segunda-feira, 24 de março de 2025

As duas dimensões humanas

*Publicado nesta data em Coletiva.net

O que tem em comum Ronaldo Fenômeno, Didi dos Trapalhões e Regina Cazé? Conforme depoimentos de quem convive com essas celebridades, elas se comportam de um jeito simpático e amigável publicamente, mas longe dos holofotes assumem outro comportamento – são insuportáveis, pra dizer o mínimo, reproduzindo o que se ouve nos testemunhos. 

Esses depoimentos, a maioria disponível em podcasts, comprovam o que canta Caetano Veloso em Vida Profana: “de perto, ninguém é normal”, ou, usando uma corruptela, longe das câmeras ninguém é normal.  É bem verdade que falar mal dos famosos é um esporte nacional e aí entra mais gente na roda, como Antônio Fagundes, Galvão Bueno e até o falecido Ayrton Senna, com suas chatices ou relação conturbada com os fãs, com seus iguais e com assessores. Poderia enumerar muitos exemplos mais, incluindo lideranças políticas que só assumem o figurino de gente boa em período eleitoral.   Porém, todos eles tem que saber que a regra é clara:  quem tem exposição pública não pode se valer disso para destratar aquele que é obrigado a conviver com o famosinho. 

A propósito, lembro que já escrevi sobre um confrade de minhas relações que costuma julgar as pessoas nas dimensões física e  jurídica.  A física diz respeito aos atributos pessoais - caráter, personalidade, atitudes – e a jurídica ao desempenho profissional – competência, entregas, relacionamento funcional, comprometimento.  Assim, não é raro se referir a um conhecido no condicional:

- Na física é uma rica de uma pessoa, mas, na jurídica, um baita incompetente.

Também é recorrente a sentença inversa:

- Na jurídica é um grande profissional, mas, na física um péssimo caráter.

Nesta minha jornada septuagenária   sou tentado a concordar com o confrade, eis que tenho convivido com gente de todas as espécies.  Conheço perfis, especialmente entre as chamadas pessoas públicas, que induzem a grandes enganos com suas atitudes.  Fina flor da meiguice para efeito externo, nas internas são verdadeiros déspotas.  E parece haver uma relação direta entre a ascensão do sujeito e a incivilidade: quanto mais poderosos, mais autocráticos. Os piores são aqueles que recebem um carguinho e acham que são deuses.

- Dá-lhe o látego e conhecerás o tirano, - dizia, algo solene, um diretor de rádio que conheci no passado, ele mesmo um especialista em disseminar o terror entre os seus colaboradores.

O látego, para quem não sabe, é o chicote usado pelo verdugo para flagelar suas vítimas. As vítimas são todos aqueles obrigados a conviver com os opressores de plantão, porque o sujeito mal avaliado na jurídica, mas de boa índole, ainda passa, porém, o contrário não é verdade. Do jeito que vai, daqui a pouco seremos obrigados a imitar Diógenes, que saia as ruas na Grécia antiga carregando uma lamparina, alegando que estava a procurar um homem honesto e íntegro.  Detalhe: o filosofo era conhecido como Diógenes, o Cínico, o que deve significar alguma coisa sobre o caráter dele.

Na verdade, Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural, dessa simplicidade e espontaneidade de que são feitas as pessoas do bem, que prescindem do látego porque são integras na física e na jurídica. Se me pedirem nomes dos outros, nem com látego revelo.


segunda-feira, 17 de março de 2025

Recado ao meu cardiologista

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Há mais de 15 anos consulto com o mesmo cardiologistas, que me faz as mesmas recomendações, pede os mesmos exames, receita os mesmos remédios e insiste, em todas as revisões, em saber a causa de uma arritmia que o eletrocardiograma  de repouso sempre revela. Como se sabe, a arritmia cardíaca é a alteração no ritmo e/ou frequência dos batimentos do coração. Porém, não sei como o médico consegue entender, no meio daquele sobe e desce de linhas, que há uma inconformidade coronária que precisa ser investigada e, quem sabe, enfrentada com rigoroso tratamento. De imediato, com ar grave, laudo na mão, ele indica a necessidade de mais exames e lá vou eu para mais uma maratona laboratorial.

Menos mal que nas primeiras baterias os resultados são sempre os mesmos, com percentuais que oscilam um pouco abaixo, um pouco acima dos índices de referência para cada pesquisa. Faço esses exames há tanto tempo que aprendi a  interpretar, minimamente, os resultados, exceto o do tal eletro.

