segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Conspiração à brasileira

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

Entre tantos personagens inesquecíveis, Chico Anysio tinha um que eu considerava impagável: Bento Carneiro, Vampiro Brasileiro, “aquele que vem do aquém, do além, adonde que véve os mortos”, apresentação pronunciada com sotaque caipira.  Um dos seus  bordões favoritos era  ¨Minha vingança será maligrina¨. 

Ao final dos quadros na TV, depois de muitas trapalhadas nas tentativas de assustar alguém, afirmava olhando para a câmera: “Bento Carneiro, vampiro brasileiro...pzztt”, seguido de uma cusparada.  Era um vampiro fracassado, com baixa autoestima.

Não sei porque me lembrei do Bento Carneiro ao conhecer os detalhes da movimentação dos militares envolvidos na tal Operação Punhal Verde e Amarelo, que queria impedir a posse de Lula e executar o presidente eleito, junto com o vice Alckimin e o Alexandre de Moraes. Bota amadorismo e inépcia nessa turma, sem torcida minha para que desse certo, mas apenas constatação. E mais: se os conspiradores faziam parte de um grupo de elite  do Exército (os Kids Pretos) fico imaginando como será o preparo do restante da força!  Assim, qualquer semelhança com o personagem de Chico Anysio não será mera coincidência.

Quando o táxi resolve ou atrapalha

As trapalhadas dos candidatos à golpistas ficaram evidentes num episódio prosaico: o aloprado de codinome Gana, que estava na campana para prender Alexandre de Moraes, não pôde cumprir a sua missão e nem se evadir a tempo... por não conseguir um taxi. Os outros Kids Pretos devem ter tido ganas de esganar o Gana, com o perdão pelo trocadilho. O sujeito nem plano B tinha para escapar! 

Como militar, ele deveria conhecer um pouco de história e saber de um caso em que, diferente da situação dele, os taxis foram decisivos numa batalha. Em 1914, as tropas francesas usaram centenas dos então carros de praça para terem como chegar ao front e impedir que as tropas alemãs invadissem Paris.

Sem outros meios para transportar os soldados, todos os táxis disponíveis em Paris foram requisitados e pelo menos 600 deles participaram da primeira leva de tropas, que apoiou a contraofensiva das forças franco-británicas, naquela que ficou conhecida como a Primeira Batalha de Marne. Os taxistas foram devidamente indenizados, além da glória de terem participado do esforço de guerra, bem diferente da ação inglória do atrapalhado Gana.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A indústria que mais cresce

 * Publicação nesta data em Coletiva.net

Os brasileiros passaram a viver uma nova era: a Era da Desconfiança. Pode ser também a Era da Enganação. Pensaram que estava falando do governo Lula? Nada disso. É que  está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas  e propostas que são puro logro, ou avisos tipo o de  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro,  ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming,  sempre atrás das minhas senhas que devem valer muito. Agora a novidade são as propostas de negócios com lucros milionários, disparadas do exterior.  Isso  sem contar os telefonemas de spam e de tentativas de golpes pelo celular.

Como têm ganhos de escala, acredito que a indústria da fraude é o setor econômico que mais cresce no país.  A verdadeira diversidade está na carteira de operações dos golpistas, tanto assim que dá pra estimar que é meio a meio entre as mensagens verdadeiras e as fraudulentas, com tendência a aumentar para o lado fake, graças – ou desgraçadamente – aos recursos facilitadores e enganadores da Inteligência Artificial.

O mais inacreditável é que grande número das tentativas de golpe, senão a maioria, partem de dentro dos presídios. comprovando que o poder público não está conseguindo coibir a entrada de celulares para os criminosos. 

Com isso, ninguém está livre de virar vítima dos golpista. Poderia listar uma infinidade de casos, envolvendo inclusive gente esclarecida, com formação superior, como o médico que saiu em desabalada carreira em direção ao banco para pagar o resgate da filha que estava nas mãos de “sequestradores”;  ou o jornalista que foi achacado e ameaçado pelo “pai” da “de menor” com a qual trocou nudes ou, ainda, o outro jornalista que pagou duas vezes uma dívida inexistente com o “banco”. Até o velho e prosaico golpe do bilhete foi reabilitado pelos espertalhões com a conivência das ingênuas ou ambiciosas vítimas, reabilitando um ditado, também antigo: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto; se eles se encontram, sai negócio”.

Já o sistema bancário, que detesta concorrência, resolvei reagir, sem levar em conta os golpes oficializados que pratica contra os clientes, cobrando taxas descabidas para toda e qualquer operação. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apelou para um recado do Fábio Que História é Essa, Porchat?, veiculado em rede nacional. Por aqui, o Sicredi adverte, em  chamadas no rádio, que ocorrem 76 tentativas de golpes digitais por minuto no Brasil. Isso representa 4.560 tentativas por hora ou 109.440 por dia. Digamos que apenas 1% delas seja bem sucedida, chegamos a 1.094 pessoas/dia ludibriadas pelos golpistas. Seriam mais de 32 mil ao mês. É muita gente envolvida e muita grana perdida.

O pessoal da Segurança Publica e da mídia publica com frequência orientações e alertas anti-golpes. São óbvios e inúteis,  porque, vale repetir, enquanto existirem espertos e otários querendo levar vantagem, a indústria das fraudes será a que mais cresce entre nós.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.