e proprietários de carrões ou daqueles caminhonetões que ocupam duas vagas nos estacionamentos. A buzinada estridente e insistente ainda é acompanhada de um olhar raivoso quando os dois carros emparelham. Fico com vontade de revidar, mandando socar a buzina naquele lugar, mas me contenho porque sou da paz e também porque os caras parecem ser dos tipos jovens e bombados. Num eventual enfrentamento eu ficaria em nítida desvantagem. 

Só me ocorre lembrar aquela máxima popular de que carro grande, pela lei da compensação, é igual a dono de pinto pequeno, e aproveito para acrescentar que muita buzinação é outra forma de compensação, no caso para o mau desempenho com suas parcerias na hora do bem bom,



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A felizarda geração dos 35 em diante #sqn

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia assisti a um vídeo no Tik Tok  em que um sujeito discorria animadamente sobre as vantagens da geração de 35 anos em diante, segundo ele a galera mais felizarda (ele usou um palavrão que também começa com f) que já existiu. “Somos velhos  e modernos ao mesmo tempo”, apregoou. E saiu a comprovar o que afirmava, sempre no plural:

- nós usamos ficha telefônica, cartão telefônico e chegamos a era do celular;

- nos formamos em datilografia e sabemos mexer em computadores e  smartphones;

-  somos do tempo em que uma linha telefônica valia o preço de uma casa e hoje ninguém mais tem telefone fixo em casa;

- alugávamos fita em VHS em locadoras dois anos depois dos filmes serem lançados e agora em um mês o filme já está no streaming;

- gravávamos em fita cassete as músicas que gostávamos e hoje temos o spotify a um clique nosso;

“Somos f....Nós somos uma edição limitada, nos valorizem”,  conclui o entusiasta do Tik Tok.

Olha, não é bem assim e posso dizer, do alto dos meus 7.5, que tenho lugar de fala neste caso. Sinceramente, não vejo grandes vantagens nessas modernidades, a não ser para passar vergonha e pagar mico por inaptidão sobre o funcionamento da maioria das soluções oferecidas.  Quando constato que minha neta de seis anos domina o celular com muito mais agilidade do que eu; quando tento usar as múltiplas funções do relógio tecnológico que ganhei de aniversário e só consigo conferir as horas; quando o computador do carro,  no meu caso  só serve para sintonizar as rádios - para usar três de muitos exemplos -  tenho sérias dúvidas se sou um felizardo na transição do analógico para o digital.  Na realidade, virei apenas um nomofóbico, ou celular dependente, e assim mesmo sem usar todo o potencial do telemóvel.

Pra ser sincero novamente, trocaria todas essas modernidades tecnológicas por fichas telefônicas, máquina de escrever, telefone de disco, filme em VHS e fita cassete se isso representasse também uma redução de idade para 35 e menos.  

*Valeu Caldana


terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Modismos gaúchos

*Publicado em Coletiva.net em 11/02/2025

O gaúcho em geral e o porto-alegrense em especial adoram um modismo.  Talvez para compensar o nosso provincianismo atávico, adotamos qualquer novidade que vem de fora e se for no segmento da gastronomia, mais ainda.

Lembro até hoje de conhecidos que residiam em Caxias do Sul e formavam caravanas à Porto Alegre só para saborear um McDonald qualquer, quando a rede aqui instalou sua primeira unidade. Quase romperam relações comigo quando revelei que havia frequentado, numa viagem aos EUA,  lojas do MacDonald cuja higiene deixava a desejar e uma outra em que chovia dentro e as goteiras eram recepcionadas por prosaicos baldes, como nas chuvaradas tupiniquins.  

Nem preciso voltar muito no tempo para outro exemplo. Há uns cinco anos, a rede Starbucks instalou num shopping sua primeira loja na Capital e flagrei, em passagem pelo local, uma fila de boas proporções à espera do atendimento. O principal produto é o café, que pode ser encontrado no mesmo shopping em outras locais, tão ou mais saborosos que o da empresa dos EUA e certamente mais baratos. Mas a fila era no café com a grife americana. Vale destacar que o anúncio da instalação da Starbucks ocorreu no Paço Municipal, com a presença do prefeito, secretários e imprensa. Foi, portanto, um autêntico evento, do qual fui testemunha ocular e auditiva. 

