quarta-feira, 13 de junho de 2018

Anotações da Copa de 94


Texto resgatado e atualizado a partir do original publicado em 28/06/2012. A propósito, vai ter Copa novamente nos EUA.

O repórter de campo anuncia no meio do jogo Grêmio x Flamengo, naquele 24 de junho de 2012:

- Vai entrar Matheus. Ele é filho de Bebeto e era o recém nascido saudado no gesto do “nana, nenê” pelo pai,  no jogo contra a Holanda na Copa de  94.

A informação foi suficiente para  voltar  no tempo e avivar minha memória, eu que era um dos tantos brasileiros presentes no velho estádio Cotton Bowl, de Dallas, e me vi torcendo descaradamente pela seleção do Parreira, contrariando minha índole de cronista esportivo sempre tão contido. Estava a serviço, pela Rádio Gaúcha,  e o jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final,  foi um dos dois únicos a que assisti ao vivo, em estádio em uma Copa, e que jogo! – o outro foi Arábia Saudita x Suécia, no mesmo Cotton Bowl, com Renato Marsiglia no apito.

1994: depois de coordenar quatro copas do mundo na retaguarda fui finalmente escalado para a Copa dos Estados Unidos.  Quase não cheguei lá.  No voo intercontinental , ainda no tempo da saudosa Varig, Varig, Varig tive uma  queda de pressão tão forte que pensei que ia retornar  ao Brasil num pijama de madeira, encoberto pelo pavilhão nacional e da RBS. Em frações de segundos passou o filme da minha vida e eu me desesperei só de pensar que não veria mais meus filhos.  O atendimento dos comissários, entretanto, foi eficiente e eu ainda contei com a assistência de uma verdadeira junta médica, um grupo de profissionais paulistas reunidos a bordo rumo a um congresso nos EUA.  Logo me recuperei, mas o companheiro de viagem e de uma jornada de 52 dias em Dallas não sossegou. A cada movimento meu, nos desconfortáveis bancos da classe econômica, o engenheiro Gilberto Kussler tinha um  sobressalto.  Mas sobrevivemos os dois.

Durante a Copa, convivendo a toda hora no nosso estúdio do Centro Internacional de Radiodifusão, em  Dallas , o nosso Giba, gringão de Casca, profissional dos bons, tanto assim que hoje presta serviços a rede Globo de rádios,  tinha, porém, momentos de rabugice especialmente quando eu escapava para fumar.  Mas quando os trabalhos se encerravam lá pelas 10 da noite,  era um grande parceiro para jantar e tomar uma cervejinha.

Numa dessas incursões noturnas descobrimos o London, London ,um restaurante ao lado do nosso hotel com uma comida maravilhosa, cerveja sempre gelada e atendimento atencioso.  Atencioso até demais, eu diria.  Já na primeira noite, o garçom perguntou se gostaríamos de ficar num lugar mais reservado. Recusamos a oferta e tratamos de comer, beber e, cansados da longa jornada, nos recolhemos logo ao hotel.  No segundo dia, voltamos ao restaurante e foi aí que notamos a estranha movimentação de casais do mesmo sexo nas mesas. Homem com homem, mulher com mulher em discretas mas intensas confraternizações.  A essa altura o garçom já estava imaginando que o alemão Kussler e eu formávamos mais um casal gay. A verdade é que a comida e a bebida do London, London caíram no nosso gosto e, até pela conveniência  e pelo preço da refeição, continuamos a frequentar o local, se bem que evitávamos manifestações mais expansivas, mantendo sempre uma postura circunspecta, como convinha.

Nosso hotel era o Melrose,  uma construção vitoriana na entrada do bairro que lhe empresta o nome. O bairro de Melrose é uma espécie de mistura de Cidade Baixa com Bom Fim de antigamente, zona boêmia de Dallas, de muita diversidade em todos os sentidos.  O hotel tinha um dos melhores bares do gênero em todos os EUA, frequentado pela fina flor de Dallas, mas nas sextas e sábados transformava-se num treme-treme pelas festas particulares e de empresas, que bloqueavam um andar inteiro para os executivos e suas acompanhantes.  Se aqueles corredores, elevadores e quartos falassem...

Minhas reminiscências daquela Copa   da estada no Texas me obrigam a voltar ao jogo Brasil x Holanda para afirmar, sem dúvida, que o juiz da Costa Rica garfeou o time laranja, não marcando pênalti de concurso do Mauro Silva.  Na real, seria uma injustiça perder aquele jogo épico, depois dos belos gols de Romário, Bebeto – o gol da cena do “nana,nenê” – e daquela falta cobrada pelo Branco, um canhonaço que garantiu a vitória.

À noite, as ruas centrais de Dallas foram invadidas por torcedores do Brasil e da Holanda,  estes com suas lindas loiras e homens de cabeleiras laranjas, numa saudável confraternização, regada a muita cerveja.

Hoje, passadas cinco Copas, pergunto  quantos estádios os Estados Unidos construíram para o mundial de 94? Depois da hesitação do interlocutor, respondo: Nenhum! Os americanos deram um trato em seus velhos estádios, adaptaram para o futebol os campos destinados a outros esportes, enveloparam antigas instalações e a sempre exigente FIFA não chiou na época, aceitando tudo em nome da abertura de um novo e promissor mercado para o futebol.

Em compensação, os aeroportos, a hotelaria, os outros serviços dos EUA...

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