A fauna humana passa pelo calçadão de Ipanema. Podem me incluir, eu que frequento aquele
espaço quatro ou cinco vezes por semana no horário destinado à terceira idade,
ou seja, nas primeiras horas da manhã.
Nos 40 minutos que deambulo por ali conheço praticamente todos os parceiros
de caminhada e corrida, incluindo o vice-prefeito Sebastião Melo, com seu andar
desengonçado, precedido sempre da esposa Valéria, ela uma corredora de valor.
De resto,
posso cronometrar o horário em que cruzo com o ex-comandante da Brigada Militar
e sua esposa, com aquele trio de
senhoras que formam uma escadinha e conversam
animadamente, com aqueles irmãos que vem tangendo um bando
de cachorros, com o casal impecável em seus abrigos e que aparentemente passam
a caminhada resolvendo problemas profissionais e com o abobado do calçadão, que
cumprimenta a todos e a todas. E tem os
veteranos que querem ficar bombados e algumas gazelas desgarradas, balançando eroticamente seus rabos de cavalo.
O pessoal que frequenta outros horários da conta de
que ao longo da manhã a parceria feminina se qualifica e rejuvenesce. Mas eu fora.
Nesse cenário, um caminhante vinha me chamando a atenção em especial. Aparentando uns 70 anos, abrigo fora de moda,
chapéu enterrado na cabeça e radinho na mão , ele cruzava por mim revelando
incomum interesse no olhar. Mal nos
cumprimentávamos com um leve aceno de cabeça, mas aquela figura me instigava a
imaginação. Por que o senhor idoso, de caminhar arrastado, cruzava daquela forma
o meu caminho?
Foi então que caiu a
ficha: o velhinho era eu amanhã, eu
retornando do futuro, talvez trazendo alguma mensagem do porvir, tentando estabelecer
contato. Fiquei impactado com a
revelação e enternecido com o meu clone setentão. Se havia alguma dúvida do que significávamos
um para o outro, o radinho companheiro foi a prova das nossas identidades. E mais aquele jeito, aqueles olhos claros...
Não me perguntem o que tudo isso significa porque
perdi o bom velhinho de vista. Teria
passado desta para uma melhor? Seria
essa a mensagem que ele tentava me passar, dando indicações da minha finitude? Como me arrependo de não ter dialogado com o
outro Flávio . Quanta informação e
conhecimento deixei de absorver! Pensando bem,
talvez tenha escapado de saber um montão de infortúnios e outro tanto de
sacanagens. Acho que fiquei no lucro, mas
se o velho surgir de novo na minha frente passarei a acreditar em reencarnação.
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