A  maratona investigativa da minha saúde inclui,  ainda, aquela abominável esteira, que começa leve e vai acelerando até eu pedir trégua, o que me mantém, mais uma vez, na segunda divisão entre os praticantes do equipamento. Até deveria resistir mais, afinal, sou um dedicado caminhante matinal, de 30 a 40 minutos em passo firme, todo os dias,  mas nada que me credencie para exigências maiores em termos de corridas. Cedo da manhã,  disputo espaço nas ruas do bairro com os sonolentos  estudantes do primeiro turno escolar e com o pessoal que leva a cachorrada para passear. E como tem cachorro no meu caminho!  

Terminada a revisão, saio da última consulta sem atingir meu objetivo de, pelo menos, reduzir o número de medicamentos do cardápio diário de um setentão. Hoje são cinco para variadas finalidades. Ainda bem que nenhuma nova droga foi acrescida aos gastos com que, todos os meses, contribuo para a expansão das redes de farmácias nas esquinas da cidade. E também fico sem saber qual a origem da arritmia que preocupa mais o médico que a mim, e que enseja um recado ao diligente profissional: Caro doutor, pare de perseguir minha arritmia. Ela já está aquerenciada no meu coraçãozinho e só se manifesta pra valer diante da intensidade do cotidiano ou frente a uma representante do segmento das caldáveis, duas situações cada vez menos presentes na minha vida. Grato pela atenção e até a próxima revisão. Seu (im)paciente, Flávio Dutra.


REFLEXÕES LIGEIRAS PARA UMA SEGUNDA- FEIRA

1.Como é melancólica uma segunda-feira pós Grenal para quem perde o título!

1.1.Apenas 40% dos gaúchos está feliz hoje.

2.  Preteou o olho da gateada para os azuis?

2.1. Ou, em termos politicamente corretos: Ausentou-se a cor dos olhos dos felinos?

3.Só aceito esta adesão tupiniquim ao St. Patrick Day porque é uma celebração à cerveja.

3.1. Mas brindar com cerveja tingida de verde é de última. 

4. Cada vez que ouço um pronunciamento em russo ou em ucraniano, parece que estão xingando alguém. E na maioria das vezes, estão mesmo.

5. Tempos do politicamente correto: tem confeitaria oferecendo a torta Negra Maluca como torta Afrodescendente Desvairada.

6. Da série Corrigindo Provérbios: Quem espera...fica de saco cheio.

7. .Afirmação peremptória de um repórter investigativo: “De perto ninguém resiste a uma investigação. Nem eu.”

7.1. Me incluam fora dessa.

8. Contagem regressiva: quanto falta para terminar o BBB?

9. Nunca é demais lembrar: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. (Umberto Eco). 

9. Mercham da casa: hoje, na coluna semanal em Coletiva.net, Recado ao meu cardiologista.

10. E antes que eu esqueça: o Grenal é o ópio do torcedor gaúcho.



sexta-feira, 14 de março de 2025

REFLEXÕES EM TEMPO DE FESTA NO CAMPO E NO SAMBÓDROMO

1.Só o Inter tira o Gauchão do Inter.

2.Ao Tricolor só resta uma alternativa: ganhar o Grenal e perder o Gauchão com .dignidade, 

3.Gauchão sem mimimi não é Gauchão!. Este então!

4.Mais mimimi só após os discursos de Lula.

5.Dúvida pertinente: O Inter vai comemorar na Goethe?

6.Grêmio, mas pode chamar de Sofrimento e Emoção.

7.Ouvido na postagem ao lado, com um pouco de exagero: “Este é o pior e mais sortudo Grêmio de todos os tempos”.

8.No último clássico, o Imortal  entregou o meio-campo, as laterais, a bola, o jogo e o resultado.

9.Na real, o Grenal mostrou a incompetência do Inter. Podia golear e fez um minguado 2 x 0.

10.Da série sou do tempo...em  que os grenais eram apitados pelo trio ABC: Agomar, Barreto e Cavalheiro.

11.Bah, faz tempo!

12.Vem aí o Carnaval de Porto Alegre. Mais um pouco e vira Carnaval Farroupilha

13.Da postagem alheia: “Lula pensa, erradamente, que o marketing vai substituir a ausência de governo”, (Eduardo Cunha, sim, ele mesmo)

14.Da postagem alheia 2: “Saudade dos anos 90. O russo (Yeltsin) só pensava em beber e o americano (Clinton) só pensava em mulher.”

