sábado, 3 de maio de 2014

Exigências de um cantor das multidões

Fim de carreira na classe artística é dureza.  Que o diga aquele cantor das multidões no século passado que foi  contratado para abrilhantar, nos dias atuais, um festival em Porto Alegre.  O show seria o ponto alto do festival, eis que os organizadores acreditavam que o veterano intérprete ainda tinha um público cativo – o que era verdade.

Foi então que começaram as surpresas, a primeira delas uma exigência incompreensível para os tempos atuais, feita pela sua empresária – ela ainda mais antiga do que ele.  A empresária bateu pé:  o cantante só viajaria se fosse de primeira classe. Foi preciso muita explicação para a senhorinha entender que primeira  classe em voos nacionais era coisa do tempo da Panair.
Aí veio a segunda exigência: hospedagem em hotel que tivesse bidê no banheiro do apartamento.  Com muita pesquisa, a produção encontrou um hotel que oferecia o equipamento onde o artista poderia refestelar e refrescar  suas já flácidas nádegas.  Não satisfeito com a escolha, cantor e empresária questionaram se o “tradicional hotel Majestic” não contava com os tais bidês.  Foi mais uma batalha verbal de explicações sobre o futuro do Majestic,  hoje Casa de Cultura Mário Quintana e diante disso a dupla perguntou sobre outro ícone hoteleiro da cidade: “E que tal o Grande Hotel, na Praça da Alfândega?”.
Não pararam aí os pedidos pra lá de estranhos. O cantor queria saber se poderia “visitar a casa da  Marli”, após o  seu show. Para quem não sabe,  em décadas passadas Marli seria o que  hoje é a Tia Carmem, mas bota passado nisso.  O que restou como lembrança das sacanagens daqueles tempos foi o batismo popular ao viaduto que fica nas proximidades de onde funcionou a famosa “casa de tolerância”, como se dizia então, na confluência das avenidas Borges de Medeiros e José de Alencar, no Menino Deus. O nome oficial do viaduto é Dom Pedro,  não sei se primeiro ou segundo, o que não vem ao caso.
Diante da negativa, o veterano  se propôs, generoso,  a dar uma canja no Maipu ou na  American Boite, “ que fica ali naquela simpática Voluntários da Pátria, se não me engano”, argumentou, para acrescentar em seguida: “Posso ir até de bonde!”.
Os pedidos e as observações do visitante quase se levaram à loucura as moças da produção, mas a verdade é que o show foi  um sucesso, a comprovar que o cantor que tinha mesmo um público fiel e saudoso do seu talento.
 

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