segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A indústria que mais cresce

 * Publicação nesta data em Coletiva.net

Os brasileiros passaram a viver uma nova era: a Era da Desconfiança. Pode ser também a Era da Enganação. Pensaram que estava falando do governo Lula? Nada disso. É que  está cada vez mais difícil reconhecer nas mensagens recebidas o que é falso ou verdadeiro. Diariamente recebo pelo menos cinco ofertas  e propostas que são puro logro, ou avisos tipo o de  mercadorias que não comprei, agora retidas no Correios e para as quais devo pagar uma taxa. E, ainda, contas que serão bloqueadas em bancos onde não tenho cadastro,  ou pagamentos atrasados para operadoras de celular e   serviços de streaming,  sempre atrás das minhas senhas que devem valer muito. Agora a novidade são as propostas de negócios com lucros milionários, disparadas do exterior.  Isso  sem contar os telefonemas de spam e de tentativas de golpes pelo celular.

Como têm ganhos de escala, acredito que a indústria da fraude é o setor econômico que mais cresce no país.  A verdadeira diversidade está na carteira de operações dos golpistas, tanto assim que dá pra estimar que é meio a meio entre as mensagens verdadeiras e as fraudulentas, com tendência a aumentar para o lado fake, graças – ou desgraçadamente – aos recursos facilitadores e enganadores da Inteligência Artificial.

O mais inacreditável é que grande número das tentativas de golpe, senão a maioria, partem de dentro dos presídios. comprovando que o poder público não está conseguindo coibir a entrada de celulares para os criminosos. 

Com isso, ninguém está livre de virar vítima dos golpista. Poderia listar uma infinidade de casos, envolvendo inclusive gente esclarecida, com formação superior, como o médico que saiu em desabalada carreira em direção ao banco para pagar o resgate da filha que estava nas mãos de “sequestradores”;  ou o jornalista que foi achacado e ameaçado pelo “pai” da “de menor” com a qual trocou nudes ou, ainda, o outro jornalista que pagou duas vezes uma dívida inexistente com o “banco”. Até o velho e prosaico golpe do bilhete foi reabilitado pelos espertalhões com a conivência das ingênuas ou ambiciosas vítimas, reabilitando um ditado, também antigo: “Todo dia sai na rua um otário e um esperto; se eles se encontram, sai negócio”.

Já o sistema bancário, que detesta concorrência, resolvei reagir, sem levar em conta os golpes oficializados que pratica contra os clientes, cobrando taxas descabidas para toda e qualquer operação. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apelou para um recado do Fábio Que História é Essa, Porchat?, veiculado em rede nacional. Por aqui, o Sicredi adverte, em  chamadas no rádio, que ocorrem 76 tentativas de golpes digitais por minuto no Brasil. Isso representa 4.560 tentativas por hora ou 109.440 por dia. Digamos que apenas 1% delas seja bem sucedida, chegamos a 1.094 pessoas/dia ludibriadas pelos golpistas. Seriam mais de 32 mil ao mês. É muita gente envolvida e muita grana perdida.

O pessoal da Segurança Publica e da mídia publica com frequência orientações e alertas anti-golpes. São óbvios e inúteis,  porque, vale repetir, enquanto existirem espertos e otários querendo levar vantagem, a indústria das fraudes será a que mais cresce entre nós.  


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O cinismo do dia a dia

* Publicado nesta data em Coletiva;net

Quantas vezes você já passou por situações como essas, como agente ou vítima, nas relações pessoais e profissionais. A verdade é a seguinte: um pouco de falsidade não faz mal a ninguém e que chato seria o dia a dia sem isso. Ou como ouvi na mesa ao lado: "O sucesso dos meus amigos é o cinismo da minha satisfação..."

- Passa lá em casa pra gente tomar umas cevas. 

- Aparece lá na firma pra gente conversar.

- Fica tranquilo que estou avaliando com carinho tua proposta.,

- Temos que  marcar um jantar dia desses.

- Bah, tu parece que não envelhece nunca.

- Competência é que não te falta, mas...

- Gosto muito do que tu escreves.

- Que criança mais linda. Parecida contigo.

- Estava pensando justamente em te fazer essa sugestão.