15.1As maravilhas da Suíça, nesta sexta-feira, no...

16.Que chatice estas redes sociais. A gente nem consegue mais falar mal dos outros que logo tem contestação...

17.Por um Carnaval animado no Porto Seco e um Grenal sem rolos, roguemos fervorosamente. 


segunda-feira, 10 de março de 2025

Nossa histórica vocação para vice

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Dentro de mais alguns meses começa pra valer a campanha eleitoral para os governos estaduais e a presidência da República. Antes mesmo da definição de nomes, se valer o histórico recente, já dá pra afirmar que não haverá gaúchos na primeira posição das chapas  presidenciais. A não ser que o postulante Eduardo Leite supere essa barreira, nossa vocação  para o poder, nas últimas décadas,  nos reserva apenas  o cargo de vice, nas candidaturas e nos governos. Período ditatorial à parte, a série começou com João Goulart, vice de JK e de Jânio, que acabou assumindo na renúncia do último. 

Mesmo nos governos militares, com três gaúchos na presidência, o general Adalberto Pereira dos Santos foi vice de outro riograndense, o general Ernesto Geisel. Era o tempo em que o colégio eleitoral passava pelos generais de quatro estrelas. 

Na redemocratização não faltaram candidatos gaúchos a vice em chapas à direita, à esquerda e ao centro. 

Luciana Genro foi exceção, disputando a presidência pelo PSOL em 2014. Ficou em quarto lugar. No mesmo ano, Beto Albuquerque foi escolhido para vice na chapa de Marina Silva  com a morte de Eduardo Campos. A dobradinha entrou em terceiro

Nada supera, porém, a eleição de 2018 na presença de vices gaúchos nas chapas à presidência. Das 13 candidaturas à época, cinco tinham vices daqui e um deles até foi bem sucedido, o Mourão, companheiro de chapa de Bolsonaro. Manuela, vice de Haddad, pelo menos foi para o segundo turno. Ficaram pelo caminho Ana Amélia, da chapa de Alckimin, Rigotto, de Meirelles e até o desconhecido Léo da Silva Alves, vice de João Goulart Filho, candidato à presidência por um certo PPL. Ah, teve o eterno José Maria Eymael, “um democrata cristão”, porto-alegrense, que foi candidato pela quinta vez à presidência. Pela insistência, fica o registro.

Dois outros registros importantes: em 2006, Rigotto tentou viabilizar sua candidatura presidencial pelo então PMDB, mas acabou perdendo a indicação para Garotinho, assim como Eduardo Leite foi preterido por João Doria na disputa pela cabeça de chapa do PSDB na eleição de 2022. Os dois casos vêm a confirmar que o teto dos políticos gaúchos não é a primeira posição.

Esse levantamento mostra, ainda, que não é de hoje que o Rio Grande vem perdendo espaço nos círculos de decisão do poder central. Atualmente, na Câmara e no Senado nenhum gaúcho preside comissões importantes, as presidências das casas nem pensar e o único ministro daqui, Paulo Pimenta, foi defenestrado por Lula, trocado por um Sidônio qualquer. Tudo isso mostra fundamentalmente que a maior crise que afeta o nosso estado é de lideranças, o que acaba impactando no desenvolvimento da região. Eis uma questão que certamente precisa ser mais aprofundada. Por ora, vale registrar a mais recente pesquisa da Genial/Quaest, que, mesmo apresentando o governo e o governador Leite como bem avaliados, aponta que apenas 32% dos gaúchos pesquisados dizem que o Estado está melhorando, contra 52% que avaliam que o Rio Grande está parado e 15% têm a percepção que está piorando. 