Já vivemos a febre das pizzarias, que ainda resistem entre os jovens e as famílias mais numerosas devido aos rodízios abundantes a preços acessíveis e suas abomináveis pizzas doces. Vivi para ver a onda dos sushis e temakes, que conseguiram repartir cardápios com pouco respeitáveis churrascarias. Sim, esse crime de lesa gauchismo existiu, com direito a letreiros anunciando a “atração” gastronômica. 

Agora o espaço novidadeiro é ocupado pelas hamburguerias e mais os bistrôs e as cafeterias que servem até café, sem contar o tal açaí na tigela. Qualquer porta de garagem vira bistrô.   Enquanto isso, minguam as churrascarias, que devem ficar mais proibitivas pelo preço da carne lá nas alturas. 

Para não me acusarem de excesso de rabugice contra as invencionices culinárias, chamo a atenção para a nova onda: as baber shops, que pululam pela cidade, substituindo o bom e tradicional barbeiro de fim de linha. Já nem falo da inflação de farmácias, comandada pelas duas principais redes, mas aí penso que o caso tem mais a ver com a vocação brasileira para a hipocondria do com as necessidades de saúde da população.

Veio também a onda dos atacarejos, incluindo a invasão de redes de outros estados, todas berrando suas ofertas na TV.  Deve ser tendência de mercado, dirão os especialistas. Porém, não dá para esquecer a  receptividade cada vez maior aos importados  Halloween, que levo livre porque fazem a alegria da criançada, e ao Dia de São Patrício, que abomino por causa da sua intragável cerveja verde. A propósito, me recuso a comprar em loja que anuncia liquidação como “sale”.

Só o que me consola é que observo uma tímida, mas crescente disseminação pela cidade dos botecos, com seus chopps bem tirados, seus acepipes fritos e ambiente barulhento, mas acolhedor, mesmo que o atendimento seja um tanto distraído, como em uns e outros que frequento.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Me incluam fora dessas

* Publicada nesta data em Coletiva.net

Sabe aquele evento com mídia bombando, cheio de atrações de peso e que as pessoas fazem fila para entrar e tem até quem vare a noite para ficar entre os primeirões? Me incluam fora deles. São verdadeiras indiadas – com o perdão dos povos originários  – para um cidadão de hábitos moderados e avesso ao efeito boiada, como este que vos fala.

Não me tomem por ermitão, pois até confesso que fico com uma certa inveja de quem tem disposição e energia para encarar um Planeta Atlântida e suas atrações, a maioria das quais desconheço.  Ou um Rock in Rio com sua dimensão internacional, na mesma medida de todas as dificuldades a serem enfrentadas na ex-Cidade Maravilhosa. Fico pasmo cada vez que vejo aquelas multidões acorrendo ao réveillon em Copacabana, acampadas a léguas de distâncias do palco, envolvidas em suas muvucas e revelando, com uma pontinha de orgulho e variados sotaques, de onde vieram e do que se alimentam. 

Por dever de ofício, muito frequentei o nosso Carnaval no Porto Seco. Até gostava no início dos desfiles, mas lá pela terceira escola (e falo do Grupo Especial), já madrugada alta, a gente se dá conta de que ainda está na metade da folia e tem muito  baticumbum pela frente.  Como jornalista, por razões profissionais e depois como torcedor por adesão clubística, enfrentei aglomerações de todos os tamanhos nos estádios.  Pior do que a chegada, era a saída e como a paciência não é o meu forte, prefiro agora o conforto – e sofrer com meu time - bem acomodado no sofá, com a vantagem de que em casa a cerveja é liberada e o banheiro é limpo,

Claro que tem situações bem piores do que essas, como fila de espera em restaurante no Dias das Mães, idem  por  vaga em motel no Dia dos Namorados, congestionamento nas estradas rumo ao litoral, fila em sessão de autógrafos, formatura de curso de Direito e chatos de boteco.

Tem também aqueles atropelos em dias de liquidações, que o comércio brasileiro importou dos EUA – ou será do Japão? É um comportamento que depõe contra o gênero humano. Empurra daqui, empurra dali, parece um arrastão e, de repente,  se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma de infinitas polegadas, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos num Golzinho antigo e quadrado. E é sempre a mesma coisa.

Nessa cruzada civilizatória, fiz um pacto comigo mesmo: chatices em geral e efeito boiada nunca mais.