- Não esquenta, está tudo sob controle.

- Mais um pouco eu conseguia, juro. 

- O problema não é contigo,  é comigo,

- Que lástima a gente não ter se conhecido antes.

- Pode deixar, vou te ligar depois para dar retorno.

- Sentimos muito tua falta no evento.

- É com grande satisfação que...

- Vamos criar uma comissão para resolver isso.

- Sou torcedor do meu time e não fico secando o tradicional adversário.

- Por mim tu já estavas contratado, mas o chefão está complicando.

- Fiz campanha para  outro candidato, mas estou torcendo para que o governo dê certo.

- Indireta pra ti? Nem estava pensando no teu novo corte de cabelo.

- Concordo plenamente contigo,  mas...

- Essa ideia ainda precisa amadurecer, temos que dar tempo ao tempo.

- Tenho certeza de que o pessoal da Coletiva.net aprecia muito quando escrevo estas frivolidades.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A mídia engajada não nasceu hoje

 *Publicação nesta data em Coletiva.net

A mídia tem dado demonstrações diárias de que está voltando ao jornalismo raiz, quando a maioria dos veículos eram engajados politicamente. Especialmente os jornais que foram dominantes como fonte de informação antes do advento do rádio e da TV. defendiam claramente suas bandeiras como porta-vozes do agrupamento ou movimento político que representavam. O engajamento representava também o reconhecimento da Imprensa como um poderoso instrumento para conquistar corações e mentes dos cidadãos.

No tempo do império proliferaram os jornais pró ideais republicanos e abolicionistas, alguns com duras críticas a dom Pedro II. O Imperador, entretanto, era favorável à liberdade de imprensa, não apelava para a censura e até lia os jornais das províncias para saber o que pensavam dele. 

Na Provincia do Rio Grande, os Farrapos divulgavam  seus ideais  no jornal O Povo, sob a batuta do carbonário Luigi Rossetti.  Propugnavam que defendiam uma causa justa, acima de tudo em nome da liberdade, contra os retrógrados, sebastianistas e conservadores legalistas. Já os legalistas se consideravam como defensores da ordem e qualificavam os rebeldes como anarquistas e subversivos. Tese a ser aprofundada: a polarização na política e a imprensa engajada não nasceram hoje e esta seria consequência dos antagonismos que resistem até os tempos atuais.

No RS, a polarização se acentuou   a partir da última década do século 19. O historiador Nestor Ericsen no livro  O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense  (Sulina, 1977). registra que, na época, a imprensa gaúcha caracterizava-se pelas fortes tendências políticas, influindo diretamente na opinião pública local, de acordo com os interesses partidários. Havia jornais pró-maragatos e pró-pica-paus, como eram conhecidos os adeptos dos principais partidos políticos gaúchos que se digladiaram pela imprensa e em sangrentas batalhas nas revoluções de 1893 e 1923. 

Lider dos pica-paus e presidente do Estado, Júlio de Castilhos e seus partidários do Partido Republicano Riograndense/PRP, fundaram o jornal A Federação, que se tornou o porta-voz oficial das posições do governo. A sede do jornal. em estilo eclético, características da arquitetura positivista, foi inaugurada em 1922 e hoje o bem conservado prédio da esquina das ruas Caldas Junior e Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, abriga o Museu de Comunicação Hipólito da Costa, homenagem ao patrono da imprensa brasileira.

Na frente do Museu está instalado o Correio do Povo., que, ao surgir em 1895  tentou romper com a polarização reinante, apresentando-se como “Independente, nobre e forte (...) que não é órgão de nenhuma facção partidária”, conforme o primeiro editorial, assinado pelo seu diretor, Caldas Junior.  

A Federação chegou a competir com o Correio do Povo, autointitulando-se o jornal de maior circulação no Estado. Circulação interrompida em 1932, com o advento do Estado Novo, que aboliu os partidos e decretou fechamento de vários jornais. Entre eles estava também O Estado do Rio Grande, órgão oficial do Partido Libertador/PL, de Raul Pilla. Criado em 1929, o jornal do PL na opinião do professor Antonio Hohlfeldt foi “o último jornal que se pode classificar como político-partidário, em sentido estrito”.