Resta torcer e trabalhar para que a próxima eleição seja o marco zero para a mudança que o Rio Grande amado tanto necessita.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Levando sustos no trânsito

*Publicado nesta data em Coletiva.net

Meu bom amigo Ricardo Azeredo, atento repórter e competente produtor televisivo, fez uma interessante análise dos tipos que dominam nosso trânsito nas ruas e estradas. Segundo o Azeredo, e eu concordo com ele, o trânsito seria um lugar bem menos estressante não fossem os malas do volante. Seguem alguns exemplos: 

. o Empacado do semáforo:  abre o verde e o cara não sai do lugar, segurando todo mundo; metade dos que estão atrás fica presa no próximo vermelho; 

. o Cágado: jura que está sozinho no mundo e fica nos 30, 40km/h nas vias expressas, ignorando o fluxo e travando todo o tráfego;

. o Iluminado: fica de farol alto o tempo todo, e não tá nem aí para os outros, ofuscando quem vem em sentido contrário e "incendiando" os retrovisores de quem está à sua frente;   

. o Atravessado: o apressadinho que ingressa na pista vindo de alguma transversal, se metendo bruscamente na tua frente para, em seguida, se manter nos 20 km/h;  

. o Nervosão: vem a mil e cola na tua traseira, exigindo passagem, quase te empurrando;

Tenho sido mais vítima do que agente, entre os personagens elencados pelo Azeredo. Reconheço que não sou dos motoristas mais exemplares, mas isso não autoriza o assédio  - agressividade até - que venho sofrendo de um tipo que mereceria estar na galeria do meu amigo: o Buzinador Raivoso. Qualquer barbeiragem, por mínima que seja, e ele esquece a mão na buzina, como se protestasse sonoramente contra um oponente na via. Tenho levado cada susto! 

Os buzinadores raivosos geralmente são homens e proprietários de carrões ou daqueles caminhonetões que ocupam duas vagas nos estacionamentos. A buzinada estridente e insistente ainda é acompanhada de um olhar raivoso quando os dois carros emparelham. Fico com vontade de revidar, mandando socar a buzina naquele lugar, mas me contenho porque sou da paz e também porque os caras parecem ser dos tipos jovens e bombados. Num eventual enfrentamento eu ficaria em nítida desvantagem. 

Só me ocorre lembrar aquela máxima popular de que carro grande, pela lei da compensação, é igual a dono de pinto pequeno, e aproveito para acrescentar que muita buzinação é outra forma de compensação, no caso para o mau desempenho com suas parcerias na hora do bem bom,



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A felizarda geração dos 35 em diante #sqn

* Publicado nesta data em Coletiva.net

Outro dia assisti a um vídeo no Tik Tok  em que um sujeito discorria animadamente sobre as vantagens da geração de 35 anos em diante, segundo ele a galera mais felizarda (ele usou um palavrão que também começa com f) que já existiu. “Somos velhos  e modernos ao mesmo tempo”, apregoou. E saiu a comprovar o que afirmava, sempre no plural:

- nós usamos ficha telefônica, cartão telefônico e chegamos a era do celular;

- nos formamos em datilografia e sabemos mexer em computadores e  smartphones;

-  somos do tempo em que uma linha telefônica valia o preço de uma casa e hoje ninguém mais tem telefone fixo em casa;

- alugávamos fita em VHS em locadoras dois anos depois dos filmes serem lançados e agora em um mês o filme já está no streaming;

- gravávamos em fita cassete as músicas que gostávamos e hoje temos o spotify a um clique nosso;

“Somos f....Nós somos uma edição limitada, nos valorizem”,  conclui o entusiasta do Tik Tok.

Olha, não é bem assim e posso dizer, do alto dos meus 7.5, que tenho lugar de fala neste caso. Sinceramente, não vejo grandes vantagens nessas modernidades, a não ser para passar vergonha e pagar mico por inaptidão sobre o funcionamento da maioria das soluções oferecidas.  Quando constato que minha neta de seis anos domina o celular com muito mais agilidade do que eu; quando tento usar as múltiplas funções do relógio tecnológico que ganhei de aniversário e só consigo conferir as horas; quando o computador do carro,  no meu caso  só serve para sintonizar as rádios - para usar três de muitos exemplos -  tenho sérias dúvidas se sou um felizardo na transição do analógico para o digital.  Na realidade, virei apenas um nomofóbico, ou celular dependente, e assim mesmo sem usar todo o potencial do telemóvel.

Pra ser sincero novamente, trocaria todas essas modernidades tecnológicas por fichas telefônicas, máquina de escrever, telefone de disco, filme em VHS e fita cassete se isso representasse também uma redução de idade para 35 e menos.  

*Valeu Caldana


terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Modismos gaúchos

*Publicado em Coletiva.net em 11/02/2025

O gaúcho em geral e o porto-alegrense em especial adoram um modismo.  Talvez para compensar o nosso provincianismo atávico, adotamos qualquer novidade que vem de fora e se for no segmento da gastronomia, mais ainda.

