sexta-feira, 17 de abril de 2015

O dono da rua

- Doutor,  tenho visto cada coisa neste Centro!

A afirmação é do Tonhão, guardador de carros numa das mais movimentadas ruas do Centro Histórico de Porto Alegre. Classificá-lo apenas como guardador é desqualifica-lo como cidadão e profissional,  porque Tonhão é de absoluta confiança, aceita fiado e qualquer moeda é dinheiro para ele. É um prestador de serviços e a verdadeira autoridade no território sob sua responsabilidade. Afinal, ali é também sua residência numa meia água de papelão sob a marquise de um prédio publico.

Tonhão é um conservador quanto aos costumes, tanto assim que não se conforma com as liberalidades  que a sociedade já aceita e torce o nariz cada vez que vê duas mocinhas  transitando de mãos dadas ou se acariciando nos bancos da praça ali adiante.

- Um desperdício, doutor.  Umas gurias bunitas ficam de agarração.  Se fossem minhas filhas dava uma camaçada de pau, apela.

Se forem rapazes, o veredito também é grave:  "Estes estrupícios ficam aí se beijando. Homi que é homi não beija outro na boca. Uma nojera!"

Mulato atarracado, com uma idade incerta entre os 30 e os 40 anos, fruto dos maltratos da vida errante,  ele desconversa quando se tenta descobrir como foi parar ali, qual sua origem, se tem família ou  alguém a espera que volte para casa.

- Meu mundo é aqui. Ninguém pra me mandar. Doutor,  aqui sou feliz.
Pois outro dia, ele fez valer sua autoridade diante de uma alteração da ordem pública. Foi assim: estudante, aparentando cerca de 30 anos, na saída do restaurante foi atacada pelas costas por outra com roupa de ginástica. Puxão de cabelo, unhadas, tapas e arranhões feito duas loucas. Chegaram a rolar calçada abaixo, cada uma com um chumaço de cabelo da outra na mão. É claaaaaaaro que tinha homem por trás da disputa: 
- Sua vagabunda,  gritava uma...
- Vagabunda é tu, vocês só estão juntos porque eu toquei ele pra fora de casa, retrucava a outra. 
A fúria era tanta que ninguém ousava se meter. Nem homem. Até que o Tonhão resolveu agir e finalmente apartou:
- Agora chega, suas cachorra.. Vamu liberá a calçada!
Foi aplaudidíssimo e ao final da intervenção, sentenciou:
- Doutor, tenho visto cada coisa neste Centro...
* Tanks a Cristina Lac Rohe



Nenhum comentário:

Postar um comentário