Corte no tempo e no espaço, chegamos aos anos 1940/50 e a dois casos notórios de jornais engajados em âmbito nacional. Primeiro com a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, que, nasceu em 1949 com a cara do dono:  combativa, corajosa, panfletária, como porta-voz da União Democrática Nacional/UDN, contrária ao governo de Getúlio Vargas. O atentado da rua Toneleros, em 1954, que visava calar Lacerda, mas acabou vitimando o major Rubenz Vaz, da FAB,  levou, na sequência, ao suicídio do presidente, episódios marcantes na história do país com a participação da Tribuna.

Para fazer frente à imprensa oposicionista, Vargas incentivara a criação em 1951 da Última Hora, de Samuel Wainer, que, nas palavras de seu fundador, era “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”. O governo de Vargas, é claro. Inovando em termos técnicos e gráficos, a Última Hora teve edições em várias capitais, entre as quais Porto Alegre, sendo sucedida pela Zero Hora, após o golpe de 1964, mas sem o vigor combativo do jornal de Wainer. 

Leonel Brizola deve ter se inspirado em Vargas e  também investiu num veículo impresso para asfaltar sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. E criou o Clarin, que circulou por um ano, de fevereiro de 1955 a fevereiro de 56. O Clarin era ligado ao  partido de Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro/PTB, mas apresentava informações gerais, formou jornalistas de respeito e competia com a Folha da Tarde, pois era vespertino. 

Hoje o cenário da mídia é de uma profusão de portais. blogs e influencers , alinhados à direita e à esquerda, assumindo cada vez mais espaços antes dominados pela chamada mídia tradicional. Esta oscila ao sabor das conveniências e das benesses, em forma de gordos patrocínios do governo da hora. Registre-se também a opção preferencial pela opinião, customizadas em cada veículo e em detrimento da informação, já que as notícias são tão perecíveis, tão iguais no tratamento recebido que quase viram comodities. Bancadas de comentaristas se revezam nas programações ao vivo, opinando sobre tudo e sobre todos, muitas vezes com várias participações sobre variados temas da hora, revelando uma admirável capacidade de se reinventar. 

E é nos comentários que se sobressaem muitos profissionais alinhados com essa ou aquela ideologia, as vezes de forma indisfarçável, sob as blindagem de “é a minha opinião” e para além da orientação editorial da empresa. Nas redações, em anos eleitorais cresce o alinhamento de repórteres e editores infiltrados à serviço de causas que vão contra os ditames do bom jornalismo.

Um caso à parte é o da imprensa esportiva. Houve um tempo em que, pelo menos aqui no RS, era pecado mortal o cronista esportivo ser identificado com este ou aquele clube. Hoje, comentaristas e repórteres, nem todos com formação jornalística, mas plenamente identificados com o Grêmio ou o Inter, são badalados como atrações pelas emissoras dedicadas à cobertura esportiva.

Após esse levantamento histórico, sem qualquer pretensão acadêmica,  me permito humildemente a duas conclusões: é da natureza da imprensa o engajamento, em boas causas ou nem tanto; e prefiro a imprensa declaradamente engajada, porque sei com quem estou tratando, do que os falsos  isentos, que mudam de posição de acordo com as circunstâncias. 

*Texto incluído no livro ENTRE UM GOLE E OUTRO, O RETORNO, que terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre dia 11/11, às 18 h.


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Entre um Gole e Outro , o retorno

* Publicado em Coletiva.net nesta data

A primeira leitura - assim como o primeiro gole - desce suave. A partir de então o prazer vai se renovando a cada página. Um bom livro, como uma boa bebida, depende de uma série de fatores (gosto, intensidade, sabor) mas o resultado quase sempre se vê depois. E, nesse caso, é possível garantir: não há ressaca.

Peraí, esse início é igual ao do texto de lançamento do ano passado? Verdade! E o motivo se explica pelo fato de que o primeiro livro deixou aquela vontade de mais um gole, de mais um prazer. Taí: a sede do leitor será agora saciada com Entre um Gole e Outro - Conversas de Boteco 2.