Lembro até hoje de conhecidos que residiam em Caxias do Sul e formavam caravanas à Porto Alegre só para saborear um McDonald qualquer, quando a rede aqui instalou sua primeira unidade. Quase romperam relações comigo quando revelei que havia frequentado, numa viagem aos EUA,  lojas do MacDonald cuja higiene deixava a desejar e uma outra em que chovia dentro e as goteiras eram recepcionadas por prosaicos baldes, como nas chuvaradas tupiniquins.  

Nem preciso voltar muito no tempo para outro exemplo. Há uns cinco anos, a rede Starbucks instalou num shopping sua primeira loja na Capital e flagrei, em passagem pelo local, uma fila de boas proporções à espera do atendimento. O principal produto é o café, que pode ser encontrado no mesmo shopping em outras locais, tão ou mais saborosos que o da empresa dos EUA e certamente mais baratos. Mas a fila era no café com a grife americana. Vale destacar que o anúncio da instalação da Starbucks ocorreu no Paço Municipal, com a presença do prefeito, secretários e imprensa. Foi, portanto, um autêntico evento, do qual fui testemunha ocular e auditiva. 

Já vivemos a febre das pizzarias, que ainda resistem entre os jovens e as famílias mais numerosas devido aos rodízios abundantes a preços acessíveis e suas abomináveis pizzas doces. Vivi para ver a onda dos sushis e temakes, que conseguiram repartir cardápios com pouco respeitáveis churrascarias. Sim, esse crime de lesa gauchismo existiu, com direito a letreiros anunciando a “atração” gastronômica. 

Agora o espaço novidadeiro é ocupado pelas hamburguerias e mais os bistrôs e as cafeterias que servem até café, sem contar o tal açaí na tigela. Qualquer porta de garagem vira bistrô.   Enquanto isso, minguam as churrascarias, que devem ficar mais proibitivas pelo preço da carne lá nas alturas. 

Para não me acusarem de excesso de rabugice contra as invencionices culinárias, chamo a atenção para a nova onda: as baber shops, que pululam pela cidade, substituindo o bom e tradicional barbeiro de fim de linha. Já nem falo da inflação de farmácias, comandada pelas duas principais redes, mas aí penso que o caso tem mais a ver com a vocação brasileira para a hipocondria do com as necessidades de saúde da população.

Veio também a onda dos atacarejos, incluindo a invasão de redes de outros estados, todas berrando suas ofertas na TV.  Deve ser tendência de mercado, dirão os especialistas. Porém, não dá para esquecer a  receptividade cada vez maior aos importados  Halloween, que levo livre porque fazem a alegria da criançada, e ao Dia de São Patrício, que abomino por causa da sua intragável cerveja verde. A propósito, me recuso a comprar em loja que anuncia liquidação como “sale”.

Só o que me consola é que observo uma tímida, mas crescente disseminação pela cidade dos botecos, com seus chopps bem tirados, seus acepipes fritos e ambiente barulhento, mas acolhedor, mesmo que o atendimento seja um tanto distraído, como em uns e outros que frequento.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Me incluam fora dessas

* Publicada nesta data em Coletiva.net

Sabe aquele evento com mídia bombando, cheio de atrações de peso e que as pessoas fazem fila para entrar e tem até quem vare a noite para ficar entre os primeirões? Me incluam fora deles. São verdadeiras indiadas – com o perdão dos povos originários  – para um cidadão de hábitos moderados e avesso ao efeito boiada, como este que vos fala.

Não me tomem por ermitão, pois até confesso que fico com uma certa inveja de quem tem disposição e energia para encarar um Planeta Atlântida e suas atrações, a maioria das quais desconheço.  Ou um Rock in Rio com sua dimensão internacional, na mesma medida de todas as dificuldades a serem enfrentadas na ex-Cidade Maravilhosa. Fico pasmo cada vez que vejo aquelas multidões acorrendo ao réveillon em Copacabana, acampadas a léguas de distâncias do palco, envolvidas em suas muvucas e revelando, com uma pontinha de orgulho e variados sotaques, de onde vieram e do que se alimentam. 

