domingo, 10 de junho de 2018

O misterioso KA

A  rua Osmar Meletti, onde moro há mais de 35 anos no bairro Espírito Santo, é uma via sem saída, de um lado cinco casas e do outro a praça Lagos, que deve ser uma homenagem à capital da Nigéria.  A morada dos Dutra é  a última da rua, em frente a um largo que serve de espaço para o estacionamento de um bom número de carros, especialmente  quando recebemos visitantes para o churrasco dominical.  Quando  nos mudamos era a rua 8 da Vila Esplanada, mas achava de péssimo gosto morar numa rua com nome de número, por isso consegui por meio de meu irmão Luiz Vicente, então vereador, homenagear meu ex-colega de rádio Guaíba, recém falecido, com o nome da charmosa rua.

Nada de mais acontece na Osmar Meleti, sumiram até  os maconheiros que se reuniam todas as noites sobre a figueira na calçada da praça e garantiam, pela presença ostensiva, uma boa segurança ao local.  Hoje, a movimentação se resume ao caminhão do lixo e ao segurança com sua moto, cada vez menos  frequente nas suas rondas, além é claro do entra e sai dos poucos moradores.

Essa monotonia tem sido quebrada de um  tempo para cá pela presença de um misterioso automóvel KA.  Cinza perolizado, modelo dos antigos, tipo Kinderovo, o pequeno carro não tem hora para estacionar junto aos  três pinheiros  que  fazem as  vezes de portal para a praça. Num fim de tarde, em dia de semana,  penso ter visto um rapaz rondando o veículo e se esgueirando para o matagal da área verde. Outra vez acredito que era uma moça, vestindo calça jeans e camiseta, a figura  que saiu da porta do motorista, deu volta no carro pela traseira e retornou pelo lado do  carona. Mas foi só essa a exposição que tiveram aqueles que, por minhas observações, concluí  tratar-se de um casal nos moldes tradicionais, ou seja, homem  e mulher. Um misterioso casal, que escolheu meu canto no mundo para seu relacionamento quase diário.

O que fazem quando estão juntos, compartilhando o exíguo espaço do KA por mais de hora? Deduzi, pelas sacudidelas frenéticas do carro, em outra observação do alto da minha janela, que a dupla estava se exercitando sexualmente. E exercitando é uma definição adequada para o evento, na opinião abalizada de quem adquiriu alguma experiência nessa prática em Fucas, o avô dos Kas no ítem desconforto. Só que isso foi no passado e em locais que hoje até forças de segurança frequentam  com o devido cuidado. Os tempos mudaram desde então e os motéis se disseminaram pela cidade, não havendo, portanto, razão conhecida para encontros tão insólitos e em ambientes tão naturais.  

Por que o casal do KA insiste em desafiar as convenções e em agir assim? Que são eles? De  onde vem? A relação implica infidelidade? De  qual dos  parceiros? A escolha do local e a forma como transam é uma espécie de fetiche?

Faço esses questionamentos cada vez que observo o KA estacionado e imagino o casal, digamos, interagindo corporalmente. Até pensei em abordar a dupla e tentar descobrir o mistério que  envolve a presença dela, com tanta frequência,  junto a minha morada. Desisti, porém, da abordagem,  um tanto por  respeito à privacidade que todos os amantes merecem e outro tanto para não me privar de exercitar a ficção que a presença deles está me proporcionando.

Na verdade, preciso confessar que ajo assim como um tributo ao amor, transgressor que seja. Não parece, mas lá  no fundo sou um romântico.

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