Nesse novo coquetel literário, os ingredientes aumentaram e a qualidade final – como se parecesse impossível – ficou ainda melhor. Um novo autor entrou, outro novo autor é apresentado (já indicando futuras colaborações) e, no geral, tudo aumentou, em tamanho e em qualidade.

Como nas boas bebidas, essa mesma qualidade precisa ser constante. E esse livro-engarrafado mantém isso. Os Alemers, como ficaram conhecidos os 13 guerreiros que toda semana se reúnem em um tradicional boteco do Menino Deus, estão ainda mais ousados, audaciosos e afiados. Num mix criativo, a obra contempla análises políticas, culturais, assuntos da cidade, memória afetiva e tantos outros temas capazes de alegrar (e até emocionar) o leitor.

Leia sem moderação, saboreie o retrogosto da palavra e venha brindar conosco no próximo dia 31 de outubro, a partir das 18h e até o último gole, no Bar do Alexandre (Rua Saldanha Marinho, 120, esquina Gonçalves Dias - Menino Deus), a adega-literária onde os treze personagens se abrigam semanalmente há mais de seis anos.

Vai aí mais uma dose?

 

Roubartilhei o texto promocional, de autoria do Marcio Pinheiro, para chamar a atenção para o lançamento do segundo volume do livro Entre um Gole e Outro, na próxima quinta-feira. Participam da empreitada os jornalistas Carlos Wagner, Elton Werb, Horst Knak, Luiz Reni Marques, Marcelo Villas-boas, Márcio Pinheiro, Marco Poli, Marcos Martinelli, Mário de Santi, Ricardo Kadão Chaves, Sérgio Schueler, além deste que vos fala. No ano passado, na sessão de autógrafos do primeiro volume, gastamos esferográficas  e quase tivemos câimbras nas mãos de tanto autógrafos que foram dados. Agora esperamos, pelo menos, repetir o mesmo sucesso, porque o livro está tão bom como o primeiro, ou até melhor. Não nos deixem sós.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje, parte 2

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Já não se fazem mais campanhas e coberturas eleitorais como antigamente. Sim, sou um saudosista dos dois processos em tempos pretéritos e nem faz tanto tempo assim. Já participei de várias campanhas eleitorais, como profissional ou voluntário, e inúmeras coberturas, especialmente quando atuava em rádio. Neste caso, a primeira foi em 1978, pela Rádio Guaíba, que montou uma grande estrutura e mobilizou uma enorme equipe sob o comando de Antonio Brito, que anos mais tarde se elegeria governador do Estado. A principal disputa foi para o  Senado entre Pedro Simon (MDB) x Mário Ramos, Mariano da Rocha e Gay da Fonseca (Arena). Simon superou os três. Ainda vigorava o regime militar, e os governadores eram escolhidos indiretamente.  

Foram muitas eleições e coberturas desde então. O pessoal do esporte sempre era chamado a integrar e reforçar a equipe envolvida nas transmissões que varavam os dias e as noites para registrar os votos, urna a urna em todo o Estado. E lá estava eu, lépido e faceiro,  normalmente coordenando a cobertura do interior.  A movimentação durava de cinco dias até uma semana, à espera de fechar a última urna, pois as emissoras promoviam a contagem paralela dos votos, concorrendo com a Justiça Eleitoral e sempre anunciavam os vencedores com antecedência. E sempre, também, se vangloriavam de que a margem de erro em relação aos números oficiais era ínfima, o que, de alguma forma, era a gratificação pelo investimento na contratação de dezenas de pessoas para receberem as informações – por telefone – das zonas eleitorais. A concorrências entre as emissoras, Gaúcha  Guaíba principalmente, era  tão ou mais acirrada que os enfrentamentos eleitorais da época.

A disputa pelo anúncio do primeiro voto era feroz e lembro que nas eleições  de 1982 o saudoso Edison Moiano, da Guaíba, que acompanhava  em Canoas a abertura de uma das primeiras urnas, transmitiu  do ginásio onde ocorria a apuração:  “Atenção, saiu o primeiro voto no Estado. É para Alceu Collares!” .  Foi uma vibração incontida na Central de Eleições da então Caldas Junior e aquela “vitória” diante da concorrência serviu de emulação para toda a cobertura.  Indagado mais tarde como conseguira o furo, o esperto Moiano teria confessado que viu de relance o voto que seria de Collares caindo da urna para a contagem e decidiu antecipar o tal primeiro voto.  “E, afinal, um voto para Collares teria que ter naquela urna”, justificou.