Por dever de ofício, muito frequentei o nosso Carnaval no Porto Seco. Até gostava no início dos desfiles, mas lá pela terceira escola (e falo do Grupo Especial), já madrugada alta, a gente se dá conta de que ainda está na metade da folia e tem muito  baticumbum pela frente.  Como jornalista, por razões profissionais e depois como torcedor por adesão clubística, enfrentei aglomerações de todos os tamanhos nos estádios.  Pior do que a chegada, era a saída e como a paciência não é o meu forte, prefiro agora o conforto – e sofrer com meu time - bem acomodado no sofá, com a vantagem de que em casa a cerveja é liberada e o banheiro é limpo,

Claro que tem situações bem piores do que essas, como fila de espera em restaurante no Dias das Mães, idem  por  vaga em motel no Dia dos Namorados, congestionamento nas estradas rumo ao litoral, fila em sessão de autógrafos, formatura de curso de Direito e chatos de boteco.

Tem também aqueles atropelos em dias de liquidações, que o comércio brasileiro importou dos EUA – ou será do Japão? É um comportamento que depõe contra o gênero humano. Empurra daqui, empurra dali, parece um arrastão e, de repente,  se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma de infinitas polegadas, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos num Golzinho antigo e quadrado. E é sempre a mesma coisa.

Nessa cruzada civilizatória, fiz um pacto comigo mesmo: chatices em geral e efeito boiada nunca mais. 


segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Fernanda Torres e o preço da fama

*Publicado nesta data em Coletiva.net

A mídia se vale com frequência de porta-vozes da sociedade para temas da hora. Recorrem a personalidades que possam defender uma bandeira, de preferência  que esteja sintonizada com a linha editorial do veículo, ou que tenham uma opinião que chame a atenção pelo ineditismo ou mesmo pela ênfase dada à sentença. 

A bola da vez para este papel é de Fernando Torres, colocada no Olimpo do Oráculo graças a premiação no Globo de Ouro pela sua interpretação em Ainda Estou Aqui e agora, mais ainda, pela indicação ao Oscar.  Em comerciais, nas entrevistas ou nas entre aspas da mídia, com ar mais ou menos grave, ela aparece opinando sobre tudo e sobre todos, rivalizando na ocupação de espaços com Gilmar Mendes e o Papa Francisco, com a vantagem que tem mais charme que o opiniático ministro do STF, mas sem a autoridade divinamente concedida ao Sumo Pontífice. 

Também nesse papel, Fernanda é a legítima sucessora de sua mãe, Fernanda Montenegro, que nos brindou com variadas opiniões e diferentes conceitos, quando foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e, antes, quando concorreu ao Oscar.  Diga o que disserem, ambas ganharam uma dimensão tal que foram ungidas pelos deuses da verdade, da mesma forma que Caetano e Gil, com suas baianidades e um toque holístico em se tratando de Gil, quando externam suas posições, algumas beirando o banal. 

Só que essa exposição demasiada não chega a ser uma benesse, mas pode ser uma armadilha, um gol contra. Num país de extremismos ideológicos e posições polarizadas, qualquer declaração é interpretada pelos antagonistas como lhes convém. Para ilustrar, vale o exemplo da Fernanda Torres, que durante a pandemia, escreveu num artigo para jornal: “Torço para que o centro ressurja dessa emergência. E que o coronavírus, a exemplo da peste negra na Europa do século 14, venha abreviar o obscurantismo medieval travestido de liberal em que nos metemos”.  A declaração foi interpretada e viralizada nas redes sociais como se Fernanda tivesse dito  não se importar com as vítimas fatais do coronavírus, se com isso o mandato do presidente Jair Bolsonaro fosse abreviado! Vale como ressalva que talvez – olha o cuidado que estou tendo! -  o texto original tenha dado margem, ou cutucado para a falsa interpretação. Ossos do ofício, preço da fama? Pode ser.  

Mas já tem postagem nova e duvidosa envolvendo a atriz, agora defendendo regimes autoritários: “A gente está vivendo um momento diatópico do mundo, né? Um momento apocalítico, de muito medo e acho que quando isso acontece, a ideia de um governo autoritário, como um pai autoritário – que talvez possa por ordem na casa- cresce”.  Fernanda, assim, revelaria que não tem apreço pela democracia, já acusam seus detratores, enquanto até agora não veio desmentido, nem outra versão para a declaração.

A verdade é que nada disso ofusca o brilho das conquistas da atriz, mesmo que as interpretações maliciosas, fakes, equivocadas que sejam, das suas declarações cresçam na medida do sucesso alcançado, mas também da exposição a que é submetida – ou se submete – por se posicionar sobre tudo e sobre todos.