Volto bem mais no tempo para lembrar que minha iniciação política começou muito cedo, lá pelos 10 anos, quando meu pai instalava perto de casa, no bairro Petrópolis, uma banquinha para distribuirmos material de meu tio que disputava uma cadeira na Câmara Federal - foi um dos mais votados e mais tarde elegeu-se  senador e depois virou biônico.  Éramos muito politizados a escadinha de oito irmãos, tanto assim  que na disputa pelo governo do Estado , em 1958, meu irmão Telmo instalou em casa um comitê para  o Brizola e minha irmã Silvia um para o Peracchi, com farto material de campanha que buscavam nos comitês de verdade.  Os dois não tinham mais de 15 anos!

Consta que, na época, eu teria me atritado e até chegado as vias de fato com um primo querido, que apareceu lá em casa em uma Kombi totalmente adesivada com material de um candidato que não era o de preferência da minha família. Não lembro do episódio e, como sempre fui um devoto juramentado da paz e da harmonia, afirmo que a tal briga não ocorreu.

Fake news a parte, hoje, graças a votação eletrônica, poucas horas após o fechamento das urnas já se sabe o resultado da eleição. As raras  emoções das jornadas eleitorais ficam por conta dos casos em que a decisão passa para o segundo turno ou de situações peculiares, como o candidato que venceu por um voto no município de Gentil, a disputa  entre dois irmãos em Capão da Canoa ou em que cidade o eleito conquistou o maior índice.  Sim, sou um saudosista das campanhas e coberturas eleitorais de antigamente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Eleições, ontem e hoje

 *Publicado nesta data em Coletiva.net

No Brasil, ao invés de promovermos uma reforma política pra valer,  aperfeiçoa-se tão somente o processo de votação. Mesmo que os bolsonaristas e o ditador venezuelano lancem desconfianças sobre a urna eletrônica, o sistema brasileiro é moderno, funciona e é confiável. Os mais antigos vão lembrar das maracutaias dos tempos da votação em cédula de papel. Muito voto em branco foi preenchido por escrutinadores desonestos  à serviço de determinada candidatura e, na sequência,  os mapas de totalização eram fraudados.  Compra de votos, então, era comum, se bem que essa prática voltou a ser denunciada aqui no RS e em outros estados, na atual eleição municipal, inclusive com a participação do crime organizado.

Em passado não muito distante, o caso mais notório de tentativa de trapacear no processo eleitoral envolveu Leonel Brizola na disputa para o governo do Rio em 1982. O episódio ficou conhecido como Caso Proconsult, a empresa contratada pelo TRE para a totalização dos votos, depois acusada de manipular os resultados para favorecer o candidato do então PDS, Moreira Franco. Brizola botou a boca no trombone e com isso conseguiu sustar a fraude e garantir sua eleição, naquele que foi o primeiro pleito direto para escolher governadores, já nos estertores da ditadura militar. Detalhe importante: o voto à época era em cédula de papel.

Hoje, uma grande e custosa estrutura da Justiça Eleitoral (orçamento de R$ 11,8 bilhões em 2024) atua para garantir a lisura dos pleitos, impondo uma série de vedações às candidaturas.  Mesmo assim, as manipulações eleitorais  não foram totalmente eliminadas e surgem de outras formas, além das fake news e uso da IA.  Os fundos partidário e eleitoral (R$ 6 bilhões no total, ou mais de 22 mil Minha Casa, Minha Vida) garantem o financiamento das campanhas, ou seja, o dinheiro público, o nosso dinheiro, fazem a festa dos partidos. A legislação sobre a aplicação do fundos é clara, mas quem não cumpriu as regras pode ganhar perdão   e, assim, a fraude eleitoral, pelo uso irregular dos recursos, é oficializada.

Com isso, aumenta ainda mais o descrédito na política e nos políticos, o que pode ser apontado como a causa de duas anomalias presentes na atual eleição: a alta abstenção e o surgimento de figuras como Pablo Marçal, fazendo o tipo “contra tudo isso que está aí’.

Evidente que existem outras motivações para os dois casos, mas deixo para a colega de página, a cientista social  Elis Radmann, do Instituto Pesquisas de Opinião, avaliar as incidências  com muito mais propriedade do que este bissexto analista.

O  que me desconsola, por um lado, é que Porto Alegre, pela segunda eleição consecutiva, seja a capital campeoníssima em não comparecimento dos eleitores e me conforta, por outro lado, que não tenha surgido aqui nenhum clone do Pablo Marçal buscando espaço na campanha majoritária. Porém, pouco ou nada a comemorar.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Cancelamento reverso

*Publicado nesta  data em Coletiva.net

Woke é um termo da moda surgido na comunidade afro-americana e que originalmente significava estar alerta para a injustiça racial. Depois, tornou-se sinônimo de políticas  liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a ecologia, o direito ao aborto,  entre outros ativismos.  O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra  afrodescendentes. Dessa vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo, chegando mundialmente, com suas bandeiras de luta, a todos os segmentos.

Agora, entretanto, constata-se um forte movimento anti-woke em grandes empresas e manifestações culturais. Gigantes como Ford, Microsoft, Google e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp começam a abandonar as políticas de diversidade. Por aqui, a  John Deere, com sede em Illinois (EUA) e fábrica em Horizontina,  já anunciou   distanciamento de medidas de inclusão e diversidade  Ganha força nos Estados Unidos o abandono da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)  sigla que se traduz pela prática da sustentabilidade no universo corporativo,

Na indústria cultural as reações não são diferentes. As produções de Hollywood, por exemplo, enfrentam uma crise evidente ao priorizar narrativas alinhadas com temas woke., afastando-se daquilo que a média do público busca nos filmes, ou seja, boas histórias e personagens envolventes. Resultado: queda no interesse dos espectadores e no retorno dos bilionários investimentos. Com isso, empresas como a Disney, sempre elogiada por sua adesão à cultura woke, já começam a rever sua estratégia e focar no entretenimento para toda a família.

Matéria da BBC News (“O que é 'woke' e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA?”) é esclarecedora sobre a questão: “Os críticos da cultura ‘woke’ questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser ‘policiais da linguagem’ — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas”.  E acrescenta: “Um método que vem gerando muito mal estar é o ‘cancelamento’,  o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável”.

Só para ilustrar,  numa redação jornalística de Porto Alegre um colunista usou o termo “frescura” em conversa com outro colega, foi denunciado ao setor de Compliance por alguém que ouviu o palavra, teve que se explicar  e acabou recebendo uma advertência . Esse extremismo, primo irmão do politicamente correto, é que está fragilizando o que deveria ser uma prática saudável,  de defesa de boas causas, de tolerância e aceitação do contraditório, mesmo que não haja convergência de posições.  

A resposta dos críticos é uma espécie de cancelamento reverso à cultura woke. Só que essa  resposta no mundo empresarial é determinada mais pela perspectiva de prejuízos nos negócios, do que por ideologia ou crença em valores. Assim como os bancos e o comércio varejista.do Brasil, que clamam por medidas para restringir  as apostas nas bets, não porque estejam preocupados com as finanças dos despossuídos, mas porque a fezinha que eles fazem estaria drenando, em escala,  recursos que seriam das  operações bancárias ou do consumo. Esse pessoal detesta concorrência, ainda mais quando ameaça os lucros deles.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Livros, livros

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Pode ser só impressão minha, mas acredito que nunca se escreveu e se publicou tantos livros como agora, pelo menos por aqui. Tenho frequentado ou agendado pelo menos uma sessão de autógrafos por semana nos últimos tempos. As mais recentes e  presenciais foram do Márcio Pinheiro e seu excepcional “O que não tem censura nem nunca terá – Chico Buarque e a repressão artística durante a ditadura militar”, a do Eduardo Krause, com a reedição de suas crônicas de Ipanema em “A Vaca Nua; do ex-vice prefeito Gustavo Paim, uma oportuna reflexão em “A crise da democracia na era das redes sociais”;  e mais um belo trabalho do fotógrafo Eurico Salis, “Terra Gaúcha – gerações”, com textos de Anilson Costa.

Fiquei devendo e espero me recuperar na Feira do Livro de Porto Alegre, em  outra série de lançamentos,  como de  “A Profreflor,”  o segundo livro de crônicas de Vitor Bertini;  o “Aluno da Tempestade”,  em que Daniel Scola conta sua luta para vencer o câncer:  o livro de poesias “Pequenos Tangos – males do amor”, do ex-patrono da Feira, o prolifico Dilan Camargo;  e o biográfico ‘Breno Caldas: a imprensa e a lenda”, de Tibério Vargas Ramos. A propósito, um spoiler (com o perdão do anglicismo): a obra que  retrata o apogeu, a glória e a falência do império Caldas Junior será o tema do evento que a Associação Riograndense de Imprensa, ARI,  promoverá durante a Feira, dia 17 de novembro.

Já tenho outras agendas obrigatórias na Feira, só aguardando a confirmação das datas. entre elas a sessão de autógrafos do volume dois de” Entre um Gole e Outro – Conversa de Boteco”, reunindo textos dos jornalistas que se encontram todas as quintas-feiras – tô nessa -, faça chuva ou faça sol, no bar do Alemão, também conhecido como Boteco do Alexandre.  Será imperdível também  o lançamento do volume dois de “Entrevistas Póstumas”, que, como no ano passado, marca a presença da  ARI,  na Feira do Livro. São  16 “entrevistas” com autores gaúchos já falecidos, claro, incluindo, entre outros, Jayme Caetano Braum, Lupicínio Rodrigues, Dyonélio Machado, Lila Ripoll, José Lutzenberger, David Coimbra,  Carlos Reverbel, Ibsen Pinheiro.

Igualmente vai para minha agenda na Feira o livro do jornalista Luiz Fernando Aquino “O Campeão da Vida, a história de Régis Junior “,  promissor zagueiro do Caxias que teve sua carreira interrompida após a agressão por um adversário em campo. A sessão de autógrafos será no dia 16 de novembro. Reina grande expectativa também para o lançamento no dia 24 de outubro e sessão de autógrafos  na Feira no dia 12 de novembro. de ”Ruy Carlos Ostermann, um encontro com o professor”,   trabalho de fôlego de Carlos Guimaraes sobre a trajetória do grande comentarista esportivo, que completou 90 anos dia 25.

Tenho que dar um jeito de conseguir duas preciosidades lançadas na 18ª Feira Literária de Viamão, (ah, as feiras do livro!):  “Lutz – As Visões e as Previsões de José Lutzenberger”, projeto coordenado por José Barrionuevo, com textos de Peninha Bueno e Lilian Dreyer, e o “Editor Sem Rosto”, do Elmar Bones, o Bicudo, sobre o legado de Luigi Rossetti, o jornalista italiano à serviço da Revolução Farroupilha. Do Diego Farina, que já andou frequentando a família Dutra, vou atrás de “O Mar Enquanto”, título instigante para seu livro de poesias, que não sei se estará na Praça da Alfândega.

Aguardo informações sobre o lançamento de “Reunião Dançante”, de Zurba Fagundes ou Cesar Garibotti (ele que explique porque  os dois nomes) , obra que tive o prazer de ler numa primeira versão e, depois, o orgulho de ser um dos prefaciadores do livro, que tem como sub título “memórias de um tempo em que não se comia  ninguém”. 

É nessa hora e diante desse quadro alentador que faço questão de recordar o que apregoava o poeta Castro Alves:  “Bendito o que semeia livros/livros  à mancheia/ e manda o povo pensar!” . Por outro lado, já determinei ao meu departamento financeiro  para reservar recursos para os investimentos literários que farei na Feira. Pelo visto, não serão modestos. E, antes que esqueça, a 70º edição da nossa Feira do Livro vai de 1º a 20 de novembro.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Reflexões nada relevantes sobre o processo eleitoral

*Publicação nesta data em Coletiva.net

- Impressionante o que muda a legislação eleitoral, sem que melhore a prática da Política.

- A campanha eleitoral da capital paulista é um mau exemplo disso.

- Alguns partidos me lembram aquele programa "Pequenas Empresas, Grandes Negócios"...
- De novo, temos uma safra ruim de jingles de campanha.
- Se bem que jingle não garante vitória na eleição.
- As velas de propaganda são um novo recurso nas campanhas eleitorais.
- Pro meu gosto, acho legal o colorido nos canteiros das avenidas.
- Só que as vezes penso ter visto candidatos chamados de Borracharia, Pizza a Lenha, Estética, Buffet Livre, Lavagem Automática...
- Outra moda: candidatos anunciando mandatos coletivos. Que confusão deve ser.
- Sou do tempo em que coletivos eram os veículos de transporte público.
- Sem espaço nos programas eleitorais e contando com poucos segundos nos comerciais avulsos, mais do que nunca os candidatos a vereador têm que buscar votos no corpo-a-corpo.
- Vantagem para quem já é conhecido ou já tem mandato.

- E tem candidato a vereador que se não fossem algumas rimas fáceis, não teriam o que dizer.
- Ditado reciclado: mais ansioso que candidato durante a apuração dos votos.
- Pesquisa eleitoral boa é a que tem margem de acerto e não margem de erro.
- E por que todas as pesquisas têm margem de confiança de 95%? É um número cabalístico?
-  Este índice de 95% está mais para desconfiança do eleitor com as pesquisas.

- Qual o instituto que vai errar menos nas pesquisas? Reina grande expectativa.
- Questão interessante: em quem votam os juízes eleitorais?
- Governabilidade, quantas patifarias são cometidas em teu nome.

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Viagens, viajantes e gastronomia

* Publicado nesta data em coletiva.net.

Tenho um certo fascínio por estes programas de tv sobre viagens e turismo. Existem até canais com uma grade totalmente dedicada ao tema, entre eles o Modo Viagem na tv por assinatura. O que me chama a atenção nessas atrações é que invariavelmente dedicam boa parte do tempo da produção à culinária do local visitado. Até parece que o programa é feito por esfomeados. É só conferir, por exemplo, o “Ruas pelo Mundo”, do  viajante  profissional Rodrigo Ruas, que também aproveita as incursões, enquanto degusta uma iguaria nativa qualquer,  para gravar em paralelo outro programa,  “O Mundo é uma Passagem”, com Anne Bueno, a mulher dele. E ela também aprecia uma boa comilança.

O Globo Repórter, que apelidei de Globo CVC Repórter devido a quantidade de viagens empreendidas pela inesquecível Glória Maria, igualmente reservava sempre um segmento do programa a uma mesa farta servida à repórter, seja numa tenda de beduínos no deserto, seja numa cidade de nome e culinária estranhos, lá no círculo ártico. Glória fazia caras e bocas diante do rango oferecido e, invariavelmente, acrescentava um “que delicia!”.

 Em certos casos, a gastronomia se sobrepunha às obrigatórias visitas à locais históricos, às paisagens tidas como de tirar o fôlego, ou às manifestações culturais dos povos visitados. De repente, uma indescritível aurora boreal é sucedida pela degustação de um prato com gosmentos moluscos.

A minha fascinação e eventuais implicâncias por tais programas talvez se deva ao fato de que sou um viajante muito ocasional – fiz minha primeira viagem à Europa só aos 60 anos -  e  sem qualquer propensão a experimentos culinários.  Quase tive engulhos quando assisti num extinto Manhatan Connection, ao apresentador Pedro Andrade descrever os tipos de comidas exóticas que tinha provado – e gostado! ,– nas viagens para seu programa solo, “Pedro Pelo Mundo”.

As viagens televisivas servem para mexer com a imaginação e as papilas gustativas de quem não pode sair mundo a fora, e aí  me incluo na categoria Invejoso Assumido.  Como já revelei,  sou um viajante de modestos roteiros e  absolutamente conservador à mesa, por isso já defini minhas preferências culinárias fora de casa: no Brasil, a inigualável à la minuta e, no exterior, a sempre presente comida italiana, pizzas e massas. Não tem erro, nem programa de viagem na TV que mude meu